segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Ferrogrão: consolidando a invasão da Amazônia – Parte 1

Traçado da Ferrogrão ou EF 170 - Terras Indígenas e Unidades de Conservação
Fonte: Mongabay
A calada da noite, em Brasília, é a mãe que pare decisões insanas do Congresso Nacional. (Telma Monteiro)
Por Telma Monteiro

Só quem acompanha diuturnamente esse arremedo de desenvolvimento pretendido pelos últimos três governos brasileiros consegue entender a dinâmica da destruição da Amazônia. Para aquele que não acompanha o dia a dia e só vê fragmentos aqui e ali despejados por jornalistas falsamente perplexos, nunca vai captar a verdade.

A TV Globo se esmera em demonstrar, em matérias sobre a Natureza, uma profundidade de lâmina d’água sobre a biodiversidade da Amazônia. Pura falta de respeito.

 Veja-se a Renca, aquela linha imaginária na forma de quadrilátero que congelou, em 1984, uma riqueza imensa de ouro e outros minérios, alguns trilhões de Reais, de 42 milhões de hectares, divididos entre o Amapá e o Pará. Uma Portaria do MME tentou desbloquear a Renca, para sua exploração, em que a principal interessada é a Vale. A sociedade se mobilizou, alguns artistas “globais” e internacionais aproveitaram os palcos do Rock In Rio 2017 para incentivar o público a “salvar” a Amazônia.

Temer, para evitar maior desgaste, apareceu, então, com um decreto dizendo que não era bem assim. Só que é e sempre será assim. A poeira vai baixar e a Renca será desbloqueada num momento em que estivermos fragilizados por outros incontáveis problemas tão importantes como esse. A calada da noite em Brasília é a mãe que pare decisões insanas do Congresso Nacional. Veja a MP 795, batizada MP do Trilhão.  

O caso da Renca foi, até agora, o último imbróglio mobilizador em defesa da Amazônia. Só que antes tivemos outros, como as hidrelétricas nos rios Madeira, Teles Pires, Xingu, todas na Amazônia e que a atingiram duramente. E a bacia do rio Tapajós também está ameaçada por seis hidrelétricas. Unidades de Conservação foram reduzidas, terras indígenas afetadas, biodiversidade destruída, lençóis freáticos contaminados, populações compulsoriamente removidas de seus habitats, sazonalidades alteradas, igarapés contaminados, diminuição da pesca de subsistência. A mobilização foi quase nenhuma, desde 2003, fora os ambientalistas, ativistas, algumas Ongs e acadêmicos. Belo Monte conseguiu um pouco mais de visibilidade. Mas está aí, infelizmente.

A questão da mineradora canadense Belo Sun Mining, projeto para minerar 50 toneladas de ouro, só para começar, ao lado das obras da hidrelétrica Belo Monte e na divisa da TI Paquiçamba, na Volta Grande de Xingu, também quase passou em brancas nuvens pela mídia. É mais um exemplo. Licenciada pelo governo do Estado do Pará e com desconhecimento quase nulo por parte da opinião pública. Nem mereceu espaço “global” ou engajamento consistente internacional.


Como o mal nunca tem fim, estamos prestes a encarar mais uma ameaça na Amazônia. Já escrevi sobre a questão do Parque Nacional do Jamanxim que sofreu alteração. Agora já sabemos que é para viabilizar a Ferrogrão, entre outras coisas. O governo pretende licitar a Ferrogrão, em 2018, para aumentar o lucro do agronegócio na Amazônia Legal e impactar, novamente, 19 terras indígenas e unidades de conservação. Grandes empresas internacionais e nacionais já se compõem em consórcios para arrematar uma obra de R$ 12,5 bilhões. O governo já se movimenta para financiar, como sempre.

A estrada de ferro de 1.442 km vai seguir paralela à BR 163 que já atravessa o Parque Nacional do Jamanxim e levou à ocupação ilegal, comércio de madeira ilegal e grilagem na região.  Mas a alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim deve "legalizar" tudo. Além da ferrovia para escoar os grãos do norte do Mato Grosso, estão previstos a construção de 54 pátios de carga e descarga e como se não bastasse, a BR 163 será totalmente recuperada. 

Todos os detalhes de mais essa afronta à Amazônia fica para a Parte 2 desta pesquisa. 

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Energia elétrica: mais termelétricas a carvão mineral, menos energia solar até 2026


Telma Monteiro

Os cenários considerados pelo Plano Decenal de Energia 2026 (PDE 2026) preveem mínima expansão da energia solar fotovoltaica devido aos altos custos de implementação.

Em momento algum a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), autora do PDE, aborda a importância dos incentivos do governo à energia solar, que fariam baixar custos para se tornar competitiva.

No entanto, a EPE considera, num dos cenários analisados, um aumento do número de plantas termelétricas a carvão mineral. Um belo retrocesso. O que, consequentemente, levaria a um acréscimo de 20% de emissões de gases de efeito estufa (dados do próprio PDE). E por falar em emissões, como fica o Acordo de Paris?

Incentivo à tecnologia, publicidade e financiamentos poderiam viabilizar a instalação de empresas voltadas para o mercado de energia solar. Todos ganhariam. O país, o meio ambiente, a Amazônia, os rios  e o mercado com o aumento de empregos e a economia de escala.

O consumidor adoraria produzir sua própria energia e ainda vender o excedente para a rede. Mas o governo não fala em investimentos nessa área. Os apaniguados do Congresso e do Palácio do Planalto já devem estar contemplados com promessas de lucros da energia elétrica mais cara, gerada por termelétricas a carvão e hidrelétricas sazonais.

Ainda, em outro cenário sobre as fontes geradoras de energia elétrica, a EPE considerou que as mudanças climáticas podem inviabilizar definitivamente as hidrelétricas. Boa notícia de um lado e ruim de outro.


Além das mudanças climáticas eu acrescentaria a fuga das grandes empreiteiras do mercado de construção de hidrelétricas. Sem sobrepreço não tem como bancar as campanhas políticas. Os amigos do rei estão presos.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Amazon dam defeats Brazil’s environment agency (commentary)


Commentary by  on 20 September 2017

The term “controversial” is inadequate to describe the São Manoel Dam.

It is located only 700 m from the Kayabí Indigenous Land and has already provoked a series of confrontations with the indigenous people.

As with other dams, São Manoel can be expected to negatively affect the fish and turtles that are vital food sources for the Kayabí, Munduruku and Apiacá indigenous groups.
This post is a commentary. The views expressed are those of the author.

The term “controversial” is inadequate to describe the São Manoel Dam. It is located only 700 m from the Kayabí Indigenous Land and has already provoked a series of confrontations with the indigenous people (see here, here, here and here). As with other dams, São Manoel can be expected to negatively affect the fish and turtles that are vital food sources for the Kayabí, Munduruku and Apiacá indigenous groups. It also destroys sacred sites, as well as gravesites and archaeological locations that are revered by the group, among many other impacts.

São Manoel is on the Teles Pires River in Brazil’s state of Mato Grosso. It is one of the 43 existing or planned “large” (> 30 MW installed capacity) dams in the Tapajós Basin (see here). The dam received its operating license on 5 September 2017, signed by the head (“president”) of IBAMA (Brazilian Institute of the Environment and Renewable Natural Resources), which is the federal agency responsible for environmental licensing. This will allow the reservoir to be filled. The head of IBAMA overrode the formal technical opinion (parecer) of the agency’s licensing department, which concluded that “The absence of data that have been requested, and the noncompliance with demands made in several technical opinions issued by IBAMA that are identified here, impedes the present analysis from visualizing the true magnitude of the environmental impacts …. Therefore, the present technical opinion will not present suggestions for preconditions for the operating license so long as there are unfulfilled requirements for information …” 

“Preconditions” (condicionantes) are a relatively recent invention to streamline (i.e., weaken) the licensing system. They refer to requirements specified in the licenses that are supposed to be met before the next step in the licensing process is approved, or at least this was the way the term was used up until the recent past. Preconditions were not originally part of Brazil’s environmental-licensing system: from the advent of the system in 1986 until 2002, demands from IBAMA had to be met before the next in the series of three licenses (preliminary, installation and operation) was granted. Then, beginning with the Workers’ Party presidential administrations, the granting of licenses with attached lists of preconditions rapidly became the norm in order to allow infrastructure developments to proceed without waiting to satisfy the requirements for each step. The Madeira River dams were first to be allowed to go to completion with preconditions still unmet, but the notorious Belo Monte Dam, whose reservoir was filled in 2015, elevated this loophole to new heights, and history there has shown that little is done to make good on the preconditions once the final license is granted.

The Environmental Impact Study (EIA) for São Manoel has a long, long list of inadequacies. The 133-page IBAMA technical opinion recommending against approval of the operating license is a testament to these problems. The treatment of impacts on indigenous peoples, which is the most dramatic impact, is relegated to an appendix rather than being included as part of the main report. This also occurred with the São Luiz do Tapajós Dam in 2014 (see here). The São Manoel Dam consortium kept essentially none of its promises regarding the “indigenous component,” including the involvement of the indigenous groups and the time schedule for preparing the document. Relations with the impacted groups were not improved by the 2012 killing of Adenilson Kirixi Munduruku when the Federal Police invaded a Kayabi village (see here and here), nor when the Sete Quedas rapids (the most sacred site of the affected groups) was dynamited in 2013 to make way for the Teles Pires Dam, 40 km upstream of São Manoel. São Manoel’s RIMA (a simplified version of the EIA for public consumption) concludes that the dam project “is viable from the social and environmental point of view” (RIMA, p. 105).

The EIA contains a 23-page list of 337 laws, decrees and regulations that the authors considered to apply to São Manoel (EIA, Vol. 1, Chapter 3, pp. 81-104). Incredibly, the list fails to include the most significant and relevant decree: Decree No. 5051 of 19 April 2004 (see here), which converts International Labor Organization (ILO) Convention 169 into Brazilian law. The convention and decree require that indigenous people “impacted” by projects such as dams be “consulted” and give their free, prior and informed consent to the project. The impacted groups were definitely not consulted (see here). The term “consultation” in ILO-169 means that the people have a say in the decision to build the project in question (see here). This should not be confused with a “public hearing” (audiência pública) where participants can make suggestions (which may or may not be accepted) on mitigation and compensation or minor changes in project design, but not the existence of the project itself (see here).

The licensing and construction of São Manoel have been temporarily halted on various occasions by judicial orders (liminares) on the basis of not having consulted the indigenous people . These orders have repeatedly been reversed by agencies in the government’s executive branch seeking out selected judges who are willing to apply a “security suspension” to overturn the order (see here). The “security suspension” is a device created by Brazil’s 1964-1985 military dictatorship (Law 4348 of 26 June 1964) allowing any judge to overturn a judicial decision that causes “grave damage to the public economy.” This has been expanded and broadened since the end of the dictatorship (Law 8437 of 30 June 1992 and Law 12,016 of 7 August 2009). Since dams are always important for the economy, orders to halt them can easily be overturned regardless of how many laws, constitutional protections or international agreements have been violated (see here, and here).

The head of IBAMA’s overriding of the technical staff is part of an unfortunate pattern that began with the Madeira River dams (see here) and was repeated with Belo Monte (see here and here). Political pressure on the Minister of Environment and on IBAMA (which is under that ministry) has proven to be an effective means of obtaining project approval no matter how severe the impacts or how flagrant the licensing irregularities.

In addition, since 2015 the technical staff in IBAMA’s licensing department have come under increasing pressure to approve infrastructure projects and to do it quickly (see here, here and here). In June 2017, the Ministry of Environment changed its policies on granting pay bonuses to the technical staff based on productivity. Previously, staff received bonuses based on the number of technical opinions they produced – a measure apparently intended to speed up their output even if corners were cut in terms of the completeness of the analyses. Now the incentives have been further tilted by giving the bonus only for favorable opinions, not for those recommending against approval of a license (see here).
The 25 August 2017 opinion recommending against approval of São Manoel until all preconditions have been met illustrates a recent change in practice: the technical staff no longer signs the technical opinions in order to minimize the risk of prosecution for “bad faith” or being held personally responsible for financial losses to the project proponents. This has been threatened on various occasions by infrastructure builders and government prosecutors, as in the cases of the Santo Antônio, Jirau and Belo Monte dams (see here and here).

São Manoel illustrates yet another worrisome trend. This is the increasing influence of China in Amazon dam building. In 2014, the China Three Gorges company purchased a 33% share of São Manoel (see here). Until its EIA was “archived” in April 2016, China Three Gorges was preparing to bid on the São Luiz do Tapajós dam, which would also flood indigenous land. Currently Zhejiang Electric Power Construction (ZEPC) is reportedly negotiating for a share of the Belo Monte Dam (see here and here). Clearly, Chinese investors are not deterred by the reputational costs of investing in Brazil’s most infamous hydroelectric projects. China’s multiple impacts in Amazonia are rapidly increasing (see here), and investment in dams is likely to continue.
*Excelente artigo de Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), de quem tenho a honra de ser amiga. Meu grande inspirador, Philip Fearnside foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz em 2007, com outros cientistas do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), que alertavam sobre os riscos do aquecimento global. Americano que vive no Brasil e ama a Amazônia. 
Tem centenas de publicações no Brasil e fora dele e sempre me honra com citações nos seus trabalhos. Muito obrigada Philip! Poucos brasileiros contribuíram com a preservação da Amazônia como Philip Fearnside. (Telma Monteiro)

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

As lições ambientais que o Brasil não aprendeu põem em risco a vida dos brasileiros

Não acredito que o Brasil, ou melhor dizendo, o governo brasileiro tenha aprendido as lições sobre preservação ambiental nas últimas décadas. A triste realidade que estamos vivendo, com a destruição dos biomas brasileiros, desrespeito aos povos tradicionais, desmanche das leis ambientais, enfraquecimento do Ibama e o aumento das emissões de gases de efeito estufa confirmam a má vontade dos governos anteriores, e deste atual, de cumprir compromissos assumidos desde os anos 1970. 

Os últimos presidentes da República continuam defendendo interesses imediatistas, desde Estocolmo, em 1972. Suas escolhas são equivocadas, depois de terem assumido compromissos na Rio 92 e na Rio + 20. Apesar de aceitarem acordos, deixaram de fazer um controle eficaz da poluição e do desmatamento, alegando que isso poderia reduzir o crescimento. Com os problemas que cercam o poder, o tão cantado crescimento de 5% ao ano desceu a ladeira. Prova que deixar a questão ambiental no fim da fila não ajudou a recuperar a economia. 

As lições ambientais que o Brasil não aprendeu põem em risco a vida dos brasileiros

Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania

Não acredito que o Brasil, ou melhor dizendo, o governo brasileiro tenha aprendido as lições sobre preservação ambiental nas últimas décadas. A triste realidade que estamos vivendo, com a destruição dos biomas brasileiros, desrespeito aos povos tradicionais, desmanche das leis ambientais, enfraquecimento do Ibama e o aumento das emissões de gases de efeito estufa confirmam a má vontade dos governos anteriores, e deste atual, de cumprir compromissos assumidos desde os anos 1970.

Os últimos presidentes da República continuam defendendo interesses imediatistas, desde Estocolmo, em 1972. Suas escolhas são equivocadas, depois de terem assumido compromissos na Rio 92 e na Rio + 20. Apesar de aceitarem acordos, deixaram de fazer um controle eficaz da poluição e do desmatamento, alegando que isso poderia reduzir o crescimento. Com os problemas que cercam o poder, o tão cantado crescimento de 5% ao ano desceu a ladeira. Prova que deixar a questão ambiental no fim da fila não ajudou a recuperar a economia.

Exemplos não nos faltam. Quanto estão custando as catástrofes ambientais aos governos do mundo inteiro? Europa, EUA, por exemplo, estão sofrendo com eventos extremos e o mais evidente, o Caribe, avança numa situação de calamidade que produzirá refugiados ambientais. E o Brasil vai pelo mesmo caminho. É certo que não temos furacões, tufões ou tornados, ou tempestades atípicas e secas que devastam a Europa nos dois últimos meses. As queimadas incendeiam florestas que deveriam servir para equilibrar o clima e, aqui no Brasil, os biomas ardem com a seca excessiva. Não há dúvidas que o capital agropecuário já começa a sentir os reflexos da sua própria incúria.

As populações sofrem com os eventos climáticos e seus prejuízos jamais são recuperados ou indenizados. O agronegócio também sofre, com a diferença que ele tem atrás de si todo o aparato do custeio por parte dos bancos públicos com juros subsidiados. Para recuperar a lavoura perdida não falta dinheiro. Para proteger as florestas falta tudo, desde infraestrutura de combate aos incêndios à fiscalização contra ocupação, grilagem e desmatamento. Estamos vivendo o desmanche de anos de tentativas de incutir na sociedade o respeito à Natureza.

Reservatórios de hidrelétricas estão abaixo de sua capacidade de armazenamento e a sociedade prestes a sofrer um colapso na geração de energia elétrica. Risco que corremos por não termos, em tempo, planejado nossas estratégias de mudança da matriz energética. Não seguimos, a exemplo de outros países, mudar o futuro e preferimos depender de uma fonte que sofre muito com as mudanças climáticas: a energia hidrelétrica.

Uma tentativa de retomada da economia brasileira está como sempre desconectada da questão ambiental. Tenho a impressão que sempre esteve. É verdade que a recuperação econômica e política, por si só, não podem, por decreto, serem sinônimos de redução da miséria. As políticas públicas estão absolutamente defasadas em relação à preocupação com a economia limitada à bolsa de valores e a capitais de oportunidade que vão e vêm.

Bancos se dão muito bem nesse caldo de cultura financeiro, grandes empresas que dependem de investimentos com dinheiro público, também, e um leque de companhias de investimentos mobiliários buscam a estabilidade do dinheiro e não a produção de riquezas para empregar brasileiros.

Com relação ao meio ambiente, a proposta brasileira para redução da emissão de gases de efeito estufa, por exemplo, nunca foi verdadeiramente ambiciosa. Evidência, essa, explícita nas décadas de ignorância da responsabilidade que nos cabe no aumento do aquecimento global.

As “pitonisas” da economia do governo federal se obstinam em adivinhar se as metas econômicas serão ou não atingidas, neste ou naquele momento. Enquanto isso, o erro estratégico de não enfrentar a raiz dos problemas impede o mais primário estágio de desenvolvimento com distribuição equânime de riquezas, promovendo fragilidade e insustentabilidade social e ambiental. 

Enquanto o Brasil perseguir a tal meta de destaque no mundo global, em detrimento das mudanças climáticas, do uso sustentável das riquezas naturais e do equilíbrio político, o protagonismo na América Latina não virá. E não sei ao certo para que serviria. Não dá mais para tentar uma arrancada de credibilidade, como tenta fazer Temer, protocolarmente, na ONU, tendo perdido a noção da importância da preservação da Amazônia, ou do Pantanal, ou do Cerrado.

Se o Brasil não cumpre minimamente sua agenda interna de sustentabilidade seria simplesmente irônico que cumprisse seus compromissos internacionais de redução das emissões e proteção dos seus biomas.

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Exemplos não nos faltam. Quanto estão custando as catástrofes ambientais aos governos do mundo inteiro? Europa, EUA, por exemplo, estão sofrendo com eventos extremos e o mais evidente, o Caribe, avança numa situação de calamidade que produzirá refugiados ambientais. E o Brasil vai pelo mesmo caminho. É certo que não temos furacões, tufões ou tornados, ou tempestades atípicas e secas que devastam a Europa nos dois últimos meses. As queimadas incendeiam florestas que deveriam servir para equilibrar o clima e, aqui no Brasil, os biomas ardem com a seca excessiva. Não há dúvidas que o capital agropecuário já começa a sentir os reflexos da sua própria incúria. 

As populações sofrem com os eventos climáticos e seus prejuízos jamais são recuperados ou indenizados. O agronegócio também sofre, com a diferença que ele tem atrás de si todo o aparato do custeio por parte dos bancos públicos com juros subsidiados. Para recuperar a lavoura perdida não falta dinheiro. Para proteger as florestas falta tudo, desde infraestrutura de combate aos incêndios à fiscalização contra ocupação, grilagem e desmatamento. Estamos vivendo o desmanche de anos de tentativas de incutir na sociedade o respeito à Natureza. 

Reservatórios de hidrelétricas estão abaixo de sua capacidade de armazenamento e a sociedade prestes a sofrer um colapso na geração de energia elétrica. Risco que corremos por não termos, em tempo, planejado nossas estratégias de mudança da matriz energética. Não seguimos, a exemplo de outros países, mudar o futuro e preferimos depender de uma fonte que sofre muito com as mudanças climáticas: a energia hidrelétrica. 

Uma tentativa de retomada da economia brasileira está como sempre desconectada da questão ambiental. Tenho a impressão que sempre esteve. É verdade que a recuperação econômica e política, por si só, não podem, por decreto, serem sinônimos de redução da miséria. As políticas públicas estão absolutamente defasadas em relação à preocupação com a economia limitada à bolsa de valores e a capitais de oportunidade que vão e vêm. 

Bancos se dão muito bem nesse caldo de cultura financeiro, grandes empresas que dependem de investimentos com dinheiro público, também, e um leque de companhias de investimentos mobiliários buscam a estabilidade do dinheiro e não a produção de riquezas para empregar brasileiros.

Com relação ao meio ambiente, a proposta brasileira para redução da emissão de gases de efeito estufa, por exemplo, nunca foi verdadeiramente ambiciosa. Evidência, essa, explícita nas décadas de ignorância da responsabilidade que nos cabe no aumento do aquecimento global. 

As “pitonisas” da economia do governo federal se obstinam em adivinhar se as metas econômicas serão ou não atingidas, neste ou naquele momento. Enquanto isso, o erro estratégico de não enfrentar a raiz dos problemas impede o mais primário estágio de desenvolvimento com distribuição equânime de riquezas, promovendo fragilidade e insustentabilidade social e ambiental.  

Enquanto o Brasil perseguir a tal meta de destaque no mundo global, em detrimento das mudanças climáticas, do uso sustentável das riquezas naturais e do equilíbrio político, o protagonismo na América Latina não virá. E não sei ao certo para que serviria. Não dá mais para tentar uma arrancada de credibilidade, como tenta fazer Temer, protocolarmente, na ONU, tendo perdido a noção da importância da preservação da Amazônia, ou do Pantanal, ou do Cerrado.

Se o Brasil não cumpre minimamente sua agenda interna de sustentabilidade seria simplesmente irônico que cumprisse seus compromissos internacionais de redução das emissões e proteção dos seus biomas.

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Para quem Temer quer dar a Amazônia?A Amazônia e a Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA)Brasil, mineração e biodiversidadeA resposta, meu amigo, está soprando ao vento...Chance de limitar aquecimento a 1,5ºC é maior do que se imaginava (mas ainda bem pequena)
Água, o grande desafio

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Para quem Temer quer dar a Amazônia?


As mineradoras fingem que respeitam a legislação ambiental e o Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente fingem que fiscalizam.
Telma Monteiro

Li que a Renca deveria ser anulada para que a indústria mineradora e “redentora” pudesse se soltar e transformar a riqueza da Amazônia em riqueza do povo brasileiro. Onde, no Brasil, alguma mineradora, alguma vez, transformou a exploração em algo que não fosse degradação e desastre? E, lógico, em enormes lucros para si própria.

Quando foi criada, a Renca deveria preservar a região para a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), hoje apenas Vale. Na época a companhia estava sob a presidência de Eliezer Batista ( que para quem não sabe é pai de Ike Batista) conhecedor dos mapas das minas de toda Amazônia. Liberar a Renca, como quer o governo Temer, será perpetuar a apropriação dos recursos naturais, na forma de commodities minerais, sem agregar valor, para exportar para a China, por exemplo.

O potencial da Renca é rico em ouro, ferro, manganês e tântalo, por enquanto. É o que foi dito pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, ao presidente Temer. Segundo o geólogo Antônio Feijão, ex-diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) no Amapá, pode-se multiplicar muitas vezes a quantidade de ouro de Serra Pelada. Só com essa afirmação pode-se imaginar o que acontecerá com a região se a Renca for desbloqueada.

Como costuma acontecer, vão enxotar indígenas, degradar rios e marcar a floresta com ferro e fogo. A grande parte dos processos minerários, anteriores a 1984, “preservada”, foi objeto de apropriação do próprio Estado para uso do próprio Estado, em parceria com empresas e interesses impublicáveis.
Na esteira da mineração vem todo o resto. Vem a ocupação, a grilagem, o agronegócio predatório, as queimadas, a contaminação dos rios, a venda ilegal de madeira. Ninguém vai fiscalizar. Sabe por quê? A política é que manda.

Até agora, por ironia do destino, o bloqueio da Renca acabou sendo um escudo de defesa da região contra o ataque das grandes mineradoras nacionais e internacionais. Esqueceram a Renca e os governos se sucederam.

Depois da criação da Renca, em 1984, sob o regime militar, foram criadas e consolidadas muitas Unidades de Conservação e algumas se superpõe à área. A Floresta Estadual Paru foi criada oficialmente em 2006; RDS Rio Iratapuru foi criada em 1997; APA Arquipélago do Marajó criada em 1989; Rebio Maicuru criada em 2006; PARNA Montanhas do Tumucumaque criada em 2002; FE do Amapá criada em 2006; Resex do Rio Cajari criada em 1990; Terra Indígena Waiãpi homologada em 1996; Terra Indígena Rio Paru D’Este homologada em 1997.


Com tantos exemplos em que os limites de Unidades de Conservação e terras indígenas não foram respeitados para que grandes projetos hidrelétricos fossem construídos na Amazônia, é irônico pensar que com a Renca extinta isso acontecerá. As unidades de conservação são, na verdade, um empecilho a ser removido para viabilizar mais que os 31% livres de superposição, para exploração mineral. É preciso recordar que Dilma reduziu unidades de conservação para fazer caber as usinas hidrelétricas planejadas no rio Tapajós. O que significa para o povo brasileiro “interesse da nação”?

Agora queremos respostas sobre o porquê açodado do desbloqueio da Renca a pedido do Ministério de Minas e Energia. O que realmente está por trás da Portaria de março de 2017? Política? Negócios com o Canadá? As empresas canadenses já estão presentes na Amazônia, desde a região de Belo Monte, no Xingu, com a Belo Sun Mining, até a exploração ao longo da bacia do rio Jamanxim. Então, por que um decreto tão sucinto? O mapa da época que o ilustrou mostra a região da Renca de forma a parecer um deserto.

Dou a pista aqui. Segundo a portaria do Ministério de Minas e Energia, o objetivo da extinção da reserva é o de "se criar mecanismos para viabilizar a atração de novos investimentos para o setor mineral". Eis o que significa para o governo o “interesse da nação”.  

A Vale na Renca
Em 1967 o Projeto Carajás da Vale se tornou realidade. É um exemplo devastador com feridas ainda abertas que jamais cicatrizarão. A exploração de Carajás criou uma espécie de tradição na vocação da região e despertou a cobiça dos militares e de empresas mineradoras do mundo inteiro. Quem pode garantir a integridade da Amazônia? Seria o Ministério do Meio Ambiente, capenga, sob a batuta de um ministro fraco e despreparado? Ou o Ibama, desestruturado, sem pernas nem para impedir o comércio ilegal da madeira retirada da floresta nas barbas da sociedade? Quem vai fiscalizar? Multar e punir? São apenas dois fiscais do Ibama na região da Renca.

Carajás
A Vale não podia explorar aquele quadrilátero de mais de 46 mil quilômetros quadrados antes de 1984, quando a Renca foi criada. Guardaram para o futuro. Congelar a região foi uma cortina de fumaça para impedir que as verdadeiras riquezas ali já descobertas e a descobrir pelos geólogos da CPRM e Vale fossem destinadas a outros interessados. Uma disputa da Vale com a British Petrolium (BP), pelos títulos e autorizações de lavra na Renca, ameaçava criar um quiproquó internacional contra o Brasil. O governo e a Vale preferiram bloquear “temporariamente” a reserva, evitando assim que a BP reivindicasse direitos.

O tempo passou, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foi privatizada e se transformou na poderosa Vale, empresa que já ganhou o prêmio de pior do mundo.
   
Infelizmente, o futuro viria confirmar o título com o desastre de Mariana provocado pela negligência da Samarco. A Vale foi, também, campeã de contribuições a políticos. O PMDB do Temer foi amplamente beneficiado pelos milhões que ajudaram a eleger gente que manda no Ministério de Minas e Energia.

Em 2016 começou uma verdadeira campanha para “recuperar” a credibilidade da mineração brasileira e foi criado o Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira, composto por três Medidas Provisórias.

A CPRM
O projeto “Pesquisa Geológico-Econômica na Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca)”, sob o título de Projetos Especiais e de Apoio, foi citado apenas no Relatório Anual da CPRM do ano de 1990. Em mais nenhum relatório ele foi mencionado.

Esse foi o primeiro Relatório Anual da CPRM, de 1990, em que se escancarou o fracasso da companhia e a necessidade de se cobrir os prejuízos assumidos em dívidas com bancos, fornecedores, passivos trabalhistas, imóveis alugados. Como justificar os imóveis milionários da CPRM como um no Rio de Janeiro, com 26 mil m² de área construída.

Lista das unidades da CPRM no Brasil
A CPRM, ainda responsável pela Renca, é hoje uma empresa pública. Passou de Empresa de Economia Mista para Empresa Pública, em 1994. O objetivo da criação da Renca era o de garantir a exclusividade da CPRM na prospecção e lavra nessa rica região mineral. Mas as coisas não saíram como o planejado, pois em 1990 a CPRM tinha uma dívida de 10 milhões de dólares e muitas dificuldades para dar andamento nas suas atividades fins. Só ela teria autoridade para realizar pesquisas e concessões de lavra às empresas com as quais negociava. A Renca é parte disso.

A história da CPRM mostra o seu fracasso desde que a Renca foi criada. Sem recursos financeiros e técnicos, e sob forte influência política o programa fracassou. Em 1994 passou a ser Serviço Geológico do Brasil, ou seja, dormência absoluta, e alijado dos propósitos iniciais de levantamentos geológicos, geofísicos e pesquisa mineral que passaram à iniciativa privada.


O salvo-conduto da Amazônia teve início nesse momento. Sem recursos, relegada a um plano secundário, a CPRM não concluiu sua missão e foi o que preservou aquele rico quadrilátero até os dias de hoje. O conhecimento e pesquisa mineral da área congelou depois que a CPRM se tornou uma empesa pública, hoje conhecida como Serviço Geológico.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Amazônia: a pilhagem continua


Processos minerários na Reserva de Cobre e seus Associados (RENCA)
(Retângulo rosa é a área da RENCA) Fonte: Sigmine. Edição Telma Monteiro
Por Telma Monteiro

"A riqueza subterrânea não explorada é a guardiã da outra riqueza, essa na superfície, a biodiversidade da Amazônia." (Telma Monteiro)
Levei um bom tempo para deglutir mais um crime contra a Amazônia. Desta vez pelo governo de plantão, sob a batuta de Temer, Rodrigo Maia e quiçá um tal de Fufuca. Quando você acha que não vai se surpreender com mais nada, acontece uma novidade que nunca é boa. A primeira analogia que me veio foi estupro. Liberar a Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA), entre o Pará e o Amapá seria o mesmo que estuprar a Natureza na sua versão mais perfeita.

Entendo que o termo pode parecer muito forte, mas há que se chacoalhar a sociedade brasileira, essa alienada, em que vivemos atualmente. Aqueles que se manifestaram nas redes sociais, gritando contra a Portaria do Ministério de Minas e Energia e contra o famigerado Decreto de Temer, são, infelizmente, muito poucos. Aí Gisele, a bela, apareceu. Sua voz percorreu o mundo e o governo brasileiro, acuado, cedeu. Por 120 dias. Para discutir com a sociedade. Com quem? Você que está acompanhando essa possível mutilação, acredita?

Assisti gente inteligente, acadêmicos, jornalistas, especialistas, até ex- presidente do ICMBIO falando ou escrevendo que acabar com a RENCA seria uma espécie de redenção, um salvo conduto em defesa da biodiversidade da Amazônia. Mineradoras e garimpos clandestinos de ouro, pistas de pouso camufladas, estradas desenhadas na floresta impotente, poderiam ser controlados e desapareceriam com o desbloqueio da RENCA. Querem dizer que desbloquear a reserva é para impedir ilegalidades e dar espaço para as “legalidades” que costumam destruir o meio ambiente. 

Samarco, uma joint venture entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, destruiu o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, MG. Os responsáveis pela Samarco conseguiram, em alguma instância do nosso judiciário, se safar da garantia que teriam que pagar. Diante disso, pergunto se já não ficou bastante claro como as mineradoras, sejam elas brasileiras ou grandes conglomerados internacionais, não são confiáveis. Seus sites são verdadeiras pérolas de promessas de desenvolvimento, preservação, recuperação e sustentabilidade. A Samarco foi criada em 1977 e o rompimento da barragem de Bento Rodrigues não foi seu primeiro desastre. Há uma sequência deles que causaram enormes danos socioambientais onde a Samarco atuou e que ainda não foram compensados.

Como explicar que a Amazônia estaria “protegida” com a extinção da RENCA? Nem vou entrar na descrição de quantas mineradoras estariam invadindo legal e ilegalmente a área da reserva desbloqueada.

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Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?   Telma Monteiro, para o Correio da Cid...