terça-feira, 30 de novembro de 2021

Amazônia – exploração histórica - Parte 1

Imagem: Época

Telma Monteiro

Pensando bem, e olhando a história, ainda antes do descobrimento do Brasil, fica claro que a Amazônia sempre foi o alvo da cobiça de investidores, empresas e governos. E continua sendo.

Não é preciso ir muito longe nas pesquisas para descobrir como a Amazônia foi explorada desde que Cristóvão Colombo esteve pela segunda vez no Novo Mundo, entre 1493 e 1495. Daí para a exploração da borracha, despois da descoberta da vulcanização, em meados do século XIX, foi um verdadeiro festival de ideias para “integrar” ou “povoar” ou “saquear” a Amazônia.

Nenhuma novidade, já que, atualmente, o objetivo continua sendo o mesmo. Para nossa surpresa, em pleno século XXI, em Glasgow, na COP 26, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, soltou a seguinte pérola: “onde tem floresta tem miséria”. Boa, essa! Foi a cereja do bolo da ignorância que pairou como uma nuvem negra sobre a enorme delegação brasileira na COP 26. Glasgow ficou mais acinzentada.

O festival de besteiras do staff de Bolsonaro na Europa, durante a COP 26 e em visita, depois, aos Emirados Árabes, não ficou só nisso. Entre os excrementos que saíram da boca de Bolsonaro pode-se citar dois, em especial: “a Amazônia não pega fogo porque é úmida” e “a Amazônia continua igualzinha à época do descobrimento do Brasil”. Dizer que o desmatamento da Amazônia nunca foi tão agressivo como no último ano, é pouco. O INPE divulgou uma nota técnica, ainda em tempo de ser divulgada durante a COP 26, onde apresentou os dados do desmatamento estimado de 13.235 km² ou 1.323.500 ha de corte raso no período de 01 agosto de 2020 a 31 julho de 2021. Isso significa um aumento de 21,97% em relação a taxa de desmatamento apurada pelo PRODES 2020 (INPE).

Pensando bem, e olhando a história, ainda antes do descobrimento do Brasil, fica claro que a Amazônia sempre foi o alvo da cobiça de investidores, empresas e governos. E continua sendo. Quando passou a febre da borracha com a construção da ferrovia Madeira-Mamoré que foi um verdadeiro estupro da floresta, aconteceu a Transamazônica já em tempos de Ditadura Militar no Brasil, anos 1960. A Transamazônica foi o descalabro que teve início no litoral brasileiro do Nordeste e enveredou para o oeste, sulcando e povoando a caatinga, o cerrado e a Amazônia; acompanhando o médio e alto rio Tapajós e criando o desastre para a floresta e os povos em direção às riquezas da Amazônia. “Integrar para não Entregar”. Que lema seria esse? Cravado no chão dos nossos biomas, no cerne da nossa biodiversidade, nas costas dos nossos indígenas, por homens de farda imbuídos de alimentar a falsa utopia das benesses da exploração colonizadora vinda de além-mar.

Levar riquezas e trazer impactos civilizatórios construiu a falsa ideia de que expurgar a miséria, abatendo árvores, seria a solução para o vazio demográfico. O “Integrar para não Entregar”, na verdade acabou por dar continuidade à exploração das riquezas da Amazônia. Sim, entregamos e entregamos, no passado e no presente. Mas não parou com a Transamazônica. Continuou a fixação pela ocupação da gigantesca massa verde, joia do planeta, produtora de água e de vida. E nos anos 1970, a ideia era colonizar o norte do estado do Mato Grosso, aquela planura que podia produzir grãos para o mundo e que hoje bate recordes, não sem antes abater a floresta. O fim integracionista surgiu mais uma vez com o projeto da rodovia Cuiabá – Santarém, a BR-163, que cortou a Amazônia ao meio. Levou uma ideia civilizatória, agora, para o interior da floresta, para o interior de aldeias indígenas que foram compulsoriamente removidas para outro canto, onde não atrapalhariam a sanha integracionista da Ditadura Militar brasileira.

O efeito “espinha de peixe”, indelével nas imagens de satélite é agora visível, também, para os multimilionários-recém-desbravadores do espaço, uma curiosidade a ser comparada com as crateras da lua. O que está cortando ao meio todo aquele verdor? A marca cravada no solo da maior floresta tropical do mundo testemunhará um tempo indescritível, no futuro, do domínio do homem sobre a Natureza. A BR-163 é, agora, o fio condutor de outra aberração: a ferrovia EF-170 ou Ferrogrão que vai aproveitar o caminho aberto pela rodovia, multiplicando os impactos que ela já provocou, reduzindo unidades de conservação e terras indígenas já reféns do desmatamento, do garimpo, da mineração que acompanharam o integracionismo cínico e a ocupação predatória. Mas, o Brasil precisa escoar mais rápido os grãos do agronegócio predatório. Como? Avançando sobre a floresta e terras indígenas.

Os 933 km da Ferrogrão podem sair do papel a qualquer momento. O novo marco legal ferroviário foi implantado pelo governo Bolsonaro como forma de agilizar o processo. Agora a empresa, investidores escolhem como, quando e onde e apresentam o projeto da ferrovia que será autorizada como concessão. Como já acontece com os portos e aeroportos no Brasil: concessão, outorga por autorização para construir e operar ferrovias, ramais, pátios e terminais ferroviários. A Medida Provisória nº 1.065/21, escancara a liberdade de empresas transportadoras, operadores logísticos e indústrias de requisitar autorização ferroviária para construir e operar. O estudo técnico conterá a escolha do traçado, a localização e necessária obras complementares. A responsabilidade de fiscalizar e fazer cumprir a legislação ambiental, nesse caso, pode sair das mãos do governo e passar para a iniciativa privada.

Continua...

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Mineração e desmatamento na Amazônia: consequências de uma política de destruição e o exemplo da mineradora Belo Sun

Imagem apresentação Belo Sun

Telma Monteiro

O projeto Volta Grande, nome da mina da Belo Sun Mining, pretende retirar 76 t de ouro em 10 anos. A Belo Sun tem 74 quilômetros quadrados ou 74 mil ha de área já reservados, no DNPM, para minerar ouro na Volta Grande do Xingu. Essa área chega até os limites das terras indígenas Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Ituna/Itatá, área de perambulação dos indígenas isolados.

Está tramitando no Congresso o PL 191/2020[1] para liberar mineração, exploração de hidrocarbonetos e recursos hídricos para geração de energia elétrica em Terras Indígenas (TIs). Um estudo conjunto da USP, UFMG e ISA estima que, se o projeto for aprovado, ele deverá impactar 23% da Amazônia. No período de 1994 a 2020 (em 26 anos) foram requeridos 2.113 pedidos de pesquisa de ouro em Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Amazônia. Mas, só no período de 2010 a 2020 (últimos10 anos) foram 1.174 pedidos.

A proposta do PL 191/2020, com trâmite prioritário, ameaça 863 mil quilômetros quadrados de florestas e 222 grupos indígenas. Esse contingente incrementa, anualmente, 5 bilhões de dólares de serviços ecossistêmicos entre alimentos, mitigação de emissões de carbono e regulação do clima. O projeto de iniciativa do poder executivo foi assinado pelo ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro.

Além da perda dos serviços ambientais, o PL 191/2020, se aprovado, pode levar à perda de 160 mil quilômetros quadrados de floresta na Amazônia o que equivaleria a 20 anos de desmatamento. Só para efeito de comparação, a área da Alemanha é de 357 mil quilômetros quadrados e a área da bacia hidrográfica do Tapajós é de 764 mil quilômetros quadrados.

Outros dados assustadores merecem ser mencionados, como os 2.100 novos pedidos de pesquisa minerária que devem afetar 85 territórios indígenas e 64 unidades de conservação nos estados do Amazonas e Roraima. Só a TI Baú, no Pará, tem pedidos de pesquisa minerária em 471 mil hectares, o que equivale a ¼ do seu território.

Mineração de ouro em Belo Monte

Na semana passada (7 de novembro de 2021) um protesto em Altamira, no Pará, lembrou que na esteira da hidrelétrica Belo Monte, no rio Xingu, a mineradora canadense, Belo Sun Mining, está prestes a iniciar a instalação da mina para a extração de ouro ao lado da hidrelétrica, próxima ao barramento do sítio Pimental, na Volta Grande[2]. A consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas ainda não aconteceu.

O projeto da mineradora canadense, licenciada pelo estado do Pará, só foi possível porque a hidrelétrica de Belo Monte foi construída. Uma verdadeira “janela de oportunidade” provocada pelo desmatamento da região da Volta Grande do Xingu em decorrência dos impactos da construção de Belo Monte. O projeto Volta Grande, nome da mina da Belo Sun Mining, pretende retirar 76 t de ouro em 10 anos. A Belo Sun tem 74 quilômetros quadrados ou 74 mil ha de área já reservados, no DNPM, para minerar ouro na Volta Grande do Xingu. Essa área que chega até os limites das terras indígenas Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Ituna/Itatá, área de perambulação dos indígenas isolados. O Estudo do Componente Indígena deve mostrar claramente que essas terras sofrerão impactos cumulativos da exploração de ouro a céu aberto, que produzirá, além da riqueza, toneladas de resíduos que deverão ser descartados.

Apesar das licenças concedidas pelo Estado do Pará, o projeto Volta Grande da Belo Sun Mining não pode minerar graças à decisão do Tribunal Regional Federal (TRF1) que suspendeu o licenciamento em dezembro de 2017 até que fosse realizada a Consulta Pública aos indígenas e o Estudo do Componente Indígena das terras afetadas. O processo foi retomado em abril de 2018 condicionado à apresentação do Plano de Trabalho da Consulta. Em 2019 o processo foi novamente suspenso pelo Tribunal de Justiça do Pará.

Atualizando: em 19 de março de 2021 a procuradoria da Funai expediu nota jurídica à presidência da Funai pedindo a suspensão de procedimentos junto aos povos indígenas, devido à pandemia de COVID 19. Atualmente recomeçaram as tratativas para dar sequência à Consulta aos povos indígenas e à elaboração do Estudo do Componente Indígena (ECI).

Desmatamento, o primeiro passo

Dados do Imazon mostram um aumento do desmatamento de 57%, ou 10.476 quilômetros quadrados, entre 2020 e 2021, a pior taxa dos últimos 10 anos. O desmatamento ilegal é o primeiro passo para a mineração e o garimpo que afetam unidades de conservação e terras indígenas. As imagens do desmatamento são cada vez mais estarrecedoras. A aquisição de grandes porções de floresta na Amazônia Legal migrou para o sul do Pará, e a madeira é extraída para exportação e consumo interno.

O método usado pelos desmatadores é bastante simples, como me narrou um madeireiro aqui no Brasil. O grileiro quer vender a mata e a apresenta para um intermediário que vai buscar o comprador da madeira. O valor da área a ser desmatada vai depender do quantitativo de árvores nobres que ela contém. É feito um inventário das madeiras nobres que estão na área, independente da reserva legal da propriedade que são 80% na Amazônia Legal. Feito o inventário, o preço é acertado conforme o “estoque” disponível. Mas, aí vem o pulo do gato: no inventário, o grileiro, “dono” da terra, e o intermediário costumam acrescentar árvores da reserva legal da propriedade, sem que o órgão que emite a autorização possa conferir. Uma área pode valer desde R$ 600,00 a R$ 40 mil por hectare, dependendo da quantidade de madeira nobre existente.

Firmado o preço, o intermediário vende a madeira inventariada para o madeireiro que pede ao Ibama a autorização para extração da madeira na área fora da reserva legal. Fiscais do Ibama analisam o pedido, vão ao local e demarcam o perímetro inventariado e a quantidade de m³ que poderá sair daquela área. Então, essa madeira da área inventariada passa a ser certificada, com localização por georreferenciamento, e que será retirada pelos madeireiros. Com a certificação emitida, o Ibama passa a considerar que a madeira inventariada daquela área, georreferenciada da propriedade, é legal. Mas, não acontece assim, na maioria dos casos, pois muitas árvores nobres são retiradas da reserva legal (restrita) usando a documentação legal da área certificada.

Infelizmente, a fiscalização acaba sendo omissa por falta de fiscalização em consequência do desmanche que o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, junto com o presidente Jair Bolsonaro, impuseram ao Ibama. As carretas saem carregadas das áreas de desmate autorizado, com as toras legais e ilegais, em direção às serrarias do norte do Mato Grosso e sul do Pará. Tecnicamente, legalizada a madeira com parte extraída ilegalmente da reserva legal, passa pelos postos de fiscalização onde a documentação é carimbada.

Outro depoimento, ainda, informa que grandes negociadores internacionais de madeira para exportação, em especial chineses, oferecem, antecipadamente, ao intermediário dez vezes o valor de mercado da madeira a ser extraída. A velocidade com que o desmatamento avança no sul do Pará vai dando lugar ao agronegócio e à mineração que invade terras indígenas e unidades de conservação.

Eis aí um dos porquês do aumento estratosférico do desmatamento apontado pelo Imazon.



[1] “Regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas.” https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2236765

[2]suspensão em curso e potencial cancelamento de suas licenças ambientais” https://xinguvivo.org.br/wp-content/uploads/2021/08/Belo-Sun-Corp_CartaOSC_PT.pdf

Amazônia: projetos de destruição

Ferrogrão – soja no coração da Amazônia

Estudo Preliminar 3 - Ferrogrão e a Soja na Amazônia                                                        Imagem: Brasil de Fato   ...