quinta-feira, 31 de março de 2011

Belo Monte "ressurge das catacumbas do regime militar"


Mapa Norte Energia
O Caso da usina de Belo Monte http://diplomatique.uol.com.br/interf/spacer.gif

É verdade que Belo Monte inundará metade da área originalmente planejada, mas isso se dará à custa de mais de 100 km de rio que viverá uma seca eterna. Nesse trecho estão localizadas duas comunidades indígenas e várias ribeirinhas, todas dependentes das águas do Xingu para se alimentar, se locomover e ter alguma renda.
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por Biviany Rojas, Raul Silva Telles do Valle http://diplomatique.uol.com.br/interf/spacer.gif
  
Há aproximadamente 30 anos, ainda sob a tutela de um governo militar, o Brasil dava um importante passo para a construção do Estado Democrático de Direito que se consolidaria anos mais tarde: era aprovada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6938/81) que, entre outras coisas, instituiu entre nós o procedimento de avaliação de impacto ambiental de grandes obras e projetos. De lá para cá, o licenciamento se transformou no principal instrumento da política ambiental brasileira e um símbolo da nova democracia. Não só possibilita uma minuciosa análise das consequências que um projeto pode trazer, como abre a possibilidade de participação formal da sociedade civil no processo decisório por meio das audiências públicas. Sua institucionalização trouxe a esperança de que projetos mal feitos não seriam mais empurrados goela abaixo da sociedade, como foi o caso da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, ou da rodovia Transamazônica, mas simplesmente arquivados.

Mas eis que a história vem nos pregar peças. Em pleno século XXI, em meio ao mais longo período democrático da vida brasileira, com um governo popular no poder, ressurge das catacumbas do regime militar o fantasma da usina hidrelétrica de Belo Monte, a ser construída no rio Xingu, no Pará.Para quem não conhece, Belo Monte é o “remake” de um projeto de engenharia dos anos 1970, que previa a construção de seis grandes hidrelétricas ao longo do rio Xingu, um dos rios mais ricos em diversidade social e ambiental do mundo. O conjunto de barragens alagaria quase 20 mil km2 – equivalente ao tamanho do Estado de Sergipe – e, além de destruir o rio, desalojaria grande número de comunidades indígenas e ribeirinhas. A joia mais importante dessa coroa de barragens era Kararaô, que sozinha poderia gerar até 11 mil MW, uma enormidade de energia. Ocorre que os Kayapó, povo indígena que domina boa parte do médio e baixo curso do Xingu, e por isso mesmo os principais afetados pelo projeto, não gostaram dessa história. Auxiliados pelo nascente movimento socioambientalista brasileiro, promoveram em 1989 a primeira grande manifestação indígena contra o governo do período democrático. O Io Encontro dos Povos da Floresta, ocorrido em Altamira (PA), teve grande repercussão mundial, o que fez com que os financiadores internacionais revissem sua posição e o projeto morresse, pois o país não tinha condição, na época, de custear sozinho essa aventura.

Kararaô ressurgiria em 2003 com novo nome e nova roupagem. Agora Belo Monte, a hidrelétrica não alagaria tanta área e, em teoria, não viria acompanhada de outras cinco barragens. A mágica se deveu a mudanças no projeto de engenharia e de estratégia política. Sob o aspecto técnico trocou-se uma grande barragem por duas menores, sendo que uma delas tem a função de desviar o rio Xingu de seu curso natural, empurrando-o para um grande canal artificial que o devolverá ao seu leito mais de 100 km depois. Com isso, aproveita-se um desnível geológico para gerar energia. Assim, o lago que antes teria mais de 1.200 km2 passou a ter pouco menos de 600 km2, ainda assim uma área maior que a do município de Porto Alegre.

Essa mudança de projeto decorreu da percepção dos dirigentes da Eletrobrás de que a sociedade já não toleraria mais casos como o da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, nos quais grandes áreas de floresta tropical são inundadas e milhares de pessoas são imediatamente desalojadas. Por essa razão, não só alteraram o arranjo da obra, como fizeram aprovar no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) uma resolução que aponta Belo Monte como o único aproveitamento hidrelétrico a ser realizado no rio Xingu. Ou seja, já não existiriam as demais hidrelétricas originalmente planejadas.

Olhando assim, parece uma grande vitória da sociedade. Afinal, o projeto foi remodelado para gerar a mesma quantidade de energia com muito menos impacto. E as demais hidrelétricas não serão construídas, tudo em nome do respeito à biodiversidade e às populações indígenas que vivem à beira do Xingu. É verdade que Belo Monte inundará metade da área originalmente planejada, mas é também verdade que isso se dará à custa de mais de 100 km de rio que viverá uma seca eterna, pois mais de 80% da água que passa por lá será desviada para gerar energia. Nesse trecho seco (equivalente à distância entre São Paulo e Campinas) estão localizadas duas comunidades indígenas (Arara da Volta Grande e Paquiçamba) e várias comunidades ribeirinhas, todas diretamente dependentes do rio para se alimentar, e gerar alguma renda, sobretudo com a pesca. Nesse mesmo trecho há uma grande diversidade de vida aquática, incluindo mais de uma dezena de espécies de peixes endêmicas, que só existem nessa área.

Impactos socioambientais

Por incrível que pareça, as pessoas e os ambientes existentes nessa região, chamada de Volta Grande, não são considerados pelos estudos ambientais como diretamente afetados pela obra. Impactados são apenas os que ficarão embaixo d’agua. Os que ficarão sem água nada sofrerão, segundo os empreendedores, pois a vida aquática pode sobreviver perfeitamente com apenas 20% da água que sempre teve. Porém, parecer assinado pela equipe técnica do Instituto Brasileiro dos Recursos Renováveis e do Meio Ambiente (Ibama), órgão responsável pelo licenciamento, indica que os estudos realizados não apresentam “informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, navegabilidade e condições de vida das populações do TVR (trecho de vazão reduzida)”. Em outras palavras, nada garante que essas pessoas terão condições mínimas de sobrevivência após o fechamento do rio.

Mas não é só. Mesmo alagando uma área menor, a usina ainda vai alcançar parte da cidade de Altamira, sobretudo os bairros mais pobres. Com isso, pelo menos 20 mil pessoas deverão ser deslocadas, número que pode aumentar com uma contagem mais acurada. Some-se a isso a chegada de mais de 100 mil pessoas a uma região com serviços públicos precários e repleta de conflitos fundiários, e pode-se imaginar o impacto sobre as populações locais.

Ocorre que os problemas de Belo Monte não são apenas ambientais, mas também econômicos. As estimativas mais realistas avaliam que a obra custará em torno de R$ 30 bilhões, e o próprio BNDES, principal financiador da obra, admite que serão pelo menos R$ 25,9 bilhões. Isso porque, além das ações necessárias para tentar mitigar os problemas socioambientais criados, será necessário mobilizar uma megainfraestrutura numa região razoavelmente remota, movimentar mais terra do que o que foi necessário para construir o canal do Panamá e instalar turbinas suficientes para gerar 11 mil MW de energia.

O que poucos sabem é que durante boa parte do ano (entre 6 e 8 meses) a maioria das turbinas instaladas ficaria ociosa. Ou seja, não geraria energia. Segundo cálculos de especialistas do setor, a potência máxima assegurada seria de apenas 1.172 MW, ou quase dez vezes menos que a potência instalada e bem abaixo do que vem sendo assumido pelo empreendedor. Isso porque o Xingu, como quase todos os rios amazônicos, tem uma enorme variação de vazão ao longo do ano, diminuindo drasticamente de volume nos meses de seca, algo que só vem sendo acentuado com o acelerado desmatamento de suas cabeceiras. Somando-se a energia gerada em meses de seca e de cheia, a potência média seria de 4.571 MW.

Alguém poderia perguntar: mas essa flutuação não acontece com todas as hidrelétricas, já que quase todos os rios têm épocas de cheia e vazante? Não nessa magnitude. Boa parte das hidrelétricas acumula água durante a época de chuvas para utilizá-la na época de seca, de forma que a energia firme, ou seja, aquilo que é efetivamente produzido durante todos os meses do ano, é proporcionalmente maior. Belo Monte, porém, não terá reservatório de acumulação, exatamente por alagar uma área menor.

Enquanto isso, o Estado de Direito submerge

Estudos elaborados em 2006 por um grupo de pesquisadores ligados ao Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA)1, usando uma abordagem econômico-ambiental e tendo como base custos de construção bastante inferiores aos atuais, indicam que para essa energia firme a obra é economicamente inviável. Ou seja: não vale a pena gastar tanto dinheiro para ter tão pouca energia assegurada. Mas fazem um alerta: se for construída posteriormente outra usina rio acima, que guardaria água para Belo Monte, ambas se tornariam economicamente viáveis. Isso sem levar em consideração os custos socioambientais, claro, que afinal sempre são externalizados.

Essa realidade mostra o cinismo da decisão do CNPE, colegiado no qual a vaga da sociedade civil jamais foi preenchida. Belo Monte jamais será uma estrela solitária no rio Xingu. Sua construção precipitará, de forma iniludível, a instalação de outras barragens rio acima. E essas, para se justificarem, inevitavelmente terão que alagar extensas áreas, bem no coração de um dos maiores corredores de áreas protegidas do mundo.

Assim mesmo, poucos foram os investidores privados que se arriscaram a concorrer no leilão de concessão da obra, pois, ciosos que são com seus recursos, não podem esperar mais 15 ou 20 anos para que outra hidrelétrica seja construída e o investimento passe a dar retorno. Por essa razão, os sócios majoritários de Belo Monte são todos empresas públicas (do grupo Eletrobrás) e fundos de pensão de empresas estatais (sobretudo do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal), fartamente regados a financiamento público do BNDES. Detalhe: uma Medida Provisória aprovada no ano passado autoriza o Tesouro a socorrer o banco caso receba o calote desse empréstimo! Será uma festa para as empreiteiras de sempre, que mais uma vez surfarão no capitalismo à brasileira, no qual o risco é público e o lucro, privado.

O caso Belo Monte está se tornando emblemático não só por seu histórico ou por suas consequências socioambientais e econômicas. Ele também vem demonstrando, com incrível crueza, as fragilidades de nosso Estado de Direito, deixando feridas que provavelmente levarão muito tempo para fechar. Ao longo do processo de licenciamento, dois diretores técnicos e um presidente do Ibama pediram demissão, em momentos diferentes, alegando coerção por parte dos andares de cima do Governo Federal para que a licença saísse o quanto antes e de qualquer forma. A licença prévia, concedida em fevereiro de 2010, foi assinada pelo presidente do órgão ambiental, mesmo havendo um parecer de sua equipe técnica, emitido dois dias antes, que afirmava não haver “elementos suficientes para atestar a viabilidade ambiental do empreendimento”.

Na Fundação Nacional do Índio (Funai), chamada a se manifestar sobre o que aconteceria com as populações indígenas, não foi diferente. Após uma equipe técnica emitir um parecer de mais de cem páginas apontando grandes lacunas nos estudos e um alto grau de incerteza com relação ao destino dos índios, sobretudo aqueles que vivem em Volta Grande, um presidente interino assinou uma manifestação de uma página dizendo que estava tudo certo. Pior. Passou a afirmar, orientado pela Advocacia Geral da União, que as populações indígenas não serão afetadas, já que nenhuma de suas áreas será alagada. Assim, não caberia a exigência constitucional de realização de consulta prévia com os povos impactados, o que poderia tomar mais tempo.

Arbitrariedade administrativa documentada

Nunca antes na história deste país se viu um caso de arbitrariedade administrativa tão bem documentado. Técnicos competentes e compromissados, contratados durante a fase de reestruturação do setor público, promovida pelo governo Lula, colocaram seus empregos em risco assinando pareceres contrários à liberação da obra. Mas não só seus chefes fingiram que não leram como, infelizmente, o Judiciário também o fez.

Pouco menos de um mês antes da realização do leilão para a concessão da obra, o Ministério Público Federal ingressou com duas ações civis públicas, que se somaram a outras quatro já em curso, demonstrando a ilegalidade da licença concedida. Pedia o cancelamento do certame, já que para ele ocorrer era necessário o atestado de viabilidade ambiental do empreendimento. E, nesse caso, a menos que se considerasse que os presidentes dos órgãos envolvidos são mais experts que seus próprios técnicos, ele não existiria.

Dias antes do leilão, o juiz federal de Altamira emitiu duas decisões irretocáveis, com várias laudas demonstrando, ponto por ponto, as contradições entre os pareceres técnicos e as decisões políticas. Anulou a licença, afinal, decisões arbitrárias são contra a lei. Só que essas liminares subsistiram por poucas horas. Com base numa lei que lhe permite suspender os efeitos de liminares caso as julgue ameaçadoras da “ordem pública”, sem que precise apontar qualquer equívoco jurídico do juiz de primeiro grau, o presidente do TRF 1a Região derrubou ambas as decisões alegando, simplesmente, que a obra é importante. Corrigir o desmando administrativo de um órgão acossado politicamente pelas altas esferas do poder não lhe pareceu importante. Resguardar os direitos de populações indígenas e ribeirinhas invisibilizadas por uma mentira oficial, menos ainda.

Com o Judiciário fora do jogo, o empreendedor entendeu que o céu é o limite. Passou a pressionar o Ibama para que liberasse rápido a licença de instalação para que a obra pudesse começar. Só que para obter o documento teria de cumprir uma série de condições, várias delas complexas, como a retirada de grileiros de algumas terras indígenas ou a instalação de uma infraestrutura de saúde, educação e segurança nas cidades que receberão as hordas de migrantes. Isso leva tempo e custa caro. Por isso, seguindo o exemplo das usinas do rio Madeira, o empreendedor pleiteou a emissão de uma “licença parcial”, que não existe na legislação ambiental, mas que permite ir adiantando parte da obra – a instalação dos canteiros – enquanto “se vai cumprindo” as condicionantes.

Em janeiro de 2011, a licença de instalação parcial foi emitida sem que nem mesmo as poucas condicionantes eleitas pelo Ibama como indispensáveis de ser cumpridas antes de começar qualquer obra tivessem de fato sido realizadas. Enquanto estas linhas foram escritas, se aguardava uma decisão de um juiz federal de Belém, mas com a certeza de que se ela viesse seria rapidamente derrubada no tribunal.

Portanto, o caso Belo Monte vem se mostrando um momento de inflexão em nosso regime democrático. Em prol de uma obra de viabilidade, no mínimo, duvidosa, estamos assistindo à destruição do sistema de licenciamento ambiental com a total conivência de um Judiciário permeado por interesses políticos e dominado por um discurso desenvolvimentista. Há 30 anos falaríamos que era culpa dos militares. Hoje, infelizmente, não temos desculpas

Biviany Rojas
Advogada e cientista política, mestre em Ciências Sociais pelo CEPPAC/UnB e assessora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental.

Raul Silva Telles do Valle
Advogado, mestre em Direito Econômico pela USP e coordenador adjunto do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambient

1  SOUZA JR., Wilson C. et al. Custos e benefícios do complexo hidrelétrico de Belo Monte: uma abordagem econômico-ambiental. CSF, série técnica, edição no 4, março de 2006.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Belo Monte: o diálogo que não houve

Carta aberta à Opinião Pública Nacional e Internacional
Venho mais uma vez manifestar-me publicamente em relação ao projeto do Governo Federal de construir a Usina Hidrelétrica Belo Monte cujas consequências irreversíveis atingirão especialmente os municípios paraenses de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e os povos indígenas da região.

Como Bispo do Xingu e presidente do Cimi, solicitei uma audiência com a Presidente Dilma Rousseff para apresentar-lhe, à viva voz, nossas preocupações, questionamentos e todos os motivos que corroboram nossa posição contra Belo Monte. Lamento profundamente não ter sido recebido.

Diferentemente do que foi solicitado, o Governo me propôs um encontro com o Ministro de Estado da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. No entanto, o Senhor Ministro declarou na última quarta-feira, 16 de março, em Brasília, diante de mais de uma centena de lideranças sociais e eclesiais, participantes de um Simpósio Sobre Mudanças Climáticas que “há no governo uma convicção firmada e fundada que tem que haver Belo Monte, que é possível, que é viável... Então, eu não vou dizer prá Dilma não fazer Belo Monte, porque eu acho que Belo Monte vai ter que ser construída”.

Esse posicionamento evidencia mais uma vez que ao Governo só interessa comunicar-nos as decisões tomadas, negando-nos qualquer diálogo aberto e substancial. Assim, uma reunião com o Ministro de Estado Gilberto Carvalho não faz nenhum sentido, razão pela qual resolvi declinar do convite.

Nestes últimos anos não medimos esforços para estabelecer um canal de diálogo com o Governo brasileiro acerca deste projeto. Infelizmente, constatamos que esse almejado diálogo foi inviabilizado já desde o início. As duas audiências realizadas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 19 de março e 22 de julho de 2009, não passaram de formalidades. Na segunda audiência, o ex-presidente nos prometeu que os representantes do setor energético, com brevidade, apresentariam uma resposta aos bem fundamentados questionamentos técnicos feitos à obra pelo Dr. Célio Bermann, professor do curso de pós-graduação em energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. Essa resposta nunca foi dada, como também nunca foram levados em conta os argumentos técnicos contidos na Nota Pública do Painel de Especialistas, composto por 40 cientistas, pesquisadores e professores universitários.

Observamos, pelo contrário, na sequência a essas audiências, que técnicos do Ibama reclamaram estar sob pressão política para concluir com maior rapidez os seus pareceres e emitir a Licença Prévia para a construção da usina. Tais pressões políticas são de conhecimento público e motivaram, inclusive, a demissão de diversos diretores e presidentes do órgão ambiental oficial. Em seguida, foi concedida uma "Licença Específica", não prevista na legislação ambiental brasileira, para a instalação do canteiro de obras.

No dia 8 de fevereiro de 2011, povos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e representantes de diversas organizações da sociedade realizaram uma manifestação pública em frente ao Palácio do Planalto. Na ocasião, foi entregue um abaixo-assinado contrário à obra, contendo mais de 600 mil assinaturas. Embora houvessem solicitado uma audiência com bastante antecedência, não foram recebidos pela Presidente. Conseguiram apenas entregar ao ministro substituto da Secretaria Geral da Presidência, Rogério Sottili, uma carta em que apontaram uma série de argumentos para justificar o posicionamento contrário à obra. O ministro prometeu mais uma vez o diálogo e considerou a carta "um relato que prezo, talvez um dos mais importantes da minha relação política no Governo (...) vou levar este relato, esta carta, este manifesto de vocês, os reclamos de vocês...". Até o momento, nenhuma resposta!

As quatro audiências - realizadas em Altamira, Brasil Novo, Vitória do Xingu e Belém - não passaram de mero formalismo para chancelar decisões já tomadas pelo Governo e cumprir um protocolo. A maioria da população ameaçada não conseguiu se fazer presente. Pessoas contrárias à obra que conseguiram chegar aos locais das audiências não tiveram oportunidade real de participação e manifestação, devido ao descabido aparato bélico montado pela Polícia

Até o presente momento, os índios não foram ouvidos. As "oitivas" indígenas não aconteceram. Algumas reuniões foram realizadas com o objetivo de informar os índios sobre a Usina. Os indígenas que fizeram constar em ata sua posição contrária à UHE Belo Monte foram tranquilizados por funcionários da Funai que as "oitivas" seriam realizadas posteriormente. Para surpresa de todos nós, as atas das reuniões informativas foram publicadas pelo Governo de maneira fraudulenta em um documento intitulado "Oitivas Indígenas". Esse fato foi denunciado pelos indígenas que participaram das reuniões. Com base nestas denúncias, peticionamos à Procuradoria Geral da República investigação e tomada de providências cabíveis.

A tese defendida pelo Sr. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), de que as aldeias indígenas não serão afetadas pela UHE Belo Monte, por não serem inundadas, é mera tentativa de confundir a opinião pública. Ocorrerá justamente o contrário: os habitantes, tanto nas aldeias como na margem do rio, ficarão praticamente sem água, em decorrência da redução do volume hídrico. Ora, esses povos vivem da pesca e da agricultura familiar e utilizam o rio para se locomover. Como chegarão a Altamira para fazer compras ou levar doentes, quando um paredão de 1.620 metros de comprimento e de 93 metros de altura for erguido diante deles?

Julgo fundamental esclarecer que não há nenhum estudo sobre o impacto que sofrerão os municípios à jusante, Senador José Porfírio e Porto de Moz, como também sobre a qualidade da água do reservatório a ser formado. Qual será o futuro de Altamira, com uma população atual de 105 mil habitantes, ao ser transformada numa península margeada por um lago podre e morto? Os atingidos pela barragem de Tucuruí tiveram que abandonar a região por causa de inúmeras pragas de mosquitos e doenças endêmicas. Mas os tecnocratas e políticos que vivem na capital federal, simplesmente menosprezam a possibilidade de que o mesmo venha a acontecer em Altamira.

Alertamos a sociedade nacional e internacional que Belo Monte está sendo alicerçada na ilegalidade e na negação de diálogo com as populações atingidas, correndo o risco de ser construída sob o império da força armada, a exemplo do que vem ocorrendo com a Transposição das águas do rio São Francisco, no nordeste do país. 

O Governo Federal, no caso da construção da UHE Belo Monte, será diretamente responsável pela desgraça que desabará sobre a região do Xingu e sobre toda a Amazônia. 

Por fim, declaramos que nenhuma “condicionante será capaz de justificar a UHE Belo Monte. Jamais aceitaremos esse projeto de morte. Continuaremos a apoiar a luta dos povos do Xingu contra a construção desse “monumento à insanidade”.

Brasília, 25 de março de 2011
  
Dom Erwin Kräutler
Bispo do Xingu e Presidente do
Cimi – Conselho Indigenista Missionário

quarta-feira, 23 de março de 2011

Usinas do Madeira: problemas nos projetos foram ignorados

Desenho da esquerda arranjo de Santo Antônio por Furnas e Odebrecht - Desenho da direita arranjo proposto por Sultan Alam

Telma Monteiro


A vida útil das usinas do Madeira já foi objeto de discussão. Uma das principais dúvidas ainda é o assoreamento dos reservatórios das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau. Em 2007, o governo contratou o especialista em sedimentos Sultan Alam para dar seu parecer sobre a usina de Santo Antônio.

O consultor internacional, na verdade, foi contratado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para "confirmar" a tese contida nos estudos de Furnas e Odebrecht de que não haveria assoreamento dos reservatórios e perda da vida útil dos empreendimentos. Especialistas e ambientalistas estavam bombardeando o governo com estudos que comprovam a inviabilidade de barrar o rio Madeira, o terceiro maior rio do mundo em transporte de sedimentos.
 Sultam Alam elaborou seu parecer sobre a usina de Santo Antônio com base na revisão de relatórios dos estudos de viabilidade, visita ao rio e análises das características de transporte de sedimentos com o reservatório a fio d’água. O reservatório a fio d'água, tem discursado o governo, reduziria os impactos ambientais.
O relatório original, em inglês, do consultor Sultan Alam, foi traduzido na íntegra pelo MME em janeiro de 2007. A minuta, ainda em inglês, só foi encaminhada ao Ibama três meses depois. A minuta da versão do Ibama, em português, foi juntada ao processo de licenciamento com diferenças de conteúdo e de número de páginas. Na versão incompleta faltava um estudo comparativo entre o arranjo original aprovado pela Aneel e outro, mais eficiente, proposto por Sultan Alam e que estava na versão original em inglês e na tradução do MME.

Em 2007, o especialista em hidrossedimentologia contratado pelo governo concluiu que o projeto da usina de Santo Antônio deveria ser alterado. Se fossem modificados os arranjos das estruturas haveria uma economia no custo das obras, diminuição do depósito de sedimentos junto à barragem, maior eficiência no funcionamento das turbinas e redução da área alagada.

Sultan Alam indicou a necessidade de melhorar o processo de saída de areia e cascalhos para evitar o assoreamento do reservatório. Portanto, ele assumiu que haveria assoreamento  e a redução da vida útil da usina. Sultan Alam, em outras palavras, apontou as fragilidades do projeto.

No entanto, a interpretação que o MME e  a ex- Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, fizeram do parecer de Sultan Alam, foi diferente. Para eles o parecer confirmara que não haveria assoreamento no reservatório e nem perda de vida útil das hidrelétricas,  além terem sido descartados os impactos na Bolívia.  

Sultan Alam detectou e enumerou os problemas no arranjo do projeto original da usina de Santo Antônio, da autoria de Furnas e Odebrecht. Alertou que haveria um custo maior para a sociedade e aumento no prazo de construção. Foi mais além. Fez várias recomendações que no final não foram divulgadas porque não iam de encontro aos interesses do governo. A seguir um texto extraído do relatório do especialista:
"mudança (novo arranjo) deve alterar o procedimento, tempo e custo de construção. Isso pode eliminar a barragem de enrocamento e reduzir significantemente o volume total de escavação. A largura total da superfície d’água no reservatório a fio d’água seria de 1.700 m no lugar de 2.700 m, com redução de 1.000 m."

Sultan Alam enfatizou também a urgente necessidade de se contruir um modelo hidráulico reduzido para observar o comportamento dos sedimentos no reservatório e na barragem, tanto no arranjo original como no proposto por ele. Fez uma importante advertência: que deveria estar no projeto  formas adicionais de escoar a água em caso  de  cheias além do normal do rio (ele apontou que isso  não estava previsto no projeto aprovado) para evitar uma catástrofe no caso de  emergência. Esse detalhe extra na construção reduziria variações nos níveis de água a jusante e a montante no caso de uma parada total da usina.

Essas informações, conclusões e o layout da proposta do novo arranjo idealizado por Sultan Alam não foram divulgados pelo MME ou pelo Ibama. As sugestões de segurança significariam uma mudança no projeto que traria até redução dos custos das obras e dos impactos. Custos de construção menor levam a preço do MWh menor.

Mais uma informação interessante: o parecer de Sultan Alam, contratado pelo governo, estava pronto em janeiro de 2007, antes, portanto, do Parecer Técnico 14/2007, de 21 de março de 2007, emitido pelo Ibama, que recomendava a não concessão da licença prévia.

Em 12 de abril os técnicos do Ibama, através da Informação Técnica 17/2007, diante das novas e sérias dúvidas levantadas sobre a gestão de sedimentos, inclusive as do parecer de Sultan Alam, apresentaram um questionamento com 40 perguntas para serem respondidas pelos empreendedores.

Apesar dos riscos que prevalecem até hoje, a Licença Prévia para as duas usinas foi concedida em 9 de Julho de 2007. Em 2008 Sultan Alam foi contratado também para dar um parecer sobre Jirau.

Dúvidas que ainda não foram  esclarecidas:

O arranjo do projeto proposto por Sultan Alam faria cair o valor do MWh, no leilão da usina de Santo Antônio?
Foram realizadas as alterações de projeto e de segurança propostas por Sultan Alam?
Qual o motivo para que o  parecer de Sultan Alam levasse três meses para chegar ao Ibama?
Para ler o parecer completo de Sultan Alam em inglês, clique aqui
Para ler a minuta da versão em português, clique aqui
Para ler a versão completa em português, clique aqui
Para ler o ofício do Ibama ao MME, clique aqui

terça-feira, 22 de março de 2011

Belo Monte: empresas interessadas recebem notificação extrajudicial

Foto: exame.abril.com.br

Hoje, 22 de março, Dia Mundial da Água 
Onze empresas que se mostraram interessadas na compra da parte da Bertin no Consórcio Norte Energia, responsável pela construção de Belo Monte, receberam notificação extrajudicial 
Uma notificação extrajudicial assinada por 17 entidades ligadas ao Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) foi enviada nesta terça, 22, às empresas Vale, Alcoa do Brasil, Arcelor Mittal Inox Brasil, Camargo Correa, China Three Gorges Corporation, CSN, EBX, GERDAU, State Grid, ThyssenKrupp CSA Siderúrgica do Atlântico Ltda. e Votorantim Energia. EssaS empresas  manifestaram interesse em participar do leilão de venda da parte da  Bertin no Consórcio Norte Energia AS (NESA).

 Na notificação, as empresas estão sendo  alertadas dos riscos financeiros associados às irregularidades no processo de licenciamento do  projeto  de Belo Monte.  “Essas irregularidades, em conjunto com entraves no funcionamento do judiciário brasileiro, provocaram o envio de petições ao sistema de direitos humanos da ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”, alerta a notificação.

O texto ainda chama a atenção  para as ações civis públicas que tramitam na justiça e que indicam “elevados riscos para o empreendedor, sobretudo em termos do atendimento de futuras obrigações legais com os custos de mitigação e compensação de impactos sociais e ambientais, assim como elevados riscos de reputação”.

Como base para estes alertas, a notificação recorreu ao relatório “Mega-Projeto, Mega-riscos: Análise de Riscos para Investidores no Complexo Hidrelétrico de Belo Monte”, publicado em janeiro de 2011.  

Danos à imagem

A notificação enfatiza, também, os impactos socioambientais que recairãosobre os povos indígenas e as populações tradicionais.  

 “uma campanha ampla e contínua de grande alcance nacional e internacional, realizada por entidades da sociedade civil, envolvendo protestos, denúncias e outras ações de grande repercussão junto à opinião pública, não apenas durante a construção do empreendimento, mas também nos anos seguintes, quando os impactos negativos de Belo Monte se concretizarão. Essa campanha persistente certamente trará conseqüências significativas para a reputação desta empresa, nas es feras nacional e internacional”.

Campanha no Twitter

As pressões sobre as empresas já começaram nesta terça. Com apoio de centenas de organizações, ativistas nacionais e internacionais, o Movimento Xingu Vivo para Sempre iniciou uma campanha na rede social Twitter com a mensagem “#Vale, #Gerdau, #ChinaStateGrid, #ThreeGorgesCorporation, #ThyssenKrupp, estamos de olho no seu apoio a #BeloMonte. #PareBeloMonte”.

O  movimento pretende que a campanha no Twitter e outras mídias sociais  se estenda durante toda a semana. Com isso as empresas devem ser pressionadas a recalcular os riscos  de uma possível  participação no projeto Belo Monte. Fonte: Xingu Vivo

segunda-feira, 21 de março de 2011

Jirau e os acordos espúrios

 Acordos espúrios têm sido uma constante para viabilizar grandes empreendimentos do PAC na Amazônia, como as usinas Santo Antônio e Jirau no rio Madeira e Belo Monte, no rio Xingu. As conseqüências estão se avolumando. Invasões e saque por parte de madeireiros, pecuaristas e desmatadores em unidades de conservação e terras indígenas. E agora, a revolta justificada dos operários das obras de Jirau.

Telma Monteiro

O consórcio ESBR, responsável pelas obras de Jirau, tem sido protagonista de muitos casos de irregularidades desde que venceu a licitação em 2009. Um dos casos mais emblemáticos foi aquele que envolveu a mudança do projeto original sem os necessários estudos ambientais para a nova localização. Essa alteração de projeto iria afetar diretamente parte da Reserva Estadual do Rio Vermelho, não fosse um acordo imoral entre o ICMBIO, o Ministério do Meio Ambiente e o Governo de Rondônia.

Para o presidente do ICMBIO e o então Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a alteração da localização de Jirau foi legal.  Porém, na época, o governador de Rondônia, Ivo Cassol, hoje senador, disse que não autorizaria as obras no novo local. Elas incidiriam na unidade de conservação estadual.

Numa clara chantagem, Cassol deu a entender que só daria a licença estadual se o governo federal garantisse a permanência de grileiros, madeireiros e invasores na Floresta Nacional (Flona) Bom Futuro. A Flona era palco de muitos conflitos e a justiça já havia pedido sua desintrusão.  Como o reservatório de Jirau inundaria parte da Reserva Estadual Rio Vermelho e era preciso uma licença estadual, o governador queria fazer a troca indecente: legalização da Flona Bom Futuro pela licença de Jirau.

Sob denúncias de irregularidades, dentro do famoso “toma lá dá cá”, o acordo do governo de Rondônia com o governo federal saiu do papel somente um ano depois, com a publicação da Lei Federal nº 12.249 de 11/07/2010 que efetivou as alterações. Essa lei era, originalmente, a MP 472 que contava com mais de cem artigos e perdida no meio deles constava a mudança dos limites de três unidades de conservação de Rondônia. Assim o projeto de Jirau que teria sido descartado na nova localização, acabou sendo legalizado por caminhos tortuosos. 

O presidente Lula sancionou essa lei em junho de 2010.  A lei sancionada na calada da noite legitimou, então, a ocupação irregular da Flona Bom Futuro e foi complementada pela Lei Estadual nº 581 de 30/06/2010 que revogou as UCs estaduais e criou duas novas UCs na área desafetada da Floresta Bom Futuro. Tudo para contornar as ilegalidades no processo de licenciamento de Jirau, inclusive apontadas pela equipe técnia do Ibama.

O acordo indecente ainda está sub judice.  Ele é objeto de Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público em 2009 e questiona a legitimidade da permanência dos ocupantes invasores na Flona Bom Futuro e a redução da Reserva Estadual do Rio Vermelho pelo reservatório da usina, no novo local.

Jirau continua alvo de irregularidades. Agora estão surgindo os outros impactos sociais e ambientais não analisados nos estudos das usinas do Madeira. Mais de 10 mil operários, vítimas dos conflitos em Jirau, perderam seus empregos, estão de volta aos seus locais de origem ou em busca de abrigo e comida nas ruas de Porto Velho que já vem sofrendo  com a falta de infra-estrutura.

Eis mais um exemplo daquilo que poderá ocorrer no futuro, em Belo Monte, caso a usina saia do papel.

Jirau e Flona Bom Futuro: dupla ilegalidade

 

Publicado neste Blog, em 8 de maio de 2009


Telma Monteiro

Em 6 de maio de 2005, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, o Instituto Nacional de Reforma Agrária – INCRA, a Representação dos Ocupantes da Floresta Nacional do Bom Futuro, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Rondônia firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC.

O objetivo desse TAC foi o de “disciplinar a realização das medidas necessárias à desintrusão (desocupação, grifo meu) da Floresta Nacional do Bom Futuro em cumprimento à Medida Liminar nº. 2004.41.00.001887-3 de 30 de julho de 2004; buscando primordialmente promover a paz, a justiça social e o equilíbrio ambiental.”

Em outubro de 2008 o Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, desconhecendo o TAC assinado três anos antes pelo IBAMA, anunciou que as 5 mil “famílias” que ocupam a área sul da Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro, em Rondônia, tinham a garantia de que lá permaneceriam. Essa declaração foi feita durante uma audiência pública na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária no Senado. 

 “Haverá um desastre ambiental e social” foram as palavras de Minc, se o governo federal insistir na remoção das “famílias” que ocupam a área de reserva há 15 anos. Ressaltou que tanto o Governo do Estado quanto o Governo Federal iriam trabalhar juntos para a regularização fundiária da área. E o TAC, como ficou?

O ministro também afirmou que um decreto que estabelecia multa alta para produtores rurais que não averbassem a propriedade, assinado pelo Presidente Lula, seria anulado.  Com isso os ocupantes, na verdade grileiros e madeireiros que invadiram a Flona do Bom Futuro, passaram a ter apoio oficial – do ministro do Meio Ambiente - para ali permanecerem.  

A chantagem 

Agora, o governador Ivo Cassol, que também desconhece o TAC de 2005, numa clara manobra chantagista, está condicionando a concessão da licença ambiental do estado para as obras da usina de Jirau à regularização das áreas ocupadas – que já deveriam estar livres - pelos grileiros, madeireiros e posseiros da Flona do Bom Futuro.  É importante notar que essa ocupação começou em 1988, quando foi criada a reserva  onde pastam hoje 40 mil bois.
 A atitude do governador retrata o desrespeito da administração pública para com uma decisão judicial [medida liminar] e com um Temo de Ajustamento de Conduta  que deveriam ter sido  cumpridos para a preservação da Amazônia e a integridade dos povos tradicionais que a mantém. Tentar trocara regularização de uma ocupação ilegal por uma licença ambiental que, pelos mesmos motivos, também seria ilegal é duplamente crime. 

Cassol disse que o consórcio Enersus nunca entregou os documentos para licenciar as obras de Jirau dentro de um parque estadual. Então como elas foram iniciadas? É legal iniciar uma obra em parque estadual sem licença? Ele também afirmou que não seria contra o empreendimento, mas que ele “tem que estar na legalidade”(sic).
 Do mesmo mal padecem, portanto, a ocupação da reserva e a construção da usina: ilegalidade. O próprio governador confirmou que é ilegal a regularização da Flona do Bom Futuro tanto quanto a construção da usina num parque estadual.

Ao buscar os entendimentos com o Palácio do Planalto, com o Ministério do Meio Ambiente e com o consórcio para permutar ilegalidades, Ivo Cassol está, junto com eles, afrontando a sociedade brasileira e abrindo caminho para um perigoso precedente.

A solução para o conflito socioambiental da Flona do Bom Futuro não pode passar por critérios de “boa vontade” entre órgãos públicos e investidores como querem fazer crer, mas deve ser regida pela ampla transparência de todas as ações que serão realizadas, em estrita observância da lei.

Acordos espúrios têm sido norteadores de processos de licenciamento ambiental, quer para viabilizar grandes 
empreendimentos do PAC como as usinas do Madeira, quer para anistiar desmatadores e grileiros.
 Neste caso, parece que vamos ter um novo “modus operandi”: numa só negociação, duas ilegalidades podem ser legitimadas, com as próprias ilegalidades sendo usadas como moeda de troca.

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Troca Indecente

quinta-feira, 17 de março de 2011

Licenciamento ambiental é mera burocracia?




A atuação do MPF no caso de Belo Monte começou há mais de dez anos, sempre questionando falhas no procedimento de licenciamento e a falta de clareza nas informações sobre a obra. A Justiça Federal no Pará determinou no dia 26/02/2011 a suspensão imediata da licença de instalação parcial que permitia o início das obras do canteiro da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). O presidente do TRF no dia 03/03/2011, entretanto, afirmou em sua decisão que não há necessidade  dos empreendedores da usina cumprirem todas as condicionantes listadas na licença prévia para que a Norte Energia possa começar a erguer os canteiros de obra. O fato é que os órgãos ambientais não são fortalecidos, não tem capacidade de  interferir nas políticas públicas e acabam sofrendo pressões, lícitas ou não, para liberar licenças mesmo que os estudos sejam incompletos ou as condicionantes não tenham sido cumpridas. A pressão para que as regras ambientais sejam diminuídas estão normalmente ligadas a uma falsa concepção de que o licenciamento ambiental é uma mera burocracia, que atrasa o desenvolvimento econômico do país. Fonte: Andrea Rossi


Vídeo
Depoimento do Procurador do Ministério Público Federal/PA, Ubiratan Cazetta, sobre a não consulta aos povos indígenas no processo de licenciamento de Belo Monte

Construção da usina de Belo Monte ameaça indígenas isolados

Imagem: funai.gov.br

A presença de indígenas em isolamento voluntário na região dos rios Xingu e Bacajá tem sido descrita desde a década de 1970[1]. Há estudos e testemunhos que comprovam sua presença nas cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de um grupo isolado (ou grupos isolados) na Terra Indígena (TI) Koatinemo.  Belo Monte foi planejada para ser construída próxima às áreas de perambulação desses grupos de isolados.

Telma Monteiro

Uma representação sobre irregularidades no processo de licenciamento de Belo Monte foi entregue ao MPF do Pará no final de 2010. A construção foi aprovada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Todas as instituições envolvidas no processo de Belo Monte poderão ser responsabilizadas pela extinção de povos indígenas em isolamento voluntário e pela destruição de terras indígenas.

Ameaças sérias colocam em risco a sobrevivência de indígenas em isolamento voluntário na Amazônia e chamam a atenção pelo descaso com que têm sido tratadas pelo governo brasileiro, pelas instituições financeiras e pelas empresas – públicas e privadas.  Em três dos maiores projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) - nas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira e, agora, no projeto do Complexo Hidrelétrico Belo Monte, no rio Xingu[2] – esse descaso está ocorrendo.

O estudo do "Componente Indígena" de Belo Monte, entregue ao Ibama em abril de 2009, reconheceu a presença de indígenas em isolamento voluntário na cabeceira do córrego Igarapé Ipiaçava e na Terra Indígena Koatinemo dos Asurini[3]. O território de perambulação desses indígenas está localizado cerca de 70 km (em linha reta) do local onde está previsto o barramento principal da UHE Belo Monte, no sítio Pimental, na Volta Grande do Xingu.

O Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de Belo Monte e suas complementações apresentaram apenas superficialmente a questão dos indígenas em isolamento voluntário e listaram dois grupos que ainda não foram identificados.  O Parecer Técnico FUNAI que analisou o Componente Indígena de Belo Monte[4] fez referência aos impactos[5] que poderiam afetar os isolados; a ação de grileiros e invasores atraidos pelas obras vai ameaçar sua integridade física e cultural.

No parecer, os técnicos da FUNAI alertaram para o fato de que o desvio das águas e a consequente redução da vazão do rio Xingu no trecho da Volta Grande poderia gerar efeitos em cadeia sobre a ictiofauna nas florestas marginais ou inundáveis; que o movimento migratório criaria aumento populacional na região e provocaria a pressão sobre os recursos naturais; que essa pressão levaria às invasões das terras indígenas onde perambulam os grupos de indígenas em isolamento voluntário[6].

Nas considerações finais e recomendações do parecer, a FUNAI concluiu que:

“Apesar do EIA-RIMA apresentar uma extensa agenda de planos e programas, cujos objetivos são os de mitigar os impactos negativos do empreendimento sobre os povos e Terras Indígenas, a complexidade da situação, como foi retratada nesse parecer, baseado em informações colhidas pela Funai e no próprio EIA-RIMA, exige muito mais do que a implementação de um bom Plano Básico Ambiental (PBA). A situação atual da região, fortemente impactada por desmatamentos, atividade madeireira e garimpos, entre outros, com a presença insuficiente do Estado brasileiro, já contribui para o contexto de vulnerabilidadedas Terras Indígenas.”
“Nesse sentido, é imprescindível um conjunto de medidas (emergenciais e de longo prazo) de duas ordens: 1) aquelas ligadas ao poder Público; e 2) aquelas de responsabilidade do empreendedor”

Uma das condicionantes da FUNAI pede que antes do leilão de compra de energia de Belo Monte, ocorrido em 20 de abril de 2010, o poder público deveria coordenar e articular ações para a proteção dos indígenas em isolamento voluntário.  Para tal seria imprescindível a publicação de uma Portaria de Restrição[7] de Uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo.

A despeito das evidências da presença de grupos de indígenas em isolamento voluntário, o processo de licenciamento de Belo Monte continuou célere e cercado de planos com estratégias que levaram à concessão da licença de instalação parcial ilegal da infra-estrutura de apoio - canteiro de obras.

Confirmação da presença de indígenas em isolamento voluntário
Em 2008 a presença de indígenas em isolamento voluntário foi confirmada conforme os relatos dos Asurini sobre seu encontro com isolados durante uma expedição de caça na cabeceira do Igarapé Ipiaçava. Segundo Fábio Ribeiro[8] da FUNAI de Altamira e do líder Apewu Asurini, da aldeia Koatinemo, no Xingu (vídeo), os Asurini avistaram indivíduos em perambulação.  Gravações com os depoimentos do encontro dos Aurini com os indígenas em isolamento voluntário foram levados à FUNAI.  

Em 2009 a FUNAI iniciou as análises dos impactos da UHE Belo Monte, sobre as terras indígenas. A Coordenação de Índios Isolados (CGII) decidiu empreender uma expedição à área informada pelos Asurini e acabou encontrando, também, sinais claros de invasão de não-índios.

A FUNAI deu encaminhamento à referência de indígenas em isolamento voluntário para que fosse incluída no EIA da UHE Belo Monte, uma vez que o território de perambulação está na área de influência. A FUNAI decidiu que era necessário isolar a área que está fora da Terra Indígena demarcada e assim evitar a pressão dos assentamentos nas proximidades de Altamira.

Foi traçada uma linha reta virtual isolando a área de perambulação dos isolados para que se tornasse futuramente uma Terra Indígena. Isso protegeria os indígenas em isolamento voluntário de possíveis contatos, criaria uma identificação da área de perambulação e propiciaria a proteção do entorno.  
A minuta da Portaria de restrição foi então preparada e ficou aguardando mais de um ano a análise da Procuradoria Jurídica da FUNAI. Essa área fora de terras indígenas demarcadas é uma das últimas áreas intactas de floresta na proximidade de Altamira.

A Portaria de Restrição[9] de Uso nº 38, de 11 de janeiro de 2011, entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, na verdade, estabeleceu apenas a restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da FUNAI, na área descrita na Portaria, pelo prazo de dois anos a contar de sua publicação. A vigência da portaria expirará antes sequer do término das obras da usina de Belo Monte, se ela viesse a ser construída.

O leilão de Belo Monte, no entanto, ocorreu em 20 de abril de 2010 sem que a condicionante sobre a portaria de restrição de uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, que visava proteger os indígenas em isolamento voluntário, tivesse sido cumprida. A portaria só foi publicada no DOU em 12 de janeiro de 2011.

As obras de Belo Monte já iniciaram sob licença ilegal concedida pelo Ibama, o Governo do Estado do Pará deu continuidade a um projeto de concessão florestal na área protegida e abriu licitação para sua exploração por empresas madeireiras. Um território sob concessão florestal impede a proteção[10] dos indígenas em isolamento voluntário. Eles continuam seriamente ameaçados.


[1] AHE Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), páginas 103/111/113,
Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75, abril de 2009
[3] Idem, p. 103
[4] UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI
[5] Parte 4 – Avaliação Geral dos Impactos Socioambientais nas Populações Indígenas, p. 87
[6] “A continuidade e possível intensificação dessa ocupação por não-índios colocará em risco a integridade física dos grupos isolados, sendo necessária a interdição da área e as devidas ações de fiscalização. Em setembro de 2009 a Funai enviou outra expedição para a região com o mesmo objetivo de identificar a presença dos isolados, mas ainda não obtivemos as informações com os resultados dessa nova tentativa.” p. 86, UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI
[7]  “1) Medidas ligadas ao Poder Público, a serem implementadas em diferentes etapas: a) Ações até o leilão: 3. Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de índios isolados”; UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps. 95/96
[8] Link do vídeo com os depoimentos de Apeu Asurini da TI Koatinemo, no rio Xingu e Fabio Ribeiro, da FUNAI de Altamira, sobre os indígenas em isolamento voluntário  BELO MONTE threatening voluntarily isolated indigenous groups ! October 15, 2010, 05:38 AM   http://www.youtube.com/watch?v=DOGMpcUXSEI
 [9]  “1) Medidas ligadas ao Poder Público, a serem implementadas em diferentes etapas: a) Ações até o leilão: 3. Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de índios isolados”; UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps. 95/96
[10] Link do vídeo com o depoimento de Walter A. da Silva, FUNASA, Altamira, sobre os riscos que correm os indígenas na região   http://www.youtube.com/watch?v=iEq70whdLPQ

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Estudo Preliminar 3 - Ferrogrão e a Soja na Amazônia                                                        Imagem: Brasil de Fato   ...