O planeta está queimando com a Amazônia e o Pantanal. O Brasil está virando um inferno. Bolsonaro e Ricardo Salles são os principais responsáveis. Até quando vamos fingir que não está acontecendo? Lógico que não faltam outros responsáveis, nós sabemos. Qual a força que temos para detê-los? Estamos permitindo, sendo coniventes, quando fingimos que não estamos vendo. Não é o índio. Não é o caboclo. Não é a seca. Não é o calor. É o nosso descaso. (
Excepcional artigo do meu amigo Rodolfo Salm, PhD e professor da Universidade Federal de Altamira, Pará, para o Correio da Cidadania. Recomendo a leitura para melhor entendimento do fundamentalismo que está destruindo o Brasil. Você precisa saber que o futuro pode ser pior do que imaginamos.
Ciência, religião, Fake News e cloroquina
Rodolfo Salm
14/07/2020
O Brasil está seriamente encrencado. Estamos no meio de uma
pandemia que já matou dezenas de milhares de brasileiros e segue matando uma
média de mil pessoas por dia. Enquanto isso, o país está sequestrado por uma
quadrilha de fundamentalistas de extrema-direita que não quer ou não tem ideia
de como lidar com o problema. Apesar do risco de contaminação, a coisa mais
sensata a se fazer seria ir às ruas protestar e exigir a preservação da
democracia, o cumprimento das leis e um impeachment, baseado em qualquer um dos
vários crimes de responsabilidade cometidos por Jair Bolsonaro.
Dado que seu vice foi escolhido propositalmente para
desencorajar um impeachment por ser tão indesejável aos olhos da esquerda
quanto ele, a melhor opção, se possível, seria cancelar as eleições pelo uso de
Fake News e permitir ao povo uma nova chance de escolher seu presidente em
termos mais justos.
Por que fomos tão facilmente vitimados pelas campanhas de
Fake News? Algumas notícias falsas eram risíveis, como a famosa mamadeira
erótica e o “kit gay”, inventados para fazer passar a ideia de que os governos
do PT teriam um plano maligno de sexualização das crianças visando a destruição
das famílias e a “instalação do comunismo”. Como estas ideias, das mais pueris,
como a da Terra plana, até outras como a noção de que a cloroquina, apesar das
evidências científicas em contrário, seria um remédio eficaz contra o novo
coronavírus, estão relacionadas? Acredito que tem raiz na crise de
credibilidade na ciência, em boa parte resultante de certa incapacidade ou
falta de vontade de certos cientistas de se comunicar com as pessoas comuns
adotando discursos e posturas inalcançáveis e da emergência de um novo tipo de
fundamentalismo religioso.
Quando eu era criança, lá pelos anos 70, ria-se de gente que
não acreditava que o homem viajou até a lua. De toda forma, não me lembro de
ter encontrado um desses pessoalmente e, por mais que esses tipos estejam se
tornando mais e mais comuns, ainda são excentricidades. Minha família materna é
de origem católica, e no quarto da minha avó havia um quadro de Jesus Cristo.
Na sala, uma imagem da Santa Ceia. Lembro-me de ter ido à igreja uma meia dúzia
de vezes durante toda a infância. Mas ninguém que eu conhecesse fazia uma
interpretação literal da Bíblia.
Na primeira vez que falei com um criacionista de verdade eu
já tinha meus vinte anos. Foi um amigo, no início dos anos 1990, e eu já
cursava a faculdade de biologia. Sua família tornara-se evangélica e hoje são
bolsonaristas (não por acaso). Foi quando ouvi falar pela primeira vez do
“criacionismo científico”, que de científico não tem nada, mas se vale de
falácias para tentar refutar os argumentos da biologia evolutiva. E o “elo
perdido da evolução humana”?, me perguntaram, tentando refutar a ideia de que
houve uma evolução humana. Uma bobagem, pois o registro fóssil humano é cheio de
intermediários. Só não é perfeito, nem poderia ser, dado que as formas
intermediárias tendem a ter distribuições espacial e temporalmente bem
limitadas, e a chance de fossilização (preservação em formas em rochas) é
extremamente remota para qualquer organismo.
Ainda hoje, na Faculdade de Biologia da Universidade Federal
do Pará, em Altamira, onde trabalho, cerca de 1/4 dos meus alunos acredita que
o mundo, e tudo o que há nele, foram criados magicamente no gênesis, mais ou
menos como está na Bíblia. Outros tantos (a maioria) dos nossos alunos
acreditam numa versão atenuada do criacionismo. Aceitam que a evolução de fato
aconteceu, mas ela seria a forma que Deus usou, para, ao longo de bilhões de
anos, criar a espécie humana. Sua obra prima. Numa barganha de professor
desesperado, às vezes eu tento “negociar” para que os criacionistas sensu
stricto troquem a primeira versão pela segunda. Na verdade, eu creio em uma
versão de evolucionismo mais pura sem qualquer espaço para projeto,
planejamento ou mesmo progresso previsível, como defendido pelo biólogo Stephen
Jay Gould.
Quem sabe se, aprendendo ciência, o povo brasileiro pare de
basear sua moral em um livro místico de mais de mil anos e entenda que o
aquecimento global é a maior ameaça ao futuro da humanidade, como demonstram
modelos científicos. Já vi desmatadores aqui de Altamira, no interior do Pará,
citando a Bíblia para justificar seu crime ambiental de consequências
apocalípticas: "Se vocês são tão numerosos e se os montes de Efraim têm
pouco espaço para vocês, subam, entrem na floresta e limpem o terreno para
vocês na terra dos ferezeus e dos refains" (Josué 17:15).
Está claro que o ritmo atual dos desmatamentos na Amazônia
causará prejuízo ao regime de chuvas do país, com sérios impactos econômicos e
sociais para o país. Mas a ciência é ignorada supostamente em nome do
desenvolvimento econômico. Triste fim para a natureza, o homem e, ironicamente,
para a economia também. Os próprios representantes do agronegócio brasileiro já
estão se manifestando pela demissão do ministro Ricardo Salles, preocupados com
as consequências dos atuais níveis de desmatamento, que, entre outras coisas,
destrói a imagem do Brasil junto à comunidade internacional.
Portanto, por que o governo segue nessa trajetória de devastação?
Aparentemente, o governo está mais ligado aos desmatadores bandidos e
milicianos como grileiros, garimpeiros e madeireiros do que aos grandes
capitalistas do agronegócio.
Quem sabe, com educação científica, as pessoas não caiam tão
facilmente na história de um político qualquer que os aproveitadores dos
ingênuos resolvem chamar de "escolhido por Deus", como aconteceu com
Jair Bolsonaro. Disse o bolsonarista Silas Feitosa: “Agora é o momento de
apoiar o governo incondicionalmente e, aguardar que, mais adiante, o presidente
terá os meios necessários para neutralizar seus inimigos [com um golpe de
estado?]...Deus o pôs na presidência da República, e só Ele é capaz de apeá-lo
de lá”. A fé, por definição, independe dos fatos. É por isso que por mais que surjam
evidências de envolvimento do presidente e sua família com o crime e a
corrupção, boa parte de sua base de apoio permanece. Devem imaginar que se
trata de "provações do demônio".
Esse desapego aos fatos e à ciência também explica nosso
desempenho desastroso na condução da crise do coronavírus. Tínhamos condições
de nos sair melhor que qualquer outro grande país do mundo por, estando mais
isolados em relação à China, de onde se espalhou o vírus, termos mais tempo que
qualquer outro para nos preparar. Também pelo nosso clima de fato diminuir a
velocidade de propagação do vírus e por termos um Sistema Único de Saúde
pública sem paralelo no mundo.
No entanto já estamos isolados na liderança do número de
mortes por dia pela pandemia e o nosso número de óbitos segue acima de mil por
dia. Por quê? Porque temos um povo que em grande parte acredita em mágica, em
milagre. E elegeu um presidente pior ainda que se cercou de uma horda de
bajuladores que, quando não são bandidos propriamente ditos, são “terraplanistas”,
ou ambos.
Além do uso de máscaras e de higiene pessoal, o isolamento
social, por pior que seja, é a única forma cientificamente comprovada de evitar
o vírus. No entanto, os seguidores do presidente preferem acreditar em um
remédio sem eficácia cientificamente comprovada, como a cloroquina, até pouco
tempo atrás defendida também por Donald Trump como uma panaceia para o
tratamento dos efeitos do coronavírus. Segundo um artigo publicado pelo
infectologista Kai Kupferschmid em um número recente da revista Science, a
hidroxicloriquina, “louvada por presidentes como uma cura milagrosa potencial”,
recebeu um golpe mortal recentemente, com três grandes estudos (diferentes
daquele estudo problemático publicado na revista Lancet) mostrando que a droga
não produz benefícios para: 1) pessoas expostas ao vírus; 2) sob risco de
infecção; 3) severamente doentes. Sugerem, portanto, que é hora de esquecer a
cloroquina e seguir adiante em busca de outras alternativas.
No entanto, tais evidências são desconsideradas pelos
fundamentalistas religiosos, que por sua vez nos chamam de “adoradores da
ciência”. Os fundamentalistas de direita falam da comprovação experimental da
eficácia de um tratamento como se fosse um preciosismo de cientistas, um
procedimento burocrático. É claro que, para uma doença em que mais de 90% das
pessoas se curam de uma forma ou de outra, experiências pessoais ou de
conhecidos que se curaram usando um determinado remédio são irrelevantes. Chá
de boldo também surtiria o mesmo efeito, sem os possíveis efeitos colaterais
associados à cloroquina.
Ainda assim, o presidente da República, que se declarou
recentemente infectado pelo vírus, apareceu na televisão como um garoto
propaganda da cloroquina em uma cena patética dizendo que o remédio, em menos
de 24h, o teria deixado praticamente curado. Como se ele tivesse qualquer
autoridade para receitar remédios para a população. E o Conselho Federal de
Medicina não se posiciona sobre esse comportamento antiético e abusivo do
presidente!
Pessoalmente, acho que a melhor forma de combater a
ultradireita fascista, no longo prazo, é ensinar evolução biológica,
especialmente em sua forma pura, que exclui plano divino ou qualquer noção de
superioridade ou progresso. Desafio que se mostra ainda mais urgente e
importante agora em que se definiu como novo ministro da educação um pastor
evangélico fundamentalista. Milton Ribeiro, foi vice-reitor do Mackenzie que,
além de uma universidade, comporta uma escola para crianças e jovens. Escola
que, segundo denunciou Marcelo Leite na Folha de S. Paulo em 2008, trabalha com
um livro de ciências onde consta a seguinte passagem: “Quando Deus formou a
Terra, criou primeiro o ambiente. Criou elementos não vivos, como o ar, a água
e o solo. Depois, Deus criou os seres vivos para morarem nesse ambiente”.
Isso além defender castigos físicos para as crianças (em
vídeo amplamente divulgado na internet). Não podemos voltar à Idade Média, e a
luta para isso necessariamente inclui a valorização da ciência. Como disse Richard
Dawkins sobre a ciência em uma entrevista famosa: "ela funciona, aviões
voam, carros andam, computadores computam, se você baseia a medicina na ciência
você cura pessoas, se projetar aviões baseados na ciência eles voam".
"It Works!". Não existe mágica.
Rodolfo Salm
PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia,
formou-se em Biologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São
Paulo. Atualmente é professor da Universidade Federal do Pará.
Rodolfo Salm
PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, formou-se em Biologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor da Universidade Federal do Pará.
“há três aspectos das coisas que
devem ser evitados nos modos: a malícia, a incontinência e a
bestialidade." (...)A justiça divina retratada no livro ["Divina
Comédia" de Dante Alighieri] é cabal, racional e definitiva, o que torna o
inferno dantesco uma espécie de "caos impiedosamente ordenado"
Por
Telma Monteiro
Todo mundo está comentando
a reunião ministerial do Bolsonaro, de 22 de abril de 2020. Meu estômago estava
meio fraco. Só assisti a uma parte e foi suficiente para pensar sobre o que nos
levou a produzir tanto lixo humano no Brasil. Lixo que governa o país e que eu
não entendo de onde saiu. Saiu? Não, foi excretado, por sabe-se lá qual sina a
que estamos destinados.
Está na hora de pensar,
mesmo em meio à pandemia, como vamos fazer para nos livrar desse lixo em tempo
de salvar vidas ameaçadas pela pandemia da Covi-19, entre outras coisas. Estive
horas nas redes sociais e o que me surpreendeu mesmo foi que todos escreviam as
mesmas coisas, comentários semelhantes que apenas diferiam no vocabulário, nos
qualificativos, nas expressões de horror. Horror? Que horror? Pois já não vínhamos
assistindo, todos os dias, as destrambelhadas falas do presidente do Brasil
diante do palácio, para sua claque bem adestrada?
É evidente que com as
redes sociais nos tornamos preguiçosos, pois nos limitamos a escrever nossas
impressões, nossas interpretações, nossos qualificativos sobre este ou aquele
verme, neste caso específico, presente à reunião ministerial. Assim como temos
feito ao longo desses últimos 17 meses, desde que Bolsonaro assumiu. Não foram
poucas as oportunidades de nos sentirmos incomodados, agredidos, pudicamente
ofendidos por escatológicas palavras de presidente ou ministros.
Escatológica
foi também, como classifico, a atuação de gente como Moro, Regina Duarte,
Mandetta, Weintraub, Guedes, Damares, Ricardo Salles et caterva. E Mourão, com
seu risinho cínico e olhar perscrutador ladino. Eu sei o que você pensa,
Mourão, pois está estampado no seu modo de agir.
Mas, vejamos, onde nos
levará, afinal, assistir e comentar tudo o que se passou na reunião? Celso de
Mello, assistiu e se disse chocado (foi o que li em algumas mídias) com a
natureza daquilo que foi dito e explicitado ou escondido nas entrelinhas das
falas daqueles que precisei ter estômago para ouvir e ver algumas partes apenas.
Mas o vídeo o chocou com o quê, exatamente? Afinal ele, Celso de Mello, é parte
de um dos poderes, e transita em Brasília, deve ouvir seus assessores, colegas,
família, amigos, infiltrados, funcionários e, tenho certeza, que não havia quem
não soubesse tudo o que fora dito na tal da reunião. Era público desde que
aconteceu.
O pouco que assisti deu
para observar o séquito de servidores de bandeja nas mãos servindo o
convescote, com água, café, petiscos ou docinhos, sei lá. Ora, eles não têm
ouvidos? Ou não entendem o português o suficiente para perceber que um bando de
urubus estava ali para comer a carniça do povo brasileiro que está morrendo ao
poucos, todos os dias, graças à falta de estratégias para amenizar o resultado
da pandemia. Então, não há como não ter ideia daquilo que ocorreu numa reunião
que mobilizou toda a mídia nacional em busca de um grande escândalo ou crime
declarao para chutar de vez essa corja da presidência da república. Mas o balão
furou, era só ar, e presenciou-se uma cusparada de palavrões e chavões que
todos nós já conhecíamos desde que Bolsonaro assumiu em terreno fértil deixado
por Temer e antes dele por Lula, e Dilma, e FHC.
Ricardo Salles foi
apenas Ricardo Salles, um verme sempre à espreita da excrescência das leis
ambientais não cumpridas. Há algum tempo ele estava sumido, obscurecido pelo
chefe que se encarregava de despistar e improvisar besteiras para que essa
mídia incompetente e ávida desse espaço para suas aberrações. Salles é outro
predador nos escaninhos do poder de Brasília, assim como Waintraub, ou Guedes,
ou Damares. Todos escondidos atrás da grande “moita” cultivada por Bolsonaro.
Que ninguém se engane,
aquilo que viram foi apenas a cortina de fumaça, pois o fogo está nos
recônditos, com presença de generais de pijama transitando pelos palácios e
pela praça dos Três Poderes onde se organiza algo muito maior, acobertado por
um bando de ministros pusilânimes que estrearam no poder dito “pós corrupção”.
Sim, uma das poucas coisas que meu estômago pode depreender de da tal reunião,
foi ouvir da boca de Bolsonaro que lá não havia corrupção. Só não caí na
gargalhada porque estava com náuseas. O que era aquilo tudo senão os mais altos
degraus de um ambiente corrupto? Desviar dinheiro da Petrobras não é a única
forma de corrupção que se conhece. Ou vamos chamar como, a fala do Guedes sobre
ajudar as grandes empresas e deixar à míngua as pequenas para que morram seus
CNPJs. Enterrar milhares de brasileiros mortos por falta de respiradores, UTIs,
hospitais, seria exatamente o quê? Não seria corrupção o que impediu que os
recursos estivessem disponíveis para salvar vidas, equipar hospitais, remunerar
os profissionais da saúde? Querem mais corrupção? E o todo o dinheiro que
deveria ter sido destinado para aqueles que perderam o emprego, os chamados
autônomos, os empreendedores individuais, os moradores de rua? Dificultar o
acesso a esses recursos então, não é corrupção?
Vender a “bosta” do
Banco do Brasil, como vociferou Guedes, aos ansiosos banqueiros que fazem fila
para pegar sua fatia no butim, é o quê? Não é uma forma de corrupção? Vender
empresas estatais para ficarmos nas mãos de empresas privadas e sujeitos a
depender delas e seus preços “de mercado” é o quê? Não devemos chamar de corrupção
esse resultado que vai favorecer aqueles que querem se locupletar com os ganhos
privados e deixar livre para os políticos, os recursos dos impostos pagos pelos
brasileiros?
E quanto a Moro?
Dezesseis meses no governo e só agora percebeu que aquilo não era ambiente
saudável para ele? Assistiu reuniões com ministros, presidente, generais,
aliviou um monte para a familícia e só agora se deu conta que precisava
denunciar algo? Uma porcaria de reunião onde se ouviu palavrões, ameaças ao
STF, ao meio ambiente, aos governadores. Só agora, Moro? E o resto do tempo,
todos eram santos impolutos? Não houve corrupção nesse tempo em que as
investigações no Rio de Janeiro davam conta de que havia um Queiroz sumido,
dois assassinatos, de Marielle e de Anderson, com as investigações em
banho-maria, em que não se sabe até agora os mandantes? Isso não se chama
corrupção?
E quanto aos vazamentos
de óleo no litoral brasileiro? Milhões de galões que enegreceram nossas praias,
causaram prejuízos às comunidades, sem que todo o aparato da marinha detectasse,
sequer, de onde e como. Isso foi impedido por incompetência, desleixo ou
corrupção? Ricardo Salles esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente por
todos esses meses, 17 para ser mais preciso, quando se deram os incêndios na
Amazônia e no Pantanal, sem que ninguém tenha sido responsabilizado, preso ou
ao menos acusado. Que nome dar a isso senão corrupção? E o Ibama e a ordem dada
ao Ministério do Meio Ambiente para não destruir os equipamentos dos garimpos
ilegais em terras indígenas? Como denominamos isso? No meu conceito e no de muita
gente se chama corrupção. E o INPE e Ricardo Galvão colocado na rua como se
fosse um ninguém só porque expôs os dados legítimos do aumento do desmatamento
na Amazônia. E no lugar dele colocaram um astronautinha fajuto que nem sabe
somar direito. Como chamamos isso, também, senão corrupção?
Mas ainda não terminei.
Falta falar da Vale, de Mariana e Brumadinho, que estão em segundo plano,
encobertos pelas demais desgraças, e todos acabaram esquecendo que as vítimas
não receberam aquilo que lhes cabia e que sob a égide de contribuições miseráveis
a algumas “obras” do governo. Uma Vale execrada pelo mundo inteiro se esquiva
das suas responsabilidades e o governo endossa. Como chamar a isso senão
corrupção? E as consequências para o meio ambiente de todos esses desastres que
deveriam ter recebido o apoio e a exigência de governo, esse de Bolsonaro, “sem
corrupção” e demais instituições ditas democráticas que nem se manifestaram e, quando
o fizeram, foi para “inglês ver” e sem qualquer consequência para os
responsáveis. Como chamar isso também, senão corrupção?
E quanto ao Fundo
Amazônia e os mais de 2 bilhões de Reais que estão no Banco do Brasil sob a
égide do BNDES? Que ninguém mais menciona, e o governo finge não existir, bem
como o Ministério do Meio Ambiente e seu corrupto Ricardo Salles, que quer se
aproveitar da exposição das mortes com a Covid-19 para implementar leis frouxas
e facilitar a destruição de biomas brasileiros e beneficiar, entre outros, o
agronegócio. Como chamarmos tudo isso, senão corrupção?
Então, Bolsonaro, não
me venha com essa conversa de que no seu governo não tem corrupção. Tem sim, e
não que você tenha o privilégio de ser o primeiro. É sim a continuação de um
longo período, desde da descoberta do Brasil, em que corrupção sempre foi a
palavra que define o estrago que tomou conta da vida e dos prejuízos para a evolução
do povo brasileiro até descambar no pior dos males representados pelo seu
governo. Além da corrupção, a incompetência, o cinismo e o desrespeito com o
povo e as instituições democráticas. E por falar nisso, o Congresso tem contribuído,
se mostrado um dos maiores defensores do autoritarismo que está por vir, implementado
na calada da noite, pois continua omisso e conivente como sempre foi. Só que
agora é pior, negocia a liberdade de seus eleitores. Encobre sob um manto de
sangue a destruição da sociedade brasileira e do seu povo.
“(...) a liberdade de expressão, da
imprensa, de opinião, de escolhas políticas, não se põe em risco, mas se
protege em quaisquer circunstâncias acima de tudo e acima de todos.” (Telma
Monteiro)
Esse vazio ético que
permeia a sociedade brasileira atual é acachapante. Estamos a caminho de um
precipício de onde não poderemos sair tão cedo. Nas mãos de um governo pautado
por desgovernos e a mercê de um banho de sangue, somos absolutamente
dispensáveis. Quando digo nós, me refiro aos que pensam, que se importam com a ciência,
com a cultura, com a população desassistida das periferias, com os moradores de
rua, com os povos originários que estão a caminho da extinção, com a
importância de fazer isolamento em época de acirramento da pandemia de
Coronavírus, com a vergonha de ainda não sabermos quem são os mandantes do assassinato
da Marielle e Anderson, com o desmatamento da Amazônia, incêndios no Pantanal, com
o garimpo ilegal avançando em terras indígenas e levando a Covid-19 aos rincões
que não têm ajuda médica ou humanitária; os fascistas esfregam na nossa cara, todos
os dias, os símbolos do nosso país como se fossem um troféu que eles conquistaram
.
Bolsonaro é um herói de
uma corja que parece não ser deste mundo. Às vezes penso que essas pessoas que
fazem carreatas com carros de luxo pedindo que vulneráveis voltem ao trabalho, a
volta do AI-5 e da ditadura, além da destruição dos pilares da democracia, foram
abduzidos por alienígenas e devolvidos, em algum momento, depois de esvaziados
seus cérebros.
Passamos décadas sem
perceber as hordas de brasileiros que não aprenderam nas escolas a história e as
lições básicas sobre Democracia, Constituição Federal, ditadura, tirania, ética,
respeito às leis e ao legado de incontáveis heróis que um dia nos conduziram à
liberdade. Ou se aprenderam, esqueceram. Eles, os seguidores fanáticos de
Bolsonaro, não sabem o que significa liberdade e como muitas nações lutaram
para obtê-la. Não houve quem os ensinasse que a liberdade de expressão, da
imprensa, de opinião, de escolhas políticas, não se põe em risco, mas se
protege em quaisquer circunstâncias acima de tudo e acima de todos. E que as instituições
democráticas, que ousam querer derrubar, são os pilares que sustentam a liberdade.
Essa liberdade que eles nem sabem que têm. Pois se não a tivessem não estariam nas
ruas e nas redes sociais pedindo a volta da ditadura.
A aqueles brasileiros
que vomitam besteiras ininteligíveis nas redes sociais, escrevem faixas com
dizeres desconexos nos protestos, que apitam e gritam diante de hospitais, que impedem
o trânsito de socorro às vítimas, que agridem profissionais da saúde, pergunto:
de qual penumbra subterrânea imunda vocês emergiram? Onde estavam escondidos
até agora? Talvez não estivessem, apenas eram invisíveis para nós os que se
preocupam. Foi quando estávamos tão envolvidos na luta contra as injustiças sociais,
que jamais ganharíamos e não ganhamos, que esses entes emergentes encontraram a
luz sem que percebêssemos, e se fortaleceram. Esquecemos que ao nos voltarmos
para um lado, desguarnecendo a retaguarda, um monstro se formou. Como um
furacão no meio do oceano que se alimenta de tudo que está a sua volta e
percorre um longo caminho silente se preparando para destruir. Esse fenômeno é
Bolsonaro e seus seguidores atraídos, gravitando em seu entorno.
Como se não bastasse o lado
de fora, no lado de dentro rastejam ministros incompetentes em torno de um
presidente que desconhece e avilta a liturgia do cargo, que ofende e que
destrói a autoestima de todos que dele se aproximam. Pensar em um tirano me fez
pesquisar a tirania ao longo da história. E todos, sem exceção, tinham uma
característica comum e que Bolsonaro carrega com louvor: o poder de destruição
e esfacelamento da autoestima da sociedade para enfraquecê-la. É esse enfraquecimento
gradativo que vai nos destruir se nós não formarmos uma frente de combate. Com
a Covid-19 é impossível irmos para as ruas e é isso que faz Bolsonaro mais
letal. A quadrilha do Planalto ganha
tempo e mais adeptos, pois não encontram resistência. Todos temos testemunhado
o acirramento de malignidade em pessoas cada vez mais apegadas ao falso mito.
Ele, como um buraco negro no infinito, atrai seus iguais com discurso obsceno, sem
hombridade e humanidade, desprezo pela ciência e rico em desdém pela sociedade.
Esses seres consomem isso e vivem disso.
Bolsonaro é esse ser. Ser abjeto
que se alimenta do sofrimento e se regozija com a dor.
Admito. Estou com crise
de abstinência. Não fui preparada para ficar em isolamento social. Sinto falta
de estar com as pessoas, as que amo e as que cruzo pela vida, as que odeio
porque são bolsonaristas e estão cegas, e as que não se manifestam para se resguardarem.
Sinto falta dos amigos e a conversa virtual não me preenche. Não funciona
comigo. Preciso tocar, olhar nos olhos, ver sorrisos e sorrir também, sem que
exista uma câmera promovendo isso. Não quero me sentir em um filme de ficção em
que todos parecem robôs por detrás da telinha.
Observe como até na TV
os apresentadores dos programas já parecem autômatos. Não aguento mais ver o
Bom Dia Brasil. Meu coração se confrange com as informações sobre a COVID-19.
Estou farta e cansada de sentir aquela dor da agonia quando os números aparecem
e quando as imagens mostram pessoas desfilando sem máscaras, caminhando entre
outras e sem o mínimo de cuidado com a proximidade. A dor se intensifica quando
tomo conhecimento de que muitos estão mantendo sua rotina de trabalho porque
precisam de seus empregos.
Muitos dos meus amigos
continuam trabalhando e isso me dói. Ainda estão a salvo e é um consolo para
meu coração. Eu tenho vergonha de ter o privilégio de ficar em casa, com meu
trabalho, meus livros, assistindo o pôr-do-sol, ouvindo os passarinhos, olhando
a floresta. Como é constrangedor se sentir seguro enquanto tantos não estão.
Penso nos indígenas e na sua capacidade de resistência, pois além de enfrentar
um sistema que os quer banir para ocupar suas terras, agora se deparam com uma
ameaça para a qual jamais teriam como se preparar. São frágeis diante da
pandemia e do Estado omisso.
Começo meu dia
encarando a realidade que tento entender, apesar de sempre ter a sensação de
que é um pesadelo. O Brasil está se despedaçando nas mãos de um louco e sua
prole maligna. E isso me faz lembrar que assisti a uma série em que um ser
mutante consome a energia das pessoas e come outras, literalmente, para se
fortalecer com a dor daqueles que quer destruir. Bolsonaro é esse ser. Ser abjeto
que se alimenta do sofrimento e se regozija com a dor. Bolsonaro absorve a
desgraça e a faz reverter em ironia, destruindo a sanidade da sociedade. Bolsonaro
se escuda em seus filhos criados à sua semelhança, para perpetuar e destilar a
maldade.
Fique
em casa. Cuide do cachorro. Lave o quintal e ajude sua mulher e seus filhos ou
seu marido e seus filhos a superar dias e dias dentro da bolha que te salvará:
seu lar. A Covid-19 mata de forma indecente, maligna, sem amor, sem ninguém
para te dar o último adeus. ™
Por Telma Monteiro
Qual é a de vocês
brasileiros? Vocês são ignorantes mesmo ou estão se sentindo superiores tipo Superman? Acham que não vão contrair a Covid-19?
Têm certeza de que não vão morrer da pandemia? Estão pensando, lá no seu
íntimo, que é melhor que os mais velhos morram logo e desocupem o lugar para os
mais jovens se recuperarem? Espero que não.
Alguns brasileiros enrolados
em bandeiras – acho um desrespeito – tem ido para a avenida Paulista, centros
de capitais, bloquear o trânsito, pedir fim do confinamento, enquanto seu
presidente como o “Grande Irmão”, personagem fictício do romance 1984 criado
por George Orwell (quem não leu, é minha sugestão), fica na live, beneficiado
por um canal de TV próprio, mentindo e incentivando o abandono do confinamento
social.
Esses brasileiros ainda
não entendem o que está acontecendo porque só entendem Fake News no “zapzap”,
como chamam. Eles podem ser achincalhados pelo Estado e não percebem que são massa
de manobra. Ah, mas gostam disso, não é? Se sentem protegidos por um presidente
malévolo e sádico.
Eles devem gostar,
porque nos últimos dias voltaram para as ruas em busca daquela liberdade que os
levará para a prisão da morte e da cova comum. Pois é isso o que vai acontecer
se continuarem ignorando o mundo lá fora, a ciência, os médicos, os lutos que
já estão rondando cada família, e que deixará um vazio em suas vidas. Vão,
paguem para ver como são ínfimos, inúteis diante de uma pandemia que deixou poucas
testemunhas que escaparam para contar como quase morreram afogados em terra, no
próprio muco. Viram a morte de perto e não gostaram. E você, ignorante, acha
que é imune? Só porque acha que Bolsonaro é o Mito?
Não é não. Todos passarão
pelo pior, mas só aqueles que se preservarem neste momento, conforme as
instruções da OMS e das autoridades de saúde, terão a chance de ir para um bom
hospital de campanha, conseguir um respirador e quem sabe sobreviver. Pense
bem, qual é o motivo para uma parte da sociedade ficar em distanciamento físico
e aceitar a quarentena? Porque não quer trabalhar? Porque tem medo de ser despedido?
Não. Para se manter vivo.
Muitos brasileiros,
pobres e ricos vão sofrer perdas materiais. Mas vão salvar suas vidas. Sabe por
quê? Porque ficarão confinados com sua família, e depois vão reconstruir o que
perderam. Se for empresário vai repor sua equipe, estoques, sua vida pessoal,
negociar com a escola paga dos filhos, a prestação do carro, da casa. Mas
estarão vivos. Se for empregado terá que recuperar seu emprego e, também,
negociar suas dívidas. Mas estarão vivos, também.
As empresas sofrerão na
economia em declínio, depois elas serão anistiadas pelo governo. Então, brasileiros,
pensem antes de prejudicar sua família, levando o vírus para dentro de casa
apenas porque o Mito pensa que é imune e que o mundo está errado.
Fique em casa. Cuide do
cachorro. Lave o quintal e ajude sua mulher e seus filhos ou seu marido e seus
filhos a superar dias e dias dentro da bolha que te salvará: seu lar. A Covid-19
mata de forma indecente, maligna, sem amor, sem ninguém para te dar o último
adeus. Ela quer que você morra sozinho (a) e repense, se tiver tempo, o quanto
foi idiota em ouvir um presidente insano, tresloucado que está deixando uma
marca na história mundial: o pior presidente da humanidade.
Deixe suas contas se
atrasarem e depois que você vencer a malignidade da pandemia poderá se recuperar
e ter a chance de voltar ao normal. Fique em casa, deixe o mundo se aquietar e
depois aproveite seu heroísmo. Aí, sim, você será o Superman de verdade.
O
Art. 14 do PL 191/2020 diz que “Compete
ao Presidente da República encaminhar ao Congresso Nacional pedido de
autorização para a realização das atividades previstas nesta Lei em terras
indígenas.” Porém, o parágrafo 2º diz que mesmo que as comunidades
indígenas sejam contrárias, o pedido poderá ser encaminhado. Presidente déspota
com poderes ilimitados sobre os povos indígenas e suas terras.
Por Telma Monteiro
Como se não bastassem
os impactos criados com a construção de hidrelétricas nos rios da Amazônia e
que afetam diretamente populações tradicionais e terras indígenas, outra grande
ameaça vai para a aprovação no Congresso: o PL 191/2020 que dispõe sobre a
mineração em terras indígenas. “Regulamenta
o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as
condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais
e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de
energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do
usufruto de terras indígenas.”
Rio
Xingu e títulos minerários em Roraima
São centenas de pedidos
de autorização de pesquisa minerária em terras indígenas na região do rio Xingu
próxima à localização hidrelétrica Belo Monte.
O Procurador Rodrigo
Timoteo da Costa e Silva, do Ministério Público Federal de Roraima, recomendou
em 14 de março de 2011, ao DNPM, que declarasse nulos os Títulos Minerários
concedidos em terras indígenas no Território Nacional e indefirisse todos os
pedidos de Pesquisa Mineral ou Requerimento de Lavra em terras indígenas. O MPF
alegou ausência de regulamentação do disposto nos art. 176 §1º e 231, § 6º da
CF/88. É justamente a ausência dessa regulamentação que deu o start ao PL
191/2020, enviado ao Congresso pelo presidente da República.
Sem a legislação
infraconstitucional para disciplinar os artigos da CF sobre a exploração de
atividade mineral nas terras indígenas, o MPF entendeu que todos os títulos
minerários que incidem sobre elas deviam ser anulados.A recomendação se baseou no Plano de
Mineração 2030 elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) que prevê a
exploração de mineração em terras indígenas.
O Brasil, em especial a
Amazônia, é uma das regiões mais ricas do mundo em minérios como nióbio, bauxita
e ouro, além dos hidrocarbonetos. Há anos acontece uma verdadeira corrida
minerária na bacia hidrográfica do rio Xingu e Tapajós e que ameaça a
integridade dos territórios indígenas.
Na região de Altamira,
próximo da localização de Belo Monte, há 18 empresas com requerimento para
pesquisa, sete com autorização de pesquisa e uma com concessão de lavra para
extração de estanho. Uma delas é a Vale que tem requerimento para mineração de
ouro.São ao todo 70 processos na área.
Dos 773 mil hectares delimitados, 496,3 mil hectares são alvo de interesses na
extração de minério, o que representa 63% do território indígena.
Algumas empresas
mineradoras têm títulos incidentes, inclusive, na TI Apyterewa. Entre elas a
Vale, Samaúma Exportação e Importação Ltda., Joel de Souza Pinto, Mineração
Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara.Se depender de setores do governo, como o
MME, a extração de minérios — ouro e diamantes, principalmente — será uma
realidade em terras indígenas[1], num futuro bem próximo.
Além do Plano de
Mineração 2030, oficializado pelo governo (PT), está tramitando no Congresso
Nacional o projeto de Lei 1610/96 que regulamenta a exploração de recursos
minerais em terras indígenas, e sempre esteve latente uma grande pressão para
que seja aprovado. Nos últimos anos aconteceu uma sequência de descobertas de
jazidas de bauxita, caulim, manganês, ouro, cassiterita, cobre, níquel, nióbio,
urânio, entre outros minerais mais nobres, na região de Belo Monte. Mineração
que impactaria diretamente as terras indígenas.
Estrategistas
militares, que remontam à época da ditadura, estão defendendo há décadas o
domínio do Brasil sobre as jazidas e a sua exploração, com a regulamentação dos
artigos da CF. O objetivo é evitar que terras indígenas sejam territórios
fechados e inacessíveis, o que impede a exploração das riquezas minerais.
Querem evitar que exemplos como o da Reserva Ianomami aconteçam em outros
territórios.
Nas terras indígenas da
região do Xingu, próximas a Belo Monte, estão concentrados pedidos de
autorizações de pesquisa e lavra de minerais nobres, como ouro, diamante,
nióbio – utilizado em usinas nucleares – cobre, fósforo, fosfato. Implantao o
projeto de Belo Monte viabilizará a mineração em terras indígenas.
A
história das tentativas de minerar em terras indígenas pós CF de 1988
O primeiro projeto
sobre mineração em terras indígenas data de 1989. Logo depois de promulgada a
Constituição Federal que deixou a brecha que vem sendo explorada desde então, na
tentativa de regulamentação do tema. O autor desse primeiro projeto foi o então
senador Severo Gomes. Embora aprovado pelo Senado em 1990, o projeto foi
remetido à Câmara que o arquivou.
Outro projeto sobre a
regulamentação da mineração em terras indígenas foi apresentado em 1991 (PL
2057), dando continuidade à necessidade de regulamentação do artigo da CF,
sobre os direitos dos indígenas sobre suas terras. Esse PL propôs a criação do
Estatuto das Sociedades Indígenas. Novamente, mais uma tentativa de inserir a
mineração em terras indígenas. Além desse, o CIMI também tentou apensar um
substitutivo ao PL 2057, mas que não teve continuidade e acabou não sendo
votado.
O Congresso não
desistiria. Outro projeto surgiu sob a batuta de Romero Jucá, em 1995, (PL 121)
com o mesmo tema, a mineração em terras indígenas. Esse foi aprovado, então,
pelo Senado e transformou-se no PL 1610/96, como é conhecido até hoje. Mas, não
parou por ai, pois as tentativas continuaram ao longo de 2006, 2007, 2008,
sempre com novas propostas dentro do PL1610, mas com um único objetivo: minerar
as riquezas no subsolo das terras indígenas.
A
consulta
O Instituto
Socioambiental ISA divulgou que há 1835 requerimentos de pesquisa mineral em
TIs, que tinham sido aprovados antes da CF de 1988. Mais 2792 foram
protocolizados depois, além de 244 títulos minerários sobre 41 terras
indígenas.
Os indígenas, no
entanto, podem concordar ou não com a mineração em suas terras de acordo com o
texto da CF. Portanto, nesse caso não restam dúvidas que o que prevalece,
segundo a consulta é a autodeterminação. Seu direito de não concordar está
implícito.
Ao regulamentar o
artigo da CF é preciso ter claro que, se houver concordância dos indígenas, há
que se preocupar com que tipo de empresas procederão à exploração. Sua
idoneidade, capacitação, e principalmente, currículo que confirme sua política
de preservação, recuperação ambiental e respeito às comunidades afetadas.
Alguns textos já apresentados preveem licitação em obediência à lei 8666/1993
que rege licitações e contratos públicos. Imprescindível. Há histórias trágicas
demais que sacrificaram vidas, comunidades e meio ambiente como os casos
criminosos da mineradora Vale em Mariana e Brumadinho.
O
PL 191/2020
O PL 191/2020 enviado à
Câmara em caráter de urgência pelo chefe do executivo para regulamentar o § 1º
do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição “para estabelecer as condições específicas para a realização da
pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o
aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras
indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras
indígenas” é mais complexo e perigoso que os seus antecessores.
Importante informar que
o texto do PL 191/2020, encaminhado ao Congresso pelo presidente da República,
foi elaborado pelo Ministério de Minas e Energia e pelo Ministério da Justiça,
assinado respectivamente pelo ministro Bento Albuquerque e pelo ministro Sérgio
Moro.
Diferente dos
anteriores, além da mineração, o PL 191/2020 contempla a exploração dos
hidrocarbonetos, dos recursos hídricos com o fim de exploração de energia
hidrelétricas nos rios em terras indígenas e “indenização” pela restrição do
uso.
No parágrafo segundo do
Art. 231 da CF fica claro que “as terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente,
cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes” o que difere da proposta do PL 191 que fala em
“indenização”.
Outros pontos importantes
e preocupantes, que trata o PL 191/2020 são: as terras ocupadas por indígenas
em isolamento voluntário; a constituição de um “conselho curador - colegiado de natureza privada composto
exclusivamente por indígenas, conforme disposto no art. 24, constituído para
cada terra indígena em que forem autorizadas, pelo Congresso Nacional, as
atividades de que trata esta Lei.”
No artigo 3º que
menciona “condições específicas para a
pesquisa e a lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e o aproveitamento de
recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas”,
ítem III, insere a autorização do Congresso Nacional para o desenvolvimento das
atividades previstas no caput em terras indígenas indicadas pelo presidente
da República. Configura-se ai, a meu ver, um autoritarismo do presidente,
inconcebível nesse caso, como condição específica.
Outra distorção está no
parágrafo 3º do Art. 5º do PL 191/2020, que determina que o estudo prévio
poderá ser elaborado mesmo que não seja obtida a concordância do ingresso na
terra indígena para obtenção de dados. Ou seja, o projeto terá continuidade independente
da anuência dos indígenas e com salvo-conduto para pesquisa em suas terras.
O Art. 14 do PL
191/2020 diz que “Compete ao Presidente
da República encaminhar ao Congresso Nacional pedido de autorização para a
realização das atividades previstas nesta Lei em terras indígenas.” Porém,
o parágrafo 2º diz que mesmo que as comunidades indígenas sejam contrárias, o
pedido poderá ser encaminhado. Presidente déspota com poderes ilimitados sobre
os povos indígenas e suas terras.
§
2º O pedido de autorização poderá ser encaminhado com manifestação contrária
das comunidades indígenas afetadas, desde que motivado.
Já o Art. 9º atribui ao
Poder Executivo federal o poder, concluído o estudo prévio, de escolher as
áreas adequadas para as pesquisas e lavra de recursos minerais, hidrocarbonetos
e o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica. Mais
um reforço no autoritarismo e centralismo do presidente da República que aí se
conflagra.
Mais uma alteração
bastante despótica se dá no PL 191, no que se refere a Lei nº 6.001, de 1973,
que dispõe sobre o Estatuto do Índio, Art. 22, que sofre o acréscimo do Art. 22‐A que vai permitir o “exercício de atividades econômicas pelos índios
em suas terras, tais como agricultura, pecuária, extrativismo e turismo,
respeitada a legislação específica.”
Para encerrar, eu ainda
acrescento, quanto à Lei 6001, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, o seu Art.
44, que é revogado totalmente pelo PL 191/2020, atribui aos indígenas a exclusividade
da exploração das riquezas do solo.
Cito abaixo os artigos
da Constituição a serem alterados pelo PL 191/2020:
Art.
231.
São
reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§
3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só
podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da
lavra, na forma da lei.
Art.
176.
As
jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia
hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de
exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário
a propriedade do produto da lavra.
§
1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais
a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados
mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por
brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede
e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições
específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou
terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Entre as inúmeras declarações polêmicas do governo Bolsonaro na condução da agenda ambiental em seu primeiro mandato, “o que nos atingiu neste ano desastroso no trato do meio ambiente foi a incompetência e o firme propósito de tornar o Brasil um deserto, um campo farto para a exploração de riquezas minerais, da extração de madeiras nobres da floresta, para a produção de commodities agrícolas”, diz Telma Monteiro à IHU On-Line.
Na avaliação dela, o primeiro ano da gestão Bolsonaro indica que o governo não tem uma agenda ambiental e tampouco comete equívocos na área. Ao contrário, por meio do Ministério do Meio Ambiente, que atua deliberadamente, está em curso uma “destruição disfarçada de soberania”. “Ficou claro que a estratégia de Bolsonaro foi entregar o Ministério do Meio Ambiente para alguém com a competência e a incumbência de depreciá-lo, reduzir sua importância, promover o desmanche da sua estrutura institucional e transformá-lo numa espécie de sucata inoperante”, afirma, ao comentar a atuação do ministro Ricardo Salles.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Telma faz uma retrospectiva dos principais problemas ambientais do país em 2019 e comenta a proposta do governo de dar continuidade à construção de novas hidrelétricas na Amazônia, como as usinas de Bem Querer, em Roraima, Tabajara, em Rondônia, e São Luiz do Tapajós, no Pará. “Construir hidrelétricas em regiões remotas da Amazônia tornou-se um grande negócio para empreiteiras e políticos corruptos. Os custos de implantar uma grande obra no meio do nada passaram a ser astronômicos e financiados pelo próprio governo; a fiscalização inexistente, o que facilitou aditivos. Acrescente-se a isso a construção de linhas de transmissão que cruzaram o Brasil, como as que saíram das usinas do rio Madeira e de Belo Monte”, adverte.
Telma Monteiro (Foto: Arquivo pessoal)
Telma Monteiro é especialista em análise de processos de licenciamento ambiental e pesquisadora independente.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A agenda ambiental do governo Bolsonaro está sendo bastante criticada. Em que aspectos o governo está cometendo equívocos, na sua avaliação?
Telma Monteiro - Eu não chamaria de equívocos. Equívocos pressupõem erros involuntários, ou desacertos, ou lapso de visão de questões que surgem e que requerem procedimentos baseados na legislação, nesse caso, do meio ambiente. O governo Bolsonaro não está cometendo equívocos, ele está fazendo uma transformação proposital de todo o sistema ambiental brasileiro. Durante a campanha à presidência, Bolsonaro declarou que extinguiria o Ministério do Meio Ambiente - MMA. Gerou muita polêmica e medo entre os defensores do meio ambiente, ativistas, ONGs, cientistas, pesquisadores e professores. Extinguir o Ministério do Meio Ambiente seria uma espécie de “fim do mundo ambiental” brasileiro.
Eleito, Bolsonaro usou de uma tática predadora, mas que no primeiro momento acalmou as expectativas da sociedade: manteve o Ministério do Meio Ambiente e criou uma ansiedade coletiva sobre o futuro titular da pasta. Eliminar o ministério, objetivo anunciado durante a campanha, teria sido uma estratégia do “bode na sala”. Então, quando o presidente declarou que não extinguiria mais o Ministério do Meio Ambiente, houve um alívio inicial, pois melhor ter um ministério do que não ter nenhum. Será? Então, diante da perplexidade dos ambientalistas, ele indicou o advogado Ricardo Salles para ser o ministro.
A mídia ferveu, os ambientalistas colapsaram, pois Ricardo Salles, sabidamente, é réu por improbidade administrativa por atos cometidos quando esteve à frente da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, durante o governo de Geraldo Alckmin (PSDB). E, para completar, é ligado umbilicalmente aos ruralistas.
Ele é a antítese do ministro de Meio Ambiente que o Brasil precisa para enfrentar tantos desafios como o de cumprir o Acordo de Paris. Faz contraponto ao movimento dos principais líderes mundiais preocupados com a pauta de redução das emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa), para evitar que a temperatura global suba 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.
Ricardo Salles é, sem dúvida, o homem certo para travar as agendas ambientais em curso e atrapalhar bem a imagem do Brasil no exterior. Seria esse o objetivo de Bolsonaro? Sim, basta relembrarmos os desdobramentos dessa escolha e suas consequências funestas, com tantos compromissos descumpridos e descasos com o meio ambiente. Sem contar os vexames de sua participação na COP25, em que fez um discurso ostensivo para exigir que os países desenvolvidos pagassem ao Brasil pela preservação da Amazônia. Foi em busca de dinheiro. Há que se lembrar, também, que a reunião preparatória para a COP25 seria realizada no Brasil, na Bahia, e Salles a cancelou. Outro vexame internacional. Não satisfeito, arrematou que essa reunião só serviria para se fazer turismo na Bahia e comer acarajé. Bolsonaro não poderia ter feito uma escolha melhor para os seus propósitos de desmontar todas as conquistas feitas pelo Brasil e a sua longa trajetória como exemplo de preservação ambiental!
O governo Bolsonaro não está cometendo equívocos, ele está fazendo uma transformação proposital de todo o sistema ambiental brasileiro – Telma Monteiro
Na COP25, o Brasil foi considerado um estranho no ninho, dadas as políticas ambientais adotadas pelo governo Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ao falar na COP25, Salles afirmou que o Brasil estaria comprometido em combater as mudanças climáticas. Mentira facilmente constatada pelos países da cúpula. As imagens do mais recente conflito, dos brigadistas e as queimadas em Alter do Chão [Santarém], às vésperas da COP25, estampadas em todos os principais jornais do mundo, comprovaram isso.
Então, respondendo à sua pergunta, configura-se que não houve equívocos na agenda ambiental de Bolsonaro, tendo em vista o histórico da atuação do ministro Salles. Ficou claro que a estratégia de Bolsonaro foi entregar o Ministério do Meio Ambiente para alguém com a competência e a incumbência de depreciá-lo, reduzir sua importância, promover o desmanche da sua estrutura institucional e transformá-lo numa espécie de sucata inoperante; incapaz de conduzir e dar continuidade aos compromissos internacionais, já assumidos pelos governos anteriores, de redução de emissões e diminuição do desmatamento da Amazônia, questões bastante complexas que requeriam um ministro apto, conhecedor da legislação ambiental e comprometido com o Brasil do século XXI.
Sim, Bolsonaro planejou destruir a credibilidade da agenda ambiental do Brasil, líder mundial, exemplo internacional, até então, em questões que levaram décadas de ativismo para serem implementadas e consolidadas. Basta ver a liberação dos agrotóxicos em 2019, que até setembro chegou a 325. Marca histórica.
Na COP25, o Brasil foi considerado um estranho no ninho, dadas as políticas ambientais adotadas pelo governo Bolsonaro – Telma Monteiro
Como se não bastasse, presenciamos fatos decorrentes da falta de agenda ambiental que colocaram em risco o meio ambiente e as populações tradicionais que dele sobrevivem. Estamos assistindo todos os dias aos ataques a indígenas nos estados do Norte e Nordeste brasileiro. Um verdadeiro genocídio está acontecendo. Parece normal o ataque aos indígenas; as pessoas já não se surpreendem e as emissoras de TV não dão o devido destaque. É a banalização da tragédia. Parece que estamos numa franca escalada para exterminar as populações originárias. Quando foi que isso começou? Quando os eleitores de Bolsonaro o elegeram passaram um cheque em branco para matar indígenas, destruir o meio ambiente, violando a Constituição Federal. Por falar em direito dos povos originários, é bom lembrar aos brasileiros o que está na Constituição Federal, o Art. 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Bolsonaro está tentando fazer com que os indígenas sejam menos indígenas porque querem ter celular. As pessoas estão se revelando protegidas sob um guarda-chuva fascista de um presidente brasileiro que elogiou os EUA pelo extermínio de seus indígenas.
Parece normal o ataque aos indígenas; as pessoas já não se surpreendem e as emissoras de TV não dão o devido destaque – Telma Monteiro
Nada nos havia preparado para a catástrofe de Ricardo Salles à frente do MMA e nem de Bolsonaro como presidente; o planejado não é executado, providências oficiais para minimizar os danos morais, sociais e ambientais que permearam a (não) gestão ambiental de 2019 e os desastres que pautaram o ano. Isto esteve claro, por exemplo, quando Bolsonaro atribuiu às ONGs os incêndios na Amazônia, que ele mesmo incentivou em seus discursos desvairados a proprietários de terras limitadas por áreas de floresta. Na verdade, o que nos atingiu neste ano desastroso no trato do meio ambiente foi a incompetência e o firme propósito de tornar o Brasil um deserto, um campo farto para a exploração de riquezas minerais, da extração de madeiras nobres da floresta, para a produção de commodities agrícolas. Uma destruição disfarçada de soberania. A agenda ambiental do governo Bolsonaro não existe. No lugar dela o mundo assistiu às queimadas dos biomas, à destruição da biodiversidade importante para a sobrevivência dos povos da floresta e dos ribeirinhos, estes últimos os grandes entraves para a implantação de uma agenda fascista da economia liberal de Paulo Guedes.
Bolsonaro vai mais além, quando dá à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, espaço e um assessor, Ricardo Salles, para impor influência direta do agronegócio sobre o MMA.
Retrospectiva da catástrofe
Deixo então, aqui registrada, uma retrospectiva desta catástrofe que tem sido a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro e de seu boneco de ventríloquo, Ricardo Salles, um analfabeto em meio ambiente.
Em maio deste ano Salles criou um imbróglio com a Noruega e a Alemanha, doadores do Fundo Amazônia - FA há dez anos para combate ao desmatamento da Amazônia, ao afirmar que haveria irregularidades no uso, pelas ONGs, dos recursos do FA. Não se constataram irregularidades nos projetos das ONGs. Ele não conseguiu provar a suspeita. Mesmo assim, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia - Cofa, foi extinto por Ricardo Salles e, com isso, os mantenedores suspenderam a remessa de recursos em 2019, e o FA foi praticamente extinto. Sem os recursos do fundo foram paralisados os projetos de prevenção aos incêndios na floresta, com treinamento de brigadistas, compras de equipamentos e veículos, estratégias de detecção de fogo, programas com instituições de monitoramento via satélite.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe, uma das instituições beneficiárias do FA, anunciou o aumento do desmatamento na Amazônia. Esse anúncio não agradou a Bolsonaro, que acabou por mandar demitir o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, considerado pela revista Nature um dos 10 cientistas mais influentes do mundo. A “agenda ambiental” de Bolsonaro e Salles não permite um aumento do desmatamento. Os cálculos devem estar errados, segundo Bolsonaro. Como é possível um cientista de renome internacional, respeitado, se atrever a anunciar o aumento do desmatamento sem que o governo “confira” as contas?
Os desacertos foram se sucedendo ao longo do ano e aí veio o desastre de Brumadinho, quando a barragem de rejeitos da Vale se rompeu ceifando 270 vidas e destruindo a biodiversidade da região. Até hoje há 13 corpos não encontrados. A Vale não pagou as indenizações e as multas e as sanções dos órgãos do MMA não vieram. Bolsonaro e Salles passaram batidos por mais essa.
Lama que devastou Brumadinho (Foto: Jeso Carneiro - Flickr)
Incêndios na Amazônia
Depois tivemos os incêndios na Amazônia que recrudesceram de tal modo, incentivados por Bolsonaro e seus discursos. O ápice foi o incentivo aos proprietários de terras na região da BR 163 que se sentiram seguros apoiados pelo presidente, a ponto de criarem “o dia do fogo” que se propagou e se tornou incontrolável. O desmanche da estrutura do MMA, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama concorreu para que uma Amazônia em chamas se tornasse o inferno na Terra. As equipes do Ibama para o combate às queimadas estavam desmanteladas, e o território ardeu como jamais. Não vimos um gesto sequer do governo no sentido de coibir o sacrilégio que ali se instaurara. Como se isso não fosse o suficiente, Bolsonaro rejeitou ajuda internacional, criando ainda uma saia justa com o presidente francês, Emmanuel Macron, que ofereceu recursos para ajudar no combate ao fogo da Amazônia. Bolsonaro, não satisfeito, dando seguimento à sua política arrasa quarteirão, culpou as ONGs pelas queimadas e vociferou que a Europa queria se apoderar da Amazônia. Foi uma verdadeira debacle de “agendas ambientais” nunca vista na história.
Vazamento de óleo
Dando continuidade ao desmanche, conselhos foram extintos, recursos cortados e um ministério à deriva pautou a política antiambiental de Salles e Bolsonaro. Chegamos, então, ao vazamento de petróleo nas praias do Nordeste que começou a aparecer no final de agosto. As praias mais lindas do Brasil se tornaram depósito de óleo cru (estimou-se em mais de quatro mil toneladas retiradas) cuja origem até hoje não se sabe. Em situação vexaminosa, mais uma vez, com a Marinha dirigindo as investigações, sem a participação dos pesquisadores e das universidades, uma chanchada de notícias hilárias, como a acusação inicial de que a Venezuela teria despejado óleo no litoral brasileiro, ou que um navio Grego, o Bouboulina, havia vazado o óleo venezuelano que chegara à costa brasileira; e se não bastasse, nas buscas atropeladas pela incompetência, mais um navio, desta vez de bandeira liberiana, se tornou suspeito. O óleo continua aparecendo e ameaçando o Parque Nacional de Abrolhos e os recifes de corais; já há vestígios no Sudeste, mas até o momento nenhuma perspectiva de descobrir a origem foi apresentada. A Marinha fez um último comunicado dando conta que as investigações não tinham sido conclusivas e que não identificaram a origem do vazamento.
Petróleo atinge praias do Sergipe (Foto: Ibama)
Enquanto isso a população local de pescadores, das praias atingidas, num mutirão emocionante, sem equipamento de proteção, sem controle da contaminação que poderia causar o contato com o óleo, começou a limpeza, tentando evitar que o óleo chegasse à areia. Quase 60 dias se passaram do início do vazamento e o governo não se mexeu. Parecia alheio e feliz, creditando, para horror do mundo, o vazamento do óleo ao navio do Greenpeace.
Nem Bolsonaro e nem Salles mencionaram que havia um Plano Nacional de Contingência - PNC para situações de vazamento de petróleo no mar, concebido em 2013, e que estabelecia uma estrutura organizacional que deveria ser acionada pelo governo em caso de desastre. Mas foi desativado pelo próprio governo no início de 2019.
Todo um arcabouço de planos emergenciais, com brigadas treinadas nos estados e municípios, equipamentos de contenção ainda no mar para evitar que as manchas chegassem às praias, detecção do vazamento ainda em mar aberto para seguir sua trajetória, todos os procedimentos necessários para uma situação de desastre dessa magnitude foram ignorados pelo governo inapto de Bolsonaro, pela Marinha e por Ricardo Salles. Estava confirmada a gestão antiambiental.
Quero reforçar um alerta já feito. O desastre se consolidou, ainda é uma ameaça. Porém, o mais grave é que diante da iminência de vazamentos possíveis, decorrentes da exploração do pré-sal em áreas que foram objeto de leilão em novembro, o governo tem que se preparar e retomar os programas de contingenciamento que foram desmantelados.
Quando você acha que acabou, a realidade da inoperância proposital e a incompetência criminosa mostra sua cara. A saga das queimadas na Amazônia recrudesceu. No início de dezembro, mesmo com toda a exposição internacional que culpou o governo brasileiro pelo descaso, mais uma tragédia coroou essa gestão antiambiental insana. Desta vez, foram as queimadas na floresta do paraíso chamado Alter do Chão, distrito de Santarém, no Pará, na beira do rio Tapajós.
Alter do Chão (Foto: Idobi | Wikimedia Commons)
Alter do Chão é uma joia de praias de água azul turquesa e que pertence ao rio Tapajós e a seus povos. Alter do Chão depende da doação de organizações para que se mantenha incólume. O rio oferece esse bem precioso e nós temos que cuidar dele. No entanto, o que presenciamos foi fogo criminoso, consequência de disputas fundiárias, que culminaram com a prisão de jovens brigadistas inocentes, voluntários e equipados graças às doações de organizações da sociedade civil, para prevenir e apagar focos de incêndios na região.
A prisão autoritária dos quatro jovens, pela polícia civil do estado, a mando do governador, não recebeu atenção do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ou um gesto de solidariedade sequer. Não bastasse isso, o presidente da República, diante de um teatro montado para desqualificar o trabalho de ONGs na região, chegou a atribuir os incêndios da floresta a um ídolo internacional, famoso e respeitado pelas doações a causas ambientais, o ator Leonardo DiCaprio. Essa ópera bufa fez a dupla Salles/Bolsonaro se tornar objeto de chacota na mídia internacional. Os desacertos nas questões ambientais levadas adiante, pelo ministro e pelo presidente da República, são infindáveis e dificilmente reversíveis. Eles cometeram crime contra a Natureza. Devem pagar por isso.
Nada do que foi escrito, nem as piores previsões, fez justiça à tragédia que se tornou Belo Monte para os povos da região, para o município de Altamira e para o rio Xingu e sua biodiversidade – Telma Monteiro
IHU On-Line - Que balanço você faz da conclusão da hidrelétrica de Belo Monte, que foi amplamente contestada por ambientalistas e movimentos sociais durante a sua construção? Quais foram os custos sociais e ambientais desse empreendimento?
Telma Monteiro - Tudo, acredito, já foi escrito sobre Belo Monte. Pesquisadores, ambientalistas, professores, organizações internacionais já manifestaram publicamente o que significa hoje a hidrelétrica de Belo Monte para a região do Xingu. Eu mesma já escrevi inúmeros artigos, análises, coautoria de livros, antes, durante e depois do advento de Belo Monte. Mas nada do que foi escrito, nem as piores previsões, fez justiça à tragédia que se tornou Belo Monte para os povos da região, para o município de Altamira e para o rio Xingu e sua biodiversidade.
O projeto concebido desde os anos 1970 passou por etapas que se pode considerar traumáticas. A visão que tenho hoje é a de que houve um primeiro momento em que pensávamos que nossa luta contra a construção de Belo Monte no rio Xingu poderia ser ganha. Afinal, nós tínhamos todos os estratos da sociedade solidários com a causa. Ativistas locais, ambientalistas, indígenas das terras afetadas, as populações ribeirinhas, a academia, a igreja, pesquisadores, o ministério público, a mídia internacional, alguns jornais e emissoras no Brasil, atores internacionais, ONGs nacionais e internacionais.
Oposição a Belo Monte
Havia um arcabouço de forças que nos levava a crer que venceríamos, pois nossos inimigos eram o governo e as empresas que se beneficiariam da construção. Se você juntasse toda a sociedade, veria que nós sempre fomos maioria e que os estudos, livros, artigos, documentos, análises mostraram exatamente o que está acontecendo hoje, quando Belo Monte alterou para sempre a face da Amazônia e do rio mais amado do Brasil, o Xingu.
Fomos uma força que não via limites para atuar. Os recursos financeiros não faltaram para mostrar ao mundo que nosso mundo estava sendo terrivelmente alterado e se transformaria num trauma que jamais será superado. Belo Monte é isso hoje, uma marca, um monumento à nossa incompetência por acreditar que bastava provar cientificamente que os impactos seriam piores do que os apresentados nos estudos. Que a energia a ser gerada não compensaria a destruição, nem os custos. Mas, mesmo que compensasse, o preço a pagar era uma ameaça ao futuro das novas gerações. Não haveria como repor a destruição das vidas dos povos do Xingu, da beleza que fora brilhantemente concebida pela Natureza.
Belo Monte se tornou um mausoléu que lembrará às futuras gerações como um projeto que fora concebido para satisfazer a ganância, pode mudar a face do planeta, o clima, num mundo em que, atualmente, todo o equilíbrio é precioso. Qualquer alteração num ecossistema pode ser uma porta para o fracasso da humanidade e da perpetuação da raça. Não dá para se pensar que ao erguer um monstro no meio da região onde estão terras indígenas, populações tradicionais e trechos de rio absolutamente únicos na sua biodiversidade, não tenhamos que pagar por isso no futuro.
Belo Monte se tornou um mausoléu que lembrará às futuras gerações como um projeto que fora concebido para satisfazer a ganância, pode mudar a face do planeta, o clima, num mundo em que, atualmente, todo o equilíbrio é precioso – Telma Monteiro
O rio Xingu é um monumento da Natureza numa Amazônia, agora frágil, mas rica de vida e de história. E quando você me pergunta sobre os custos sociais e ambientais resultantes da construção de Belo Monte, eu só posso responder que nunca saberemos a dimensão ao certo. Podemos vislumbrar aquilo que hoje está acontecendo, com a fragilização da floresta, com a mudança nos hábitos dos indígenas das terras na Volta Grande do Xingu, com a desesperança de toda uma população que foi levada a acreditar nas promessas não cumpridas, mas gravadas a ferro e fogo nas condicionantes obtidas a fórceps pela sociedade civil e pelo ministério público, no curso do processo de licenciamento; na miséria e na violência, resultados do inchaço urbano provocado pela corrida em busca de empregos e oportunidades sonhados por pessoas vindas de todos os rincões do Brasil; na decepção da população de Altamira que sonhou com uma cidade limpa, com saneamento básico, mais escolas, creches, hospitais e postos de saúde. Onde estavam empreendedores e governo quando uma revolta dizimou a população carcerária da penitenciária de Altamira que não suportou a pressão de uma estrutura decadente e corrupta?
Belo Monte serviu, sim, para favorecer o “pode tudo” na região afetada, como a possibilidade de mais um desastre, a exploração de ouro pela mineradora canadense Belo Sun Mining, que está licenciando a maior mina a céu aberto do Brasil, umbilicalmente unida às estruturas do monstro e que pretende dali retirar 59 toneladas de ouro. Mais um impacto, cujas consequências são impossíveis de avaliar, no presente e no futuro, se for concretizada.
Recentemente, com a seca na região, o rio Xingu tem apresentado baixas vazões, reduzindo ainda mais a capacidade da hidrelétrica de gerar a energia prevista. Como solução para o impasse, o consórcio responsável pela usina, a Norte Energia, solicitou licença para construir usinas termelétricas no entorno de Belo Monte, para poder entregar toda a energia vendida no leilão. Ouvidos moucos e interesses escusos fizeram erigir uma hidrelétrica que barrou o rio Xingu, destruiu a Volta Grande, e não produz a energia que deveria conforme os termos do leilão e das licenças dadas pelo Ibama. Agora, a Norte Energia não vai poder entregar a energia que deveria escoar pela Linha de Transmissão que custou R$ 15 bilhões, construída pela chinesa State Grid, mais uma beneficiária, junto com as grandes empreiteiras que queriam os lucros das obras civis, das escavações, da construção do canal, dos diques, das estruturas dos dois reservatórios, outros R$ 40 bilhões. O saldo é esse, por enquanto.
Ouvidos moucos e interesses escusos fizeram erigir Belo Monte que barrou o rio Xingu, destruiu a Volta Grande, e não produz a energia que deveria conforme os termos do leilão e das licenças dadas pelo Ibama – Telma Monteiro
Belo Monte serviu para expor a miséria e o desrespeito que brasileiros e brasileiras sofrem por parte de governos sucessivos. Só quem lá esteve pode testemunhar a mentira, o engodo e a falta de respeito de que são alvo. E, para finalizar, eu não podia deixar de acrescentar que o presidente Bolsonaro foi a Altamira para colocar a cereja do bolo. Inaugurou a última turbina de Belo Monte, assinando, assim, seu nome embaixo dos nomes dos demais assassinos do rio Xingu e da sua biodiversidade. A história lhe fará justiça, pois quem dá vida ao monstro é quem inaugura.
IHU On-Line - Os governos Lula e Dilma foram bastante criticados por investirem na construção de novas hidrelétricas no país. O governo Bolsonaro, por sua vez, também aposta nessa via e já sinalizou a intenção de retomar o plano de erguer grandes hidrelétricas na Amazônia, como as hidrelétricas Bem Querer, em Roraima, e Tabajara, em Rondônia. Que informações a senhora tem sobre essas propostas e quais são os possíveis impactos desses empreendimentos para a Amazônia?
Telma Monteiro - Não poderia ser de outra forma. Neste 2019, pautado pela polarização política, ano em que houve retrocesso em todas as conquistas da sociedade brasileira nas últimas décadas, dar continuidade ao plano de construir mais hidrelétricas na Amazônia seria previsível, em se tratando do governo Bolsonaro. Notícias já veiculadas nos dão a pista sobre a retomada dos projetos que constam do Plano Decenal de Energia 2027. Quero mencionar que retomar a UHE São Luiz do Tapajós, no rio Tapajós, no Pará, mesmo depois que os estudos ambientais foram arquivados pelo Ibama, também está nos planos do governo Bolsonaro.
O que mais me preocupa é que o Ministério do Meio Ambiente pretende “cortar caminho” para licenciar esses projetos hidrelétricos. Isso significa uma simplificação do processo de licenciamento ambiental que pode tornar um projeto no papel numa obra, num piscar de olhos.
Mapa mostra projeto de instalação da UHE São Luiz do Tapajós (Fonte: FolhaPress)
Usina Hidrelétrica Bem Querer
A UHE Bem Querer foi planejada para barrar o rio Branco, no Estado de Roraima; um território extenso, vítima de um histórico traumático de ocupação ilegal de terras, que sempre ignorou os direitos dos povos indígenas e a preservação do meio ambiente. Graças às terras indígenas e às Unidades de Conservação, que são parte considerável do Estado, conseguiram garantir certa imunidade. Quero lembrar que a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, legalizada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal – STF, está localizada num extremo de Roraima e no outro está a Terra Yanomami e, juntas, ocupam 45% do território. Esse resumo já nos dá uma dimensão do que significaria uma obra de hidrelétrica e seus impactos numa região tão frágil.
O rio Branco e sua bacia hidrográfica ocupam uma posição de destaque nessa conformação espacial do território, pois é um divisor entre as duas terras indígenas. Os ecossistemas dessa bacia hidrográfica são essenciais para a sobrevivência desses povos. Apesar de os estudos de inventário da bacia do rio Branco terem sido iniciados em 2006 e interrompidos em 2008, em 2011 eles foram retomados e aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL. Apenas o aproveitamento hidrelétrico Bem Querer, no município de Caracaraí, sul do Estado, com potência prevista de 650 MW, foi aprovado no rio Branco. Agora o governo Bolsonaro retomou o projeto e pretende inaugurá-lo.
A Empresa de Pesquisa Energética - EPE já anunciou um pacote em que consta o leilão da UHE Bem Querer. E dá para imaginar, já tendo como exemplos os históricos de outros casos como as hidrelétricas de Belo Monte, no rio Xingu, Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, como os impactos ambientais e sociais decorrentes da construção de uma hidrelétrica devem afetar um rio com uma bacia hidrográfica extensa, em plena Amazônia, e que dá suporte e vida para as terras indígenas Raposa Serra do Sol e Yanomami. É preciso mencionar que a exploração ilegal de ouro e a pressão sobre suas terras tem sido denunciadas pelos Yanomami.
Mapa mostra onde a UHE Bem Querer vai barra o rio (Fonte: Pontoon-e)
Usina Hidrelétrica Tabajara
Nada melhor para se ter uma ideia do que significa construir a UHE Tabajara, do que resgatar um apelo feito, em março de 2014, pela Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira - Opiam, representante de dez etnias, por carta, à então procuradora da República, Dra. Deborah Duprat, presidente da 6ª Câmara do MPF, em Brasília. As etnias da região do município de Humaitá/Amazonas manifestaram seu desacordo com os planos do governo de construção e instalação da UHE Tabajara no município de Ji-Paraná, Rondônia. A organização denunciou que duas etnias seriam afetadas diretamente, nos territórios dos Povos Indígenas Tenharin e Jiahui, na Transamazônica. Na época em que os estudos estavam sendo aprovados, os indígenas não tinham sido consultados sobre os impactos culturais, sociais e ambientais em suas terras, em franco desrespeito à Constituição Federal, em seus artigos 231 e 232 sobre os direitos dos povos indígenas.
Não há como negar que governos sucessivos têm se mostrado coniventes com os projetos de hidrelétricas que afetam diretamente povos indígenas da Amazônia. Os planos para construção desses projetos hidrelétricos vêm de um momento em que se previa um crescimento da economia em 5% ao ano. Segundo os planos decenais de energia elétrica que se sucederam, seria necessário suprir o país de energia elétrica, dita limpa e barata, para suportar o crescimento projetado da economia. E assim foi e, parece, não vai parar.
(Fonte: O Estado de S. Paulo)
Projeto da área alagada da usina (Fonte: www.ppi.gov.br/uhe-tabajara-ro)
Construção de hidrelétricas: um negócio para empreiteiras e políticos
Não faltaram denúncias da sociedade civil, de pesquisadores e professores sobre os planos de expansão de energia que incluíam os principais rios da Amazônia a serem barrados para atender, em particular, as indústrias eletrointensivas e a necessidade de obras para satisfazer as grandes empreiteiras brasileiras. Só para recordar, construir hidrelétricas em regiões remotas da Amazônia tornou-se um grande negócio para empreiteiras e políticos corruptos. Os custos de implantar uma grande obra no meio do nada passaram a ser astronômicos e financiados pelo próprio governo; a fiscalização inexistente, o que facilitou aditivos. Acrescente-se a isso a construção de linhas de transmissão que cruzaram o Brasil, como as que saíram das usinas do rio Madeira e de Belo Monte. Outras, como as usinas na bacia do rio Teles Pires, também foram construídas num momento prevendo uma economia robusta que nunca chegaríamos a alcançar. Já escrevi dezenas de artigos e concedi dezenas de entrevistas sobre esse engodo no planejamento da energia elétrica pelo Ministério de Minas e Energia, nos governos FHC, Lula, Dilma e, culminando agora com Bolsonaro que, não satisfeito em retomar essa forma predatória de gerar energia elétrica, ainda pretende retomar geração nuclear.
Levamos décadas para conseguir que as fontes realmente limpas de energia saíssem do papel para se tornarem uma realidade. Energia fotovoltaica, energia eólica, finalmente, começaram a alcançar o mercado nacional e se tornaram competitivas. Enquanto os países avançados se preocupam em transformar seus sistemas para obter energia limpa, com impactos reduzidos, com fontes mistas complementando-se, o Brasil caminhou a passos de cágado. Depois de finalmente atingirmos a quase maturidade na aceitação de geração que não dilacerasse os rios da Amazônia, eis que o governo Bolsonaro anuncia a retirada dos subsídios que barateavam o mercado iniciante de energia solar. E em seu lugar anuncia planos ultrapassados de construção de mais hidrelétricas na Amazônia e de usinas nucleares no sertão de Pernambuco. Na contramão da história, pois a Alemanha, por exemplo, acaba de anunciar que vai desativar todas a suas usinas nucleares até 2050.
O caso mensalão abriu uma ferida no coração de cada brasileiro – Telma Monteiro
IHU On-Line - Que avaliação faz da Lava Jato e suas investigações sobre a Petrobras e os casos de corrupção envolvendo os governos do PT com as empreiteiras do país?
Telma Monteiro - Foi fácil relaxar quando o PT assumiu o governo, esquecer o passado traumático ainda vivo nas nossas memórias, olhar para a frente e ver um futuro próspero logo ali, ao alcance da mão. Só que não. Em muito pouco tempo o sonho virou pesadelo e descobrimos que havia mais um engodo em que o Brasil se afundara. É lógico que o PT criou uma vida melhor para a maioria da população, não há como negar. Foi positivo, a economia parecia que ia decolar, projetos como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, fizeram diferença e o número de miseráveis diminuiu, menos brasileiros abaixo da linha de pobreza. Mas em pouco tempo vieram os problemas que não estavam no script. Primeiro foi o mensalão e depois a Lava Jato. Dois traumas que criaram abalos na sociedade. O mensalão revelou Joaquim Barbosa, ministro do Supremo Tribunal Federal, negro, de raízes simples, que vencera todos os obstáculos sociais e o racismo, para se tornar autoridade e guardião da Constituição Federal, como presidente de um dos três Poderes da República. O caso mensalão abriu uma ferida no coração de cada brasileiro.
Passado o impacto que mostrou a corrupção paga na forma de salário que atraiu políticos sórdidos, condenando alguns à cadeia, Joaquim Barbosa se despiu da toga. Simples assim. É interessante como o povo brasileiro precisa de heróis e vive em busca deles. Talvez seja o país que mais precise exaltar um herói, ou anti-herói, e isso me chama a atenção. Nas últimas duas décadas, o herói do momento surgiu sempre na esteira de um escândalo desmascarado, ou depois de um golpe na autoestima dos brasileiros. Foi assim que a Lava Jato surgiu.
Um herói despontou. Quase cinco anos de caça às bruxas e lá estava o novo herói nas ruas na forma de balão inflável, com capa de Batman, indestrutível e pronto para fazer com que o bem vencesse o mal. Corrupção nunca mais, afinal nós tivemos também, de quebra, o Robin, disfarçado de um invencível Deltan. No auge, a força-tarefa da Lava Jato me remeteu, por analogia, aos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan. Parecia que o Brasil, finalmente, arrumara mais heróis, não apenas um. Como invencíveis, estavam desvendando os segredos da corrupção na maior empresa brasileira, a Petrobras, com a participação das maiores empreiteiras do país. Foi mais um duro golpe no moral dos brasileiros, afinal a esperança tinha vencido o medo.
O juiz impoluto sucumbiu ao mundo do poder sem toga e que despreza a toga. Enganou-nos para satisfazer um ego inflado pelo sucesso. Ele construiu um mito de si mesmo, ultrapassando todos os limites éticos da missão que abraçara - Telma Monteiro
A Lava Jato fez surgir, então, um personagem (até então) impoluto, arauto da ética e da justiça, que peitou poderosos, que os levou para a cadeia. Empresários, executivos da Petrobras, doleiros e políticos famosos foram mostrados em rede nacional, sendo conduzidos algemados para a sede da Polícia Federal. Sergio Moro passou a ocupar o vácuo deixado por Joaquim Barbosa. Bilhões de reais foram descobertos transitando livremente pelos bastidores da política, em instituições financeiras, em malas, sem que os controles de tramitação financeira tivessem detectado. Como foi possível?
Muito dinheiro azeitando relações obscuras entre empresários das maiores empresas brasileiras e políticos, para alimentar caixa dois de campanhas. O vai e vem do dinheiro ilícito pelos caminhos tortuosos dos maiores bancos do país manteve esse toma-lá-dá-cá no umbral.
É interessante como o destino nos prega peças. Aliás, o Brasil se tornou uma espécie de teste do destino. O juiz impoluto sucumbiu ao mundo do poder sem toga e que despreza a toga. Enganou-nos para satisfazer um ego inflado pelo sucesso. Ele construiu um mito de si mesmo, ultrapassando todos os limites éticos da missão que abraçara. Sergio Moro conspurcou sua história e a nossa história. Fez-nos ver o quão frágeis e ingênuos somos diante do poder imensurável de egos e artimanhas de bastidores para derrubar uma democracia e dar lugar ao autoritarismo. Sergio Moro derrubou um gigante, que também nos traiu de certa forma, colocou entre as grades o único homem que ameaçava o plano de eleger um autoritário. Pior, convenceu a todos. Entregou Lula aos leões e partiu nossos corações.
Com Moro, os mosqueteiros sem as espadas da ética aproveitaram para usufruir do sucesso inesperado. O dinheiro passou a comandar a Lava Jato por dentro, já que por fora já a comandava.
IHU On-Line - Também há a possibilidade de o governo retomar o projeto da Hidrelétrica São Luiz do Tapajós. Quais as implicações ambientais e sociais desse empreendimento?
Telma Monteiro - A Medida Provisória - MP nº 558 foi editada em janeiro de 2012, pela presidente Dilma Rousseff para alterar limites dos Parques Nacionais da Amazônia, dos Campos Amazônicos e Mapinguari, das Florestas Nacionais Itaituba I e II e do Crepori e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós, com o objetivo de viabilizar, sem entraves ambientais, a construção das hidrelétricas no rio Tapajós, no Pará.
Foi em 1º de março de 2012 que a Eletrobras abriu um edital para a realização da Avaliação Ambiental Integrada - AAI e dos estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental - EVTE do complexo hidrelétrico do rio Tapajós – hidrelétricas São Luiz do Tapajós, Jatobá, Cachoeira do Caí, Jamanxim e Cachoeira dos Patos, nos rios Tapajós e Jamanxim. Já em fevereiro de 2012, o Ibama tinha dado o aval para emissão do Termo de Referência - TR para elaboração do EIA/Rima da UHE São Luiz do Tapajós e em maio do mesmo ano para o TR da UHE Jatobá.
Estou resgatando a história para que a sociedade não esqueça como se deram as decisões para reduzir Unidades de Conservação - UCs, que podem transformar mais uma vez a face da Amazônia. Isso não é privilégio do governo Bolsonaro, é preciso que se diga. Ele só está sendo mais destrutivo ao não respeitar as leis ambientais de forma absolutamente autoritária e fascista.
Distorcer a lei e contornar os procedimentos para licenciamento ambiental de grandes hidrelétricas na Amazônia foram sempre lugar comum nesses anos em que a febre de grandes obras imperava, principalmente no Ministério de Minas e Energia - Telma Monteiro
Em dois ofícios, de 17 de fevereiro (nº136/2012) sobre a UHE São Luiz do Tapajós e de 26 de março (nº 197/2012) sobre a UHE Jatobá, dirigidos à Diretora de Licenciamento Ambiental do Ibama, Gisela Damm Forattini, a Funai se reporta à portaria nº 419 no que “estabelece presunção de interferência em Terras Indígenas para aproveitamentos hidrelétricos localizados, na Amazônia Legal, até 40 km de distância de terras indígenas, ou situados na área de contribuição direta do reservatório, acrescido de 20 km a jusante”.
Com o risco de haver um bloqueio dos projetos das usinas do Tapajós pela Funai que, em ofício à diretora do Ibama, faz menção à portaria nº 419, Dilma Rousseff se apressou e editou a MP nº 558, em março de 2012, que mencionei no início desta resposta.
Como em todo processo de licenciamento, usinas hidrelétricas, em especial na Amazônia, precisavam passar por aprovação dos estudos de viabilidade técnica e econômica. Eu fiz questão de frisar o verbo no passado “precisavam” porque agora parece que há uma pretensão do governo Bolsonaro de alterar o processo de licenciamento ambiental com o fito de acelerar o prazo de obtenção das licenças. O Ibama é o órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pelo licenciamento, nesse caso.
Quando se deu o início do processo de Licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós, o Termo de Referência para orientar o Estudo de Impacto Ambiental - EIA e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental - Rima deveriam ter sido elaborados pelo Ibama. Mas não foi o que aconteceu. Começou errado, pois o próprio empreendedor é que se encarregou de fazê-lo. Esse é um dos pontos que, em minha opinião, já bastaria para inviabilizar a continuidade do processo.
O rio Tapajós ou rio especial da Amazônia, além de nos presentear com Alter do Chão e suas praias paradisíacas, como já mencionei em resposta a uma questão anterior, nasce da confluência de dois outros rios também especiais: o Teles Pires e o Juruena. Os rios Tapajós e Juruena com seus afluentes formam uma grande bacia hidrográfica com características especiais e muitas terras indígenas. No início do processo de licenciamento, os desenvolvedores pouco mencionaram sobre essas terras indígenas, sonegando dos estudos a verdadeira dimensão e importância de sua existência para escamotear os impactos que as afetariam. Caso da TI Sawré Muybu que foi, no entendimento do MPF, um dos principais motivos que deram origem ao arquivamento do processo de licenciamento ambiental no Ibama. A descrição das populações indígenas e a manifestação da Funai foram pífias. Distorcer a lei e contornar os procedimentos para licenciamento ambiental de grandes hidrelétricas na Amazônia foram sempre lugar comum nesses anos em que a febre de grandes obras imperava, principalmente no Ministério de Minas e Energia.
Rio Tapajós (Foto: José Cruz | Agência Brasil)
Implicações da construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós
A localização prevista para a UHE São Luiz do Tapajós é próxima à cidade de Itaituba, no Pará. Nesse trecho do rio há um complexo belíssimo de cachoeiras que se perderá com as obras, se o licenciamento da hidrelétrica vier a ser aprovado pelo Ibama. O processo de licenciamento foi arquivado a pedido da presidência do Ibama, em despacho de 05 de agosto de 2016.
A construção de uma megaestrutura, num rio que tem ao longo do seu curso unidades de conservação — embora reduzidas pela MP 588 para “encaixar” o projeto —, terras indígenas e populações tradicionais, vai causar impactos na mesma proporção de Belo Monte. Processo arquivado pode ser desarquivado. A Eletrobras recorreu da decisão, mas em despacho a então presidente do Ibama, Suely Araujo, manteve a decisão até que as pendências legais e constitucionais apontadas pela Funai e pelo MPF fossem sanadas pelos órgãos competentes.
Os estudos ambientais foram elaborados pela Eletrobras em parceria com a CNEC Worley Parsons Engenharia S.A. e deram entrada no Ibama em agosto de 2014. Nesse estudo foi criada a “usina-plataforma”, invenção jamais mencionada em nenhuma publicação, inspirada nas plataformas de petróleo. Me parece claro que há o nítido objetivo de criar uma cortina de fumaça sobre a magnitude dos impactos. Cito abaixo trechos dos estudos ambientais:
“consolidar as boas práticas socioambientais na construção de hidrelétricas”, “com uma concepção contemporânea de engenharia e construção que tem como objetivo o desenvolvimento energético realizado de forma integrada e em conciliação com a conservação do meio ambiente”; ou ainda: “Definição básica: consiste em uma metodologia para planejar, projetar, construir e operar um aproveitamento hidrelétrico ou um conjunto de aproveitamentos hidrelétricos situados em espaços territoriais legalmente protegidos, ou aptos a receberem proteção formal e em áreas com baixa ou nenhuma ação antrópica, de modo que sua implantação se constitua em um vetor de conservação ambiental permanente”; ou mais ainda: “O conceito de “Usina-Plataforma” é baseado nas plataformas de petróleo e tem como objetivo a realização das menores intervenções possíveis nas etapas de construção e operação das hidrelétricas sobre o meio ambiente, no caso a floresta amazônica”.
Belo Monte pode perder o status de pior hidrelétrica no Brasil, se São Luiz do Tapajós for retomada – Telma Monteiro
Mas, não esqueçamos que os chineses aprenderam com Three Gorges e a Odebrecht, e temos um governo disposto a tudo. Porém, é preciso não esquecer que os impactos serão os mesmos apontados por especialistas na ocasião da análise dos estudos engavetados pelo Ibama. Na margem esquerda do rio, na região prevista para a execução do primeiro projeto das estruturas, está o Parque Nacional da Amazônia. Qual a dimensão dos impactos para a biodiversidade da região?
O projeto poderá ser viabilizado com essa provável investida do governo Bolsonaro no propósito de ocupar e destruir a bacia do Tapajós, dando continuidade ao retrocesso ambiental que ele e Ricardo Salles estão implementando. Há que mencionar também que a maior província mineral de ouro do mundo se encontra ali. Será o reinício de um tormento nas vidas dos indígenas e das populações tradicionais da bacia do rio Tapajós. Seja qual for o projeto, nunca vão poder alterar os impactos decorrentes e que os afetarão para sempre. Isso não mudará, só mudarão o governo de plantão e o órgão que vai licenciar, levando-se em conta as pretendidas alterações no sistema de concessão de licenças ambientais. Talvez não ouçamos mais falar em usina-plataforma.
No entanto, se o projeto original for mantido teremos mais um monstro na Amazônia, pois os números são espantosos no que concerne às estruturas, como os surpreendentes 7.608 m de extensão total da barragem (mais de sete quilômetros e meio), no sentido diagonal do rio. Ou a área de 729 km² que ficará permanentemente inundada. Ou o reservatório que terá 123 km de extensão. Isso não será mais um verdadeiro estupro da floresta? Posso ainda acrescentar as 850 mil toneladas de cimento e 208 mil toneladas de aço. Só de rochas a previsão é de escavar perto de 22 milhões de m³. Alguém tem ideia do que isso significaria em termos de intervenção local? Basta resgatar as fotos da destruição do ambiente causada pelas escavações do canal de desvio das águas do rio Xingu, nas obras da usina de Belo Monte. Belo Monte pode perder o status de pior hidrelétrica no Brasil, se São Luiz do Tapajós for retomada. Será um páreo duro, infelizmente. Tudo isso poderá acontecer no maior distrito aurífero do mundo. Alguém tem dúvidas sobre os interesses por trás dessa obra? [1]
Belo Monte pode perder o status de pior hidrelétrica no Brasil, se São Luiz do Tapajós for retomada. Tudo isso poderá acontecer no maior distrito aurífero do mundo. Alguém tem dúvidas sobre os interesses por trás dessa obra? – Telma Monteiro
IHU On-Line – Os pesquisadores brasileiros divergem de opinião em relação a como o Brasil deve proceder com o pré-sal. Por que, na sua avaliação, o país deveria abandonar a exploração desse recurso? Os recursos econômicos advindos dessa atividade não compensam a exploração?
Telma Monteiro - Há poucas semanas escrevi uma análise sobre essa questão, tendo por base as informações de uma Nota Técnica de outubro de 2019, assinada pelos professores Ildo Sauer e Guilherme de Oliveira Estrella, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo - USP. Essa nota fez uma análise acurada do leilão dos excedentes dos campos da cessão onerosa do pré-sal realizado em dois turnos, nos dias 6 e 7 de novembro de 2019, pelo governo brasileiro.
Antes é preciso explicar da forma mais simples possível o que são os tais excedentes dos campos da cessão onerosa do pré-sal. Quando o pré-sal foi confirmado na costa brasileira, a União, dona de todo o petróleo descoberto em águas do mar territorial brasileiro, teve que criar um projeto de lei, PL n. 5.941/2009 (virou a Lei Ordinária nº 12.276/2010), para regulamentar o sistema de cessão onerosa, ou seja, conceder à Petrobras, empresa mista da qual o governo brasileiro tem 49% das ações, o direito de explorar cinco bilhões de barris de petróleo (cálculo na época) que chamaram de “petróleo equivalente”, aí incluídos óleo e gás natural .
Mais tarde, novas pesquisas mostraram que a área a ser explorada no pré-sal possuía, na verdade, muito mais que os cinco bilhões de barris considerados na descoberta inicial. Segundo a Nota Técnica dos professores da USP, esses excedentes podem chegar a quantidades muito maiores. Uma estimativa prévia apontou mais de 100 bilhões de barris, mais que todo o petróleo retirado do pós-sal, a camada menos profunda, mais próxima da superfície e que tem uma reserva de 13 bilhões de barris.
O que seriam os tais excedentes da cessão onerosa? A Lei Ordinária - LO, mencionada no começo, regulamentou a exploração, pela Petrobras, apenas daqueles cinco bilhões de barris da cessão onerosa. Então, para explorar os excedentes, ou seja, as outras áreas pesquisadas depois, e que mostraram ter um potencial muito maior de petróleo, seria preciso criar outra forma de exploração. Os investimentos seriam muito maiores. Para viabilizar essa exploração e atrair os investimentos necessários, o governo resolveu adotar um sistema de partilha ou concessão, na forma de licitação que atrairia outras empresas nacionais, e estrangeiras, além da Petrobras. Nesse caso, o governo abriria mão da sua soberania sobre essa imensa riqueza que pode chegar às cifras de 1,2 a 1,6 trilhão de reais. O leilão foi realizado em duas etapas, nos dias de 6 e 7 de novembro de 2019, para transferir os excedentes para empresas privadas.
Curiosamente, não houve disputa acirrada entre as grandes empresas internacionais, que acabaram não participando. O consórcio vencedor do primeiro dia foi uma parceria entre uma empresa chinesa e a Petrobras. No segundo dia, novamente a vencedora foi empresa chinesa. Causou bastante surpresa o fato de que das 17 empresas habilitadas para o leilão, apenas três participaram. O consórcio vencedor vai pagar no ato o valor fixo de R$ 5 bilhões a título de bônus de assinatura e deve entregar no futuro 30% do lucro em óleo ao governo. Mas esse lucro das vencedoras nesse “futuro” pode ser incerto, já que os custos de exploração são desconhecidos e facilmente manipuláveis.
Leilão no escuro
O curioso é que o leilão foi realizado sem que nem a sociedade e nem o governo tivessem uma noção da dimensão exata do quantitativo de petróleo a ser explorado. Eu chamaria de um leilão no escuro, pois se tivesse havido grandes empresas internacionais vencedoras, além de abrir mão da soberania sobre essa exploração por três décadas, esse governo não teria como planejar o uso dos recursos oriundos de sua participação nos lucros. Na mais completa escuridão estariam, também, governos futuros, uma vez que não teriam a mínima ideia de quantos barris poderiam ser extraídos e, se extraídos, nenhum controle sobre ele. O governo brasileiro, seja de qual partido for, estaria nas mãos de consórcios internacionais com propósito puramente controlador da produção para regular os preços no mercado internacional. E a Petrobras, empresa que também pertence ao povo brasileiro e que investiu no desenvolvimento da tecnologia para a exploração do pré-sal, não teria a justa participação que lhe é devida. Quero lançar aqui minha preocupação como brasileira, pois apesar de o leilão de novembro de 2019, dos excedentes da cessão onerosa do pré-sal ter fracassado, espera-se nova investida do governo Bolsonaro, num leilão em novo formato para atrair as grandes internacionais.
Extrair mais petróleo seria anular todo o esforço feito até agora para substituir os combustíveis fósseis por energias limpas e salvar o planeta da destruição – Telma Monteiro
Mesmo com o recente fracasso do leilão, não estaremos livres, no futuro, das pressões internacionais dos países exportadores de petróleo, a OPEP+ (Argélia, Angola, Equador, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, Catar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Venezuela e + Rússia, México e Cazaquistão). Se vendermos nossa soberania, deixaremos de exercer nosso direito ao enfrentamento numa possível guerra de preços e de optar por deixarmos as profundezas do pré-sal bem quietinhas, para dar um exemplo ao mundo que caminha para um desastre climático. É esse, em minha opinião o ponto controverso que merece uma análise. Extrair mais petróleo seria anular todo o esforço feito até agora para substituir os combustíveis fósseis por energias limpas e salvar o planeta da destruição.
A questão que precisamos discutir é se o Brasil vai mesmo “caminhar na contramão da história”. Em que momento o povo brasileiro abriu mão de optar por energias limpas, acompanhando o resto do mundo? Quem outorgou a este ou a outro governo o direito de explorar petróleo no coração da Terra, para poluir mais o planeta, as cidades, os oceanos, o ar que respiramos; aumentar as emissões de gases de efeito estufa - GEE, promover o aumento de refugiados climáticos, fazer acelerar as mudanças climáticas, contribuir para a extinção da vida no planeta? Consideremos que o “fracasso” histórico do leilão do pré-sal brasileiro pode ser considerado um sucesso, pois salvou o Brasil de entregar, mais uma vez, suas riquezas aos interesses econômicos globais, inclusive de disputas internacionais; evitou mais emissões futuras de mais GEE na atmosfera que contribuem para o aquecimento global. Mas se mantivéssemos nossa soberania sobre o pré-sal e optássemos por não explorá-lo, estaríamos dando a maior de todas as lições ao resto do mundo. Não seria um gesto inédito?
Estamos adotando uma economia liberal, mercado autorregulado, quando o governo promove o leilão do pré-sal e se isenta da responsabilidade de controlar a produção em benefício de empresas privadas. Na Nota Técnica dos professores do IEE da USP, explorar o pré-sal representaria uma oportunidade de riqueza para promover o desenvolvimento e a melhoria da vida dos brasileiros. Eu questiono se realmente é isso que quer a sociedade brasileira. Esses bilhões de dólares que entrariam na economia poderiam reverter o quadro de descaso com a saúde, a educação, o saneamento básico, a moradia, o transporte público em que vivem os brasileiros? Serviria para reduzir a pobreza e melhorar a distribuição de renda, criando empregos? Por outro lado, explorar o pré-sal seria retroceder em questões e discussões que levaram décadas para serem acertadas, como as alternativas de energia limpa que substituem o petróleo e cumprem o papel de controle do aquecimento global e da intensificação das mudanças climáticas.
O “fracasso” histórico do leilão do pré-sal brasileiro pode ser considerado um sucesso – Telma Monteiro
Estamos vivendo uma verdadeira guerra mundial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa - GEE na atmosfera, para cumprir os compromissos do Acordo de Paris [2]. O mundo clama por uma revisão dos hábitos de consumo e da diminuição dos usos dos combustíveis fósseis e sua substituição por energias limpas, e adoção de infraestrutura voltada para o transporte de massa. As mudanças no clima já estão criando milhões de refugiados climáticos no mundo e nos deparamos, agora, com um paradigma que colocaria o Brasil, com a exploração do pré-sal, segundo a visão liberal, na iminência de transformar uma sociedade miserável em uma sociedade rica, revertendo as mazelas que a população enfrenta. Mas, a que custo? Ou como ter certeza que um governo de extrema direita saberia administrar tanta riqueza? Ou se consideraria a capacidade de suporte do planeta? Ou se relegaria ao esquecimento a adoção de energias limpas? Que segurança teria a sociedade?
O outro lado da questão seria saber o que realmente queremos: manter a soberania do Brasil de dispor da riqueza imensurável que se nos apresenta ou abrir mão dela e sermos cobrados pelas próximas gerações. Teríamos esse direito? A decisão é agora. Manter um legado para as futuras gerações que lhes garanta a sobrevivência e um planeta saudável ou não. O desafio maior é abrir mão da riqueza, corrigir os erros do passado, investir em consumo consciente, alimentação saudável, lixo zero, diminuição do desperdício, agricultura familiar, para tentar salvar o planeta da extinção. Essa é a verdadeira fórmula para ganhar a guerra pela preservação da raça humana.
Se não, que segurança teríamos, ao contribuir com as consequências do aquecimento global, explorando o pré-sal, se os lucros obtidos seriam usados para salvar os milhões de brasileiros de doenças decorrentes da poluição do ar nos centros urbanos. Ou seriam usados na recuperação de biomas afetados pelas queimadas e pelas mudanças climáticas. Ou usados na recuperação de cidades destruídas pelas tempestades, enchentes, deslizamentos, decorrentes das alterações climáticas. Ou usados na remoção de populações inteiras afetadas pelo aumento do nível do mar. Ou na recuperação de rios mortos com a devastação da Amazônia e dos outros biomas brasileiros. Ou na produção de água potável.
Sim, é a resposta à pergunta. A riqueza da exploração do pré-sal talvez não fosse suficiente nem para resolver as suas consequências.
IHU On-Line - Quais são as alternativas energéticas viáveis para o Brasil neste momento, tanto do ponto de vista ambiental quanto da eficiência?
Telma Monteiro - Já mencionei que a energia hidrelétrica é pouco mais de 66% de nossa matriz elétrica. Durante décadas, governos se preocuparam em construir grandes hidrelétricas legando para a sociedade todos os impactos que elas criaram. Até hoje nós temos, para aqueles que não sabem, que conviver com cicatrizes sociais e ambientais como as deixadas por Itaipu, ou Balbina, ou Tucurui e seus grandes reservatórios de regularização. Retomada a febre de construção de grandes hidrelétricas nos primeiros quatro anos do governo Lula, sob a alegação de que trariam menos impacto, optou-se pela construção das chamadas hidrelétricas a “fio d’água”, ou seja, aquelas que não têm grandes reservatórios de acumulação, que em períodos de seca evitariam redução na geração de energia.
Com isso foram erigidas, nos principais rios da Amazônia, algumas das maiores hidrelétricas do Brasil a “fio d’água”, que se mostraram, além das questões ambientais e sociais, verdadeiros desastres de geração, além dos custos estratosféricos financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social - BNDES a juros subsidiados que o mercado não praticava: UHE Santo Antônio, UHE Jirau, no rio Madeira, UHE Teles Pires, UHE São Manoel, UHE Sinop, no rio Teles Pires e UHE Belo Monte, recém inaugurada pelo atual presidente da República, Jair Bolsonaro, em novembro deste ano. Há ainda outras menores, mas tão nefastas quanto. Todas as mencionadas saíram de projetos megalômanos de grandes empreiteiras ligadas ao governo federal. Os leilões, verdadeiras obras de ficção, tornaram vencedoras empresas apenas interessadas nas obras estruturais.
O Ibama licenciou todas e, para suprir as inconsistências dos estudos ambientais, dos impactos mal dimensionados, instituíram as condicionantes que deveriam ser atendidas antes da concessão da próxima licença. Nem é preciso entrar nesse mérito, pois tudo o que se sabe está na imensa bibliografia de pesquisadores, professores, cientistas, jornalistas, que comprovaram que a maior parte não foi atendida.
Com a Lava Jato, as grandes empreiteiras brasileiras foram afastadas, pelo menos momentaneamente, do mercado construtor de grandes hidrelétricas. Mas as empresas chinesas, como a State Grid, já assumiram a construção de linhas de transmissão como a que leva energia de Belo Monte. Todas as previsões de crescimento da economia, desde 2003, não se consumaram. Crescimento de 5% ao ano, como constam nos planos decenais, demandaria mais energia e a fonte considerada “barata”, “farta” e “limpa”, a hidroeletricidade, transformou-se num pesadelo para a Amazônia e suas populações tradicionais. Os impactos jamais foram mitigados, ou as populações compensadas. Já discutimos isso. E para consolidar essa política, em dezembro, começou a tramitar na Câmara dos Deputados um texto-base do Deputado Lafayette de Andrada (Republicanos/MG), do novo Código Brasileiro de Energia Elétrica que pretende unir toda legislação do setor. Dei uma olhada e não consegui identificar alterações que beneficiem ou incentivem fontes alternativas. Para a aprovação do texto há um longo caminho a percorrer e a sociedade deverá se manifestar nas audiências públicas. Teremos que acompanhar de perto, pois deve haver um pulo do gato nesse tal Novo Código Brasileiro de Energia Elétrica. Fiquemos atentos.
A energia hidrelétrica é um dos principais engodos que os governos lançaram no passado, sempre sob a alegação de que ela seria fonte limpa e renovável, sem questionar seus impactos e desperdício - Telma Monteiro
Energia hidrelétrica: um dos principais engodos dos governos
O Brasil ainda tem 66,6% da sua matriz elétrica dependente de hidrelétricas enquanto o mundo tem 16,1%; a biomassa aqui ocupa 8,6% contra 2,4% no mundo; com relação ao gás natural estamos também na faixa de 8,6% contra 22,9% no mundo. O resto do mundo ainda tem uma matriz energética bastante suja, principalmente em se tratando de carvão e nuclear. Mas é preciso lembrar que o Brasil tem planos de explorar mais as fontes sujas como o carvão e a nuclear, além de depender da energia hidrelétrica em mais de 60%.
A energia hidrelétrica é um dos principais engodos que os governos lançaram no passado, sempre sob a alegação de que ela seria fonte limpa e renovável, sem questionar seus impactos e desperdício. Atualmente, já se fala em otimização da força motriz disponível para melhorar a eficiência e economizar energia. Eficiência energética é o termo que precisamos incorporar no dia a dia de todos os brasileiros. Temos que buscar o uso consciente e aposentar a geração de energia que demande recursos naturais. Esse é o lema, pois não existe energia hidrelétrica renovável. Hábitos simples podem fazer a diferença para a sobrevivência do planeta.
A construção civil no Brasil é uma das atividades que mais agridem o meio ambiente. Demanda o uso de muita energia como a forja do aço, a produção do alumínio e do vidro. Temos a mineração de pedra, areia, cimento, argila e a exploração de madeira. Muito se tem falado e escrito sobre sustentabilidade e eficiência, porém não caminhamos nessa direção com a velocidade que deveríamos. A construção civil, um segmento que é um nicho restrito a arquitetos e engenheiros, vem desenvolvendo alguns princípios e materiais que contribuem para o uso sustentável do espaço.
No entanto, por uma questão de escala e custo os materiais e procedimentos sustentáveis acabam por não chegar às habitações de interesse social e à autoconstrução. Temos falado sobre consumo consciente, muito em moda, diante das emergências climáticas que vivemos, mas estamos desconsiderando os custos para o meio ambiente, principalmente no Brasil, de construções tanto comerciais como residenciais. Exemplos não nos faltam, na arquitetura, que podem transformar, e muito, o conceito de economizar energia - telhados inteligentes com telhas que são placas fotovoltaicas, vidros que não transmitem calor e que levam a economia na climatização dos espaços profissionais ou residenciais, sensores de presença que poupam energia elétrica, aproveitamento da luz natural considerando-se a orientação adequada da construção, torneiras inteligentes, agora já comuns no Brasil, em banheiros públicos como de shoppings, restaurantes, empresas, edifícios empresariais, vasos sanitários que têm controle da quantidade de água necessária regulada por botões economizadores, ou ainda o aproveitamento da água da chuva para limpeza e irrigação. Mas uma parte substancial das construções, habitações de interesse social, pequenas empresas, não consegue ter acesso a essas mudanças que minimizariam a exploração dos recursos naturais.
A escala de produção de alguns desses insumos ainda é pequena, o que acaba por inviabilizar o seu uso devido aos altos custos envolvidos. Estamos perdendo tempo, produzindo impactos ambientais por falta de incentivos e subsídios para promover eficiência e preservação ambiental.
Arquitetura de sustentabilidade é uma realidade já muito difundida no mundo, com o uso exclusivo de madeira de reflorestamento para as obras, reciclagem dos entulhos, planejamento da vida útil e do descarte dos materiais de construção, conceitos de sustentabilidade na seleção e uso de materiais, dimensionamento eficiente do espaço. Infelizmente tanto a construção comercial como a construção de interesse social no Brasil ainda carecem de políticas públicas que obriguem construtores e arquitetos a fazerem uso de recursos que poupem o meio ambiente com materiais e técnicas sustentáveis.
Bolsonaro caminha, como os governos anteriores, para outro retrocesso e ignora a diversificação, complementação e descentralização das fontes alternativas - Telma Monteiro
Enquanto o mundo se preocupa em salvar a Terra, o governo Bolsonaro defende a retirada dos subsídios para a instalação de painéis solares para consumidores de energia. Essa é a fonte de energia que consorciada à energia eólica pode fazer a diferença para a tão almejada sustentabilidade de geração. Para agravar a situação, o governo está anunciando a retomada de projetos de energia hidrelétrica em rios da Amazônia, e a construção de plantas de energia nuclear no sertão de Pernambuco. Caminha, como os governos anteriores, para outro retrocesso e ignora a diversificação, complementação e descentralização das fontes alternativas. Quando já estávamos entrando no mercado para consolidar e assimilar energias renováveis, eficientes, genuinamente limpas, acontece o descompasso do governo. Os recursos necessários para a adoção de novas tecnologias menos agressivas ao meio ambiente deveriam fazer parte das políticas públicas de incentivos à adoção de energias renováveis.
Os combustíveis fósseis como o petróleo, gás natural e carvão mineral são os maiores responsáveis pelas emissões de GEE. O Brasil está perdendo o momento para investimento em novas tecnologias de energias limpas. Tudo o que usamos no cotidiano de nossas vidas é baseado no petróleo. O plástico está em todos os componentes descartáveis, embalagens, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis, veículos, construção civil. Tudo que é feito de plástico ou derivados do petróleo leva de centenas a milhares de anos para desaparecer na Natureza. Esse mal é inerente ao cotidiano de nossas vidas e, olhando à nossa volta, percebemos o quanto somos dependentes do petróleo. Mas a boa notícia é que há muito tempo se pesquisa materiais alternativos confeccionados com fibras naturais que num futuro próximo poderão substituir, esperamos, o que hoje custa a salubridade do planeta. Sobre o petróleo, eu reputo o que há de pior para superarmos. Além das necessidades da vida moderna em que ele se insere diuturnamente, há o lobby dos grandes produtores, países calcados em economias ricas e, ao mesmo tempo, dispendiosas por ter que compensar os impactos causados por sua própria riqueza.
Os mares estão cada vez com mais ilhas de lixo plástico, o planeta está aquecendo, as doenças tornando-se mais resistentes e os humanos menos capazes de suportar calor extremo ou frio extremo. Países muito ricos, entre eles os produtores e exportadores de petróleo, estão investindo fortunas para proteger sua população de eventos climáticos como aumento das tempestades, dos furacões, do nível do mar.
A água doce disponível no planeta está cada vez mais escassa. O derretimento da calota polar é uma realidade; e os impactos ambientais produzidos por usinas que usam carvão mineral como combustível são enormes. Além da toxidade dos resíduos que elas produzem, emitem gases poluentes como mercúrio, cádmio e chumbo, combinados com a poluição térmica das caldeiras.
Quanto à energia hidrelétrica, acredito ter falado quase tudo. Mas nunca é demais lembrar a história, como a das usinas no rio Madeira que foram impostas à sociedade com o argumento de que estaríamos à beira do apagão se elas não fossem construídas. O mesmo argumento foi usado para justificar Belo Monte. O mesmo está sendo usado para também justificar as usinas no rio Tapajós e as do rio Teles Pires. No entanto, esse “à beira do apagão” não fez com que investimentos substanciais se direcionassem para as alternativas.
Basta dar um giro pela Europa e constatamos a geração a partir das fontes alternativas e, o que é melhor, de forma descentralizada. Nada de longos sistemas de transmissão como temos no Brasil, onde uma linha como a que liga as usinas do Madeira tem 2.450 quilômetros de extensão para chegar a São Paulo. Se houvesse geração descentralizada com as fontes alternativas nós não precisaríamos desse linhão.
Para esse governo [Bolsonaro], as mudanças climáticas, o aquecimento global, o genocídio indígena, simplesmente não existem – Telma Monteiro
IHU On-Line - Por que, na sua avaliação, a agenda ambiental não tem sido uma prioridade nos últimos governos?
Telma Monteiro - Desde que eu comecei a atuar nas questões ambientais, não senti por parte dos governos, não só dos últimos, nenhum esboço de priorizar o meio ambiente. Vou mais longe: nunca houve uma agenda ambiental. Mesmo depois da ECO 92, quando o Brasil passou a ser considerado um país que poderia assumir a liderança na questão ambiental e compromissos com a sustentabilidade, os governos que se sucederam não criaram uma mobilização para implementar uma agenda. O Brasil tem caminhado sempre atrás do resto do mundo, agora sendo considerado o último da fila, após os vexames pelos quais tem passado, com a exposição absolutamente negativa na mídia internacional.
O Artigo 225 da Constituição Federal diz respeito ao meio ambiente. Estamos falando de 1988 quando ela foi promulgada. Em 1992 o Rio de Janeiro sediou a Eco 92, em que estavam presentes mais de 100 países. A Convenção sobre o Clima, a Convenção sobre a Biodiversidade, a Carta da Terra e a famosa Agenda 21, foram acordos importantes firmados pelos então líderes mundiais. Depois chegamos à Rio+20, em 2012, em que se fez um balanço de tudo o que foi acordado 20 anos antes.
Ricardo Salles determinou que só ele responderia à mídia. Ele impôs uma verdadeira censura na comunicação do Ibama e do ICMBio, o que reflete o quanto estamos tateando no escuro quanto à existência de uma agenda ambiental, depois de quase 12 meses de governo. O que temos para chamar de agenda ambiental se o Ministério do Meio Ambiente nem atende aos questionamentos dos jornalistas?
Não aprendemos as lições dos últimos 27 anos. O desmatamento na Amazônia vem aumentando, e Jair Bolsonaro até ameaçou sair do Acordo de Paris, além de incentivar as queimadas num nítido desconhecimento da responsabilidade que lhe caberia como presidente de um país que quer ser um líder global. Para esse governo, as mudanças climáticas, o aquecimento global, o genocídio indígena, simplesmente não existem. Ricardo Salles por sua vez compareceu à COP-25 para exigir algo que ele nem sabe o que é, pois para sua mente retrógrada o mundo deve ao Brasil bilhões de dólares por preservar a Amazônia.
Não bastasse isso, Salles se apresentou na Conferência do Clima pela primeira vez no dia nove de dezembro e ele mesmo se encarregou de afirmar que os combustíveis fósseis seriam responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa no planeta. Acho que ele esqueceu que o Brasil está tentando explorar o pré-sal, que mostrou ser uma reserva inesgotável de petróleo e gás, portanto, passaria a ser um dos países a ter que pagar pelo aumento das emissões.
Fora isso, temos o aumento do desmatamento da Amazônia, que o governo ignora, e que transfere para o Brasil o ônus de não ser um exemplo de preservação entre os países participantes da cúpula do clima. Salles está mais uma vez desalinhado e batendo de frente com os países participantes do Acordo de Paris, quando pretende que o Brasil, como vendedor de créditos de CO2, desconte esses créditos das metas de redução dos GEE com as quais se comprometeu.
Salles está mais uma vez desalinhado e batendo de frente com os países participantes do Acordo de Paris – Telma Monteiro
IHU On-Line - Como analisa a participação dos militares no governo Bolsonaro? Tem informações sobre como os militares pensam a questão energética para o país? Em que fontes de energia eles apostam?
Telma Monteiro - Quem não viveu a época da ditadura militar no Brasil deve ter aprendido a história nos bancos da escola. É o que espero. Pois não se deve jamais esquecer esse período de obscurantismo que muitos, hoje, afirmam não ter existido. De 1964 até 1985, os militares censuraram todas as formas de expressão artística e tentaram impedir que as manifestações contra o regime militar tivessem eco na sociedade. Os mortos sob tortura, em minha opinião, não foram ainda devidamente reconhecidos pela sua coragem e sofrimento no propósito de salvar o país. Fiz essa introdução para lembrar que a lei da anistia, que completou 40 anos em agosto, feita para os dois lados, nunca me satisfez como forma de pôr uma pedra no passado, e imagino não ter satisfeito as famílias daqueles que foram torturados ou mortos sob tortura.
A anistia aprovada no Congresso foi um perdão para os crimes dos torturadores cometidos nos anos de chumbo. Quero aproveitar a oportunidade dessa pergunta para expor o que senti quando o governo Bolsonaro assumiu acompanhado de uma presença maciça de militares. Sua biografia como ex-militar inclui a “glória” de ajudar a caça de Lamarca na região do Vale do Ribeira. Senti revolta, pois as memórias vieram à tona e me recusei a acreditar que o povo de um país como o Brasil não tenha aprendido as lições da história. Não aprendeu, por quê? A história não foi bem contada pelas gerações de pais e mães, avôs e avós que vivenciaram, de uma forma ou outra, esse período obscuro? Os professores não se encarregaram de dar os detalhes, nas aulas de história, sobre o sofrimento dos pais e mães que perderam seus filhos para os torturadores? Quando acabou o regime militar tratamos logo de esquecer para evitar expor a chaga que vitimara toda uma geração?
Até hoje não consigo entender o silêncio ensurdecedor da omissão dos brasileiros quando Bolsonaro começou a indicar medalhados militares para os altos escalões do governo. Medalhas deveriam significar heroísmo nas guerras em defesa da justiça, contra a opressão, contra o genocídio, jamais poderiam servir para propiciar poder executivo numa democracia. Na posse, só consegui enxergar, entre lágrimas de frustração e medo, um monte de medalhas perfiladas e um presidente eleito democraticamente, marchando como durante a ditadura. Ministros, porta-voz, segundo escalão, assessores, autarquias, conselhos, repartições. São 2.500 medalhados ao todo. Um verdadeiro exército no lugar de servidores.
O Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, é militar e defensor do programa nuclear, que entende ser prioridade para o Brasil, sob a alegação de que é parte da nossa matriz energética. Profetiza que a energia nuclear terá, nos próximos 30 anos, sua participação duplicada. Bolsonaro planeja fazer mais oito plantas nucleares.
Para concluir, esclareço que militares não “pensam” a questão energética, porque não são formados para isso. Eles são treinados para a defesa das fronteiras, do mar territorial, do espaço aéreo e das estruturas que garantam a segurança da geração e transmissão de energia do seu país, quando se fizer necessário. Falando em defesa, em 2018 foi lançado o primeiro submarino nuclear que se “justifica” para defender as reservas do pré-sal.
Militares não “pensam” a questão energética, porque não são formados para isso – Telma Monteiro
Telma Monteiro - Primeiro é preciso falar um pouco sobre a Democracia. Afinal emergimos de anos difíceis em que palavras e acordes musicais poderiam se tornar a forma mais rápida de levar à perseguição e à tortura. A censura era a preliminar na busca de mínimos indícios de pensamentos mais ousados daqueles cujos neurônios ainda produziam sinapses. Tortura, mortes. Viver era uma repetição de gestos e atitudes protetores para preservar a integridade de pessoas corajosas. Ficaram marcas indeléveis nas almas de todos que assistiram, ou de perto ou de longe, aos momentos mais constrangedores, até então, do povo brasileiro. Mas, a maioria parecia sofrer uma espécie de negação, alienação, talvez, seja um termo melhor. Aqueles que não participaram, se alienaram na ditadura, não sentiram perdas e transferiram para seus descendentes uma crença de que a verdade era mentira. Faz tão pouco tempo que tudo aconteceu. Não era para ser assim.
Voltando para 2018, depois da “facada” de setembro e do primeiro turno das eleições, os holofotes se voltaram para uma só pessoa: Jair Messias Bolsonaro. Quem era Jair Messias Bolsonaro? Um político medíocre com dois projetos em 27 anos de atuação no Congresso, ex-capitão do exército, que tem como ídolo um dos maiores carniceiros da tortura durante a ditadura, coronel Brilhante Ustra. Os 57 milhões de brasileiros que votaram nele abateram mortalmente um PT já alquebrado. Foi uma espécie de vingança inconsciente pela decepção de ter acreditado na tal “esperança que venceu o medo”. Agora, é a desesperança que caminha com o medo.
Em plena campanha presidencial, um candidato nanico, famoso por seus arroubos à la Hitler, exibindo e desferindo palavras de ordem com elogios ao maior torturador do período da ditadura, tornou-se visível. Saiu da escuridão em que se encontrava para a claridade que lhe granjeou o apoio de que precisava. O futuro já estava selado, pois o Messias já se consolidava favorito, prestes a se tornar um verdadeiro azarão. A esquerda já estava morrendo imersa num mar de crimes de corrupção. A extrema direita, então, emergia do fundo abissal da escuridão. O Messias ainda não mostrara suas garras afiadas, preparadas para arranhar o bom mocismo do Brasil.
Quem autorizou o que estaria para acontecer no Brasil? Quanto mais eu me aprofundo mais sinto que viver consoante ao perigo é uma forma de fortalecimento do nosso legado. Nosso legado? Qual é na verdade o nosso legado no Brasil? Aprendemos com os erros do passado que para ter um país forte, com equidade, seria necessário passar mais uma vez por um teste inglório? Bolsonaro seria a última experiência amarga que teríamos, uma espécie de catarse para nos preparar para um outro tempo? Insistirei nisso, pois só a repetição dos erros pode nos levar à limpeza d’alma e ao exorcismo do horror que tem cercado a vida dos brasileiros.
Parece impossível que a violência que tem sido cometida contra nossas vidas, com palavras, atitudes e expressões jocosas possa estar presente na mídia diuturnamente. Afinal, por que espalhar algo que denigre pessoas e apequena povos, cientistas, ciência, estudos, educação, participação?
Notas:
[1] LEI N° 10.847, DE 15 DE MARÇO DE 2004. Autoriza a criação da Empresa de Pesquisa Energética – EPE e dá outras providências. Artigo 4°, X - desenvolver estudos de impacto social, viabilidade técnico-econômica e socioambiental para os empreendimentos de energia elétrica e de fontes renováveis; disponível aqui; (2) Criada em 1959 – por professores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, um dos mais renomados centros de formação em engenharia no país –, a CNEC foi incorporada, dez anos depois, pelo grupo Camargo Corrêa. Em 2010, a CNEC foi adquirida pelo grupo australiano WorleyParsons, agregando expertise em exploração de petróleo, construção de refinarias, portos e plataformas em águas profundas – setores em expansão no Brasil. A integração também fará com que a CNEC WorleyParsons se torne uma referência em hidroelétricas na América Latina. Disponível aqui. (Nota da entrevistada)
[2] Na 21ª Conferência das Partes (COP21) da UNFCCC, em Paris, foi adotado um novo acordo com o objetivo central de fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima e de reforçar a capacidade dos países para lidar com os impactos decorrentes dessas mudanças.
O Acordo de Paris foi aprovado pelos 195 países Parte da UNFCCC para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) no contexto do desenvolvimento sustentável. O compromisso ocorre no sentido de manter o aumento da temperatura média global em bem menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e de envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
O Brasil se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030. Veja aqui. (Nota da entrevistada)