sábado, 30 de abril de 2011

Belo Monte: resposta do Brasil à OEA é vergonhosa

Imagem: noticiascabana.blogspot.com

Faltou maturidade ao governo no trato com a OEA

Telma Monteiro

Atônita com a atitude do Brasil frente às recomendações da OEA sobre Belo Monte, acabo de levar um grande susto com a retaliação de Dilma Rousseff em retirar a contribuição anual à organização. Todos os membros da OEA contribuem anualmente para manter sua estrutura. Não que isso vá acabar com a OEA. Mas a atitude do Brasil tem um significado vergonhoso. 

Fiquei então pensando se Dilma, durante a ditadura, quando presa e torturada, na solidão de sua cela, exausta e sofrida, teria ansiado por um organismo internacional que intercedesse por ela e por aqueles que sofriam com a violação dos direitos humanos. Assim, como fez a Comissão de Direitos Humanos (CIDH) da OEA em favor dos indígenas do Xingu, para resguardar seus direitos ao consentimento livre prévio e informado.

Estranho, pois, que o governo brasileiro tenha uma atitude tão ou mais xenófoba que as dos militares brasileiros da ditadura, algozes autoritários. Aqueles militares que esbravejavam e que esbravejam ainda, caquéticos hoje, contra uma ridícula ameaça americana de conquistar a Amazônia e as suas riquezas naturais. No entanto, o que consta é que os que querem explorar as riquezas naturais da Amazônia são as nossas próprias empresas estatais consorciadas com as grandes empreiteiras, com mineradoras ávidas, com bancos públicos, privados e holdings internacionais. Belo Monte significa uma montanha de dinheiro, ou a Vale não estaria agora interessada.

Com tudo isso o Brasil, não este maravilhoso dos brasileiros, mas aquele dessa presidente autoritária e arrogante, está dando mostras contundentes de que não tem maturidade para integrar o tal Conselho de Segurança da ONU, tão almejado. Quem não respeita os direitos humanos e desse crime é apontado publica e internacionalmente, não pode ser levado a sério.

Será que Dilma Rousseff e entourage estão esquecendo como sofreram horrores na ditadura? Será que estão fazendo uma releitura da dita ao ignorar o clamor dos indígenas do Xingu e agora o grito dos Munduruku do Tapajós?

O governo, a AGU, suas excelências no Congresso, estão agindo, no caso da OEA e Belo Monte, com visível medo de que essa  Medida Cautelar proferida pela CIDH se transforme em um precedente. Levando-se em conta tudo que está planejado nas obras tenebrosas do PAC, dá para entender o temor. 

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Indígenas Munduruku reúnem-se para discutir hidrelétricas no rio Tapajós

Os Munduruku  - Foto Telma Monteiro
Nos dias 25 e 26 de abril de 2011, em um encontro organizado pela Associação Indígena Pussuru em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), cerca de 70 indígenas Munduruku do Alto Tapajós, representantes de 19 aldeias, reuniram-se na Aldeia Saí-Cinza, município de Jacareacanga no estado do Pará, para debaterem sobre os impactos que o complexo hidroelétrico Tapajós/Teles Pires pode causar em seus modos de vidas.

Para muitos dos presentes no encontro, a sensação de medo ficou evidente, pois estes temem que, como em outras obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as comunidades indígenas não sejam ouvidas e que tenham seus direitos constitucionais desrespeitados em benefício do consórcio empreendedor.

Flaviano Akay, da aldeia Trairão, foi enfático ao afirmar que nós, Munduruku, não queremos de jeito nenhum este projeto, pois irá trazer problemas para nós e nossos filhos. Osmarino Manhuary, cacique da aldeia Jacarezinho, afirmou que nossos pensamentos hão de dizer para o governo que nós somos os primeiros habitantes do Brasil, que nós somos verdadeiros brasileiros, por isso, não dá para o governo construir seu projeto sem consultar a comunidade indígena.

Para Francisco Saw, da aldeia Maloquinha, o encontro foi importante porque agora nós todos estamos cientes sobre a barragem, porque foram mostradas no vídeo as conseqüências do projeto e os problemas que podem existir no nosso futuro.

Ao invés de barragens nos rios, os indígenas propuseram que o governo traga programas para beneficiar a comunidade em relação à saúde e à educação escolar indígena, já que segundo um dos participantes do evento,
isso o governo não traz para as comunidades.

Durante o encontro foram exibidos vários vídeos com depoimentos de pessoas atingidas pela usina hidrelétrica de Estreito, no rio Tocantins, além das comunidades que estão sendo ameaçadas com a construção de diversas outras usinas, como Jirau e Belo Monte.

Ao final do encontro, foi aprovada por unanimidade uma carta contendo os principais posicionamentos dos Munduruku em relação às hidroelétricas, que deverá ser encaminhada ao Ministério Público Federal, órgãos governamentais e a toda a imprensa.

Mais informações: Haroldo Saw Munduruku, Coordenador de Projetos da Associação Indígena Pussuru
Telefone: (93) 9117 6626
Email: haroldosaw@bol.com.br
  

Nós indígenas Munduruku, representantes das aldeias Saí-Cinza, Caroçal Rio das Tropas, Boca do Caroçal, Vila Nova, Bananal, Boca das Tropas, Karapanatuba, Jacaré Velho, Jacarezinho, Jardim Kaburuá, Porto, Biriba, Katõ, Estirão das Cobras, Maloquinha, Monte Alegre, São João, Trairão, Missão Velha, reunidos na Aldeia Saí-Cinza - Terra Indígena Saí-Cinza, município de Jacareacanga, Pará, reunidos. nos dias 25 e 26 de abril de 2011, vimos através desta Carta Aberta declarar a toda a sociedade que:

Nós Munduruku, não queremos de jeito nenhum os Complexos Hidroelétricos do Tapajós e Teles Pires nos nossos rios, pois irão trazer problemas para nós e nossos filhos;

Queremos dizer ao governo que nós somos os primeiros habitantes do Brasil, que nós somos os verdadeiros brasileiros, por isso, não dá para o governo construir seus projetos sem consultar os povos indígenas;

Sabemos que se construir uma barragem, o governo vai construir todas. Por isso, nós devemos lutar para não acontecer a construção de nenhuma; 

Exigimos que as autoridades do governo, antes de pensar em qualquer projeto dentro ou no entorno das terras indígenas, que venham se fazer presente e não mandem seus secretários ou representantes e que respeitem o que está escrito na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da OIT no que diz respeito aos direitos dos povos indígenas;

Denunciamos que o governo não liga para os pobres, só para os grandes empreendedores. O governo olha pra nós como se não fôssemos ninguém;

Denunciamos ainda que a barragem com certeza irá interferir em nossa cultura e, por isso, exigimos que ao invés de apresentar projetos que vão destruir nosso modo de vida, o governo mostre programas para beneficiar as comunidades em relação à saúde e a educação indígena. 

Declaramos a nossa solidariedade a todos os nossos parentes dos rios amazônicos que também estão ameaçados pelos projetos hidroelétricos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal.

Lembramos que nós devemos ser fortes nesta luta, nós temos que dizer não às barragens. Se nós formos fracos, o governo vai nos pisar. Por isso, não queremos barragens, porque com nossos rios livres, nós temos liberdade de pescar, de caçar e trazer alimentos para a família e filhos.

Sabemos que os grandes projetos de hidroelétricas vão acabar com tudo. Os rios, peixes, terra são a nossa vida. Por isso, o governo tem que nos respeitar, porque nós estamos vivos ainda.

NÃO ÀS HIDROELÉTRICAS NOS RIOS TAPAJÓS E TELES PIRES!

VIVA OS NOSSOS RIOS, VIVOS PARA SEMPRE!

Aldeia Saí-Cinza, Jacareacanga, PA, 26 de abril de 2011.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Fazendo de conta que os licenciamentos ambientais são de verdade

Henrique Cortez - Imagem: guiaecologico.wordpress.com

Henrique Cortez

[EcoDebate] O título deste texto é menos absurdo do que pode parecer à primeira vista. Nos últimos anos, estão cada vez mais freqüentes as denúncias de EIA-RIMAs tecnicamente inconsistentes ou fraudulentamente produzidos. E isto é um problema extremamente sério.
Já é evidente que surgiu uma indústria de EIA-RIMAs pré-fabricados apenas e tão somente para atender às exigências legais mínimas. A cada dia surgem novos questionamentos sobre a veracidade destes estudos.
Neste sentido os casos das hidrelétricas de Barra Grande, no rio Madeira, de Belo Monte, da usina nuclear deAngra 3 e outros casos escandalosos. No EcoDebate a tag “licenciamento ambiental” é rica em detalhes deste problema que se agrava.
As ambientalistas Ana Echevenguá (Eco&Ação) e Telma Monteiro (Blog Telma Monteiro) são figuras importantes nas denúncias dos licenciamentos de mentirinha, tão do agrado dos grandes interesses econômicos e do governo desenvolvimentista de plantão. Em seus sítios/blogues discutem, denunciam e expõe esta “linha de montagem” de licenciamentos, com clareza e profundidade.
Este governo não consegue compreender que o processo de licenciamento ambiental é “ligeiramente” diferente da concessão de um mero alvará e por isto não suporta a idéia de que as licenças não sejam concedidas automaticamente, como se fossem meros detalhes burocráticos.
Se dependesse do voluntarismo governamental teríamos ampla e irrestrita concessão de licenças ambientais, para quaisquer atividades, sem qualquer consideração para com as questões socioambientais.
Diversos membros do primeiro círculo do poder já afirmaram que a grande fase do desenvolvimento do Brasil se deu durante os governos militares, coincidentemente uma época em que as preocupações sociais e ambientais das grandes obras simplesmente inexistiam.
Aliás, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva não cansou de elogiar os projetos dos governos militares, quando a agenda desenvolvimentista era imposta na marra.
O governo, desde o governo Lula, reclama dos ambientalistas, dos índios, dos quilombolas, dos ribeirinhos, do ministério público, do poder judiciário, dos movimentos sociais e de todos os que não concordam com esta opção pseudodesenvolvimentista. E reclama com razão, porque estes segmentos da sociedade não aceitam este modelo de desenvolvimento a qualquer custo.
Enquanto isto, a tragédia dos licenciamentos de mentirinha se agrava. Os erros e inconsistências são de tal monta que os órgãos ambientais, em muitos casos, chegam a exigir tantas condicionantes que praticamente equivalem a outro EIA.
Isto, em princípio, não seria um problema se os órgãos ambientais não estivessem sucateados, sem funcionários técnicos e com uma inadequada estrutura técnica e administrativa.
A fragilização estrutural, a falta de funcionários capacitados e corretamente qualificados e a falta de suporte de adequadas políticas públicas dificultam a avaliação técnica dos licenciamentos e abre portas aos oportunistas. Isto é um problema com mais de 10 anos e continua a se agravar.
Outra questão que está sempre presente é o abandono dos compromissos de mitigação e compensação exigidos na Licença Prévia. Os empreendedores sabem que os órgãos ambientais não conseguirão fiscalizar o cumprimento das condicionantes antes da Licença de Operação (LO) e, neste momento, não terão apoio político para revogar o licenciamento.
Aliás, nada obriga que um empreendimento seja licenciado. Diante dos impactos socioambientais o órgão licenciador pode e deve negar o licenciamento. Ok, pode e deve em tese, porque isto não acontece, nem que o governo tenha que substituir o dirigente, tal como recentemente aconteceu com um ex-presidente do Ibama em relação ao licenciamento ‘provisório’ da UHE de Belo Monte.
E a indústria de EIA-RIMAs pré-fabricados apenas piora o problema. Bem, mas o que fazer?
Já foi um grande avanço quando o IBAMA suspendeu a licença ambiental para Hidrelétrica do Baixo Iguaçu (PR) , em razão de uma ação civil pública. O empreendimento seria construído nos municípios de Capanema e Capitão Leônidas Marques, a cerca de 500 metros do Parque Nacional do Iguaçu. A ação afirma que o estudo de impacto ambiental e o relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) têm lacunas e omissões que impedem o dimensionamento adequado dos impactos que a construção provocaria.
Em primeiro lugar, é evidente que o licenciamento existe para ser rigorosamente observado. E não existe a obrigatoriedade de licenciar toda e qualquer obra, só porque uma empresa e/ou o governo querem que assim seja.
Para isto, os órgãos ambientais, na medida do possível, já estão fazendo o que devem – analisando com rigor e critério. Ao empreendedor cabe o risco de ter a análise tão demorada quanto o EIA-RIMA for impreciso ou inconsistente. E, se for o caso, ter o licenciamento negado.
Em segundo, no caso federal, excluir do Cadastro Técnico Federal todas as empresas que tenham “produzido” estudos sem qualidade técnica. No caso de fraude ela deve ser tratada como realmente é: como crime. E , aos empreendedores, co-responsáveis no EIA-RIMA fraudulento, ficará o ônus do licenciamento negado.
E, por fim, os Conselhos Regionais, dos profissionais que subscrevem os EIA-RIMAs inconsistentes ou fraudulentos, devem apurar as responsabilidades profissionais e, definidas as responsabilidades em processos administrativos, aplicar as penalidades previstas em lei, inclusive a cassação do registro profissional.
Esta crise só terminará quando acabar a impunidade e é isto que devemos exigir.


Henrique Cortez, henriquecortez{at}ecodebate.com.br
coordenador editorial do Portal EcoDebate


terça-feira, 26 de abril de 2011

Microgeradores eólicos: Em versão mini, turbina eólica começa a ganhar mercado

Microgerador eólico instalado no telhado de uma residência
Microgerador eólico instalado no telhado de uma residência

Microgeradores eólicos já são populares na China e, aos poucos, chegam também a países ocidentais. Bem menores do que aerogeradores gigantes, essas turbinas podem ser instaladas em casas, escolas e também na indústria.
Com o avanço das energias renováveis, grandes parques eólicos começam a surgir em diferentes pontos do mundo. E o desenvolvimento dessa tecnologia tem avançado consideravelmente.
Enquanto há 30 anos uma turbina eólica padrão era capaz de gerar entre 10 e 100 quilowatts-hora (kWh), hoje, turbinas na Europa, China e Estados Unidos chegam a gerar normalmente 5.000 kWh.
E o tamanho está ficando cada vez maior. O projeto europeu UpWind tem a ambição de desenvolver uma turbina gigante com capacidade de 20 mil kWh. A eletricidade gerada seria suficiente para abastecer de 15 mil a 20 mil residências.
Para que esses objetos colossais tenham o menor impacto possível sobre comunidades, muitos desses novos parques eólicos estão sendo instalados no mar. Tal operação exige também um grande esforço de engenharia, especialmente em se tratando de parques offshore.
Isso tem levado outros profissionais – também engajados em produzir energia sustentável – a olhar em direção completamente oposta. Eles estão pensando pequeno.
Mercado emergente
O benefício do uso de turbinas menores é a facilidade de implementá-las em maior número de lugares. Em certas situações, a chamada microgeração eólica é a forma mais barata de se ter acesso à energia. Pequenas turbinas de aproximadamente 10 a 100 kW podem ser acopladas a casas, escolas, instalações industriais e até barcos.
Esse recurso tem tido mais sucesso em países emergentes. “Sem comparação, a maior parte dessas turbinas eólicas estão localizadas na China, no momento”, diz Stefan Gsänger, da Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA).
A China lidera a construção e instalação de pequenas turbinas. Atualmente, 1,75 milhão de chineses recebem eletricidade em casa por meio dessa fonte geradora. No país, 8 milhões de pessoas vivem sem energia elétrica, e o mercado eólico está tentando preencher esse déficit, diz Chen Dechang, porta-voz da associação da indústria eólica na China.
Só no ano passado, cerca de 130 mil pequenas turbinas foram construídas na China, diz Dechang. Em regiões onde o vento é constante, distantes dos centros produtores de energia, a microgeração eólica oferece a opção mais acessível de eletricidade.
A tecnologia, de fato, é uma ferramenta que ajuda a reduzir a pobreza sem provocar o aumento dos gases do efeito estufa. Em todo o mundo, 1,5 bilhão de pessoas vivem sem eletricidade, muitas delas em comunidades rurais remotas, onde o acesso à rede nacional de energia é proibitivamente cara.
A conjuntura contribui para que a China se mantenha no topo do ranking: o custo da fabricação do equipamento é baixo e a busca por soluções energéticas é grande por parte de consumidores em regiões afastadas.


Mercado brasileiro


No Brasil, onde a geração de energia eólica ainda se desenvolve num ritmo tímido, as atividades estão concentradas na produção de médio e grande porte. Mas, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), o setor está elaborando uma força-tarefa para se dedicar mais à microgeração.
Atualmente, apenas quatro empresas se concentram na fabricação de aerogeradores de pequeno porte com potência entre 250 Watts e 200 kW, afirma a entidade. “Temos ainda algumas universidades e novas empresas incubadas em centros de tecnologia desenvolvendo novos protótipos”, acrescenta a ABEEólica. Um exemplo vem da Universidade de São Paulo (USP), que acaba de desenvolver um rotor 100% nacional para turbinas eólicas de 10 kW.
Em 2009, a produção de eletricidade a partir da fonte eólica no Brasil alcançou 1.238 GWh, o que representa um aumento de 4,7% em relação do ano anterior.


Do lado ocidental


Até mesmo nos países desenvolvidos – onde a desenvolvida infraestrutura de rede de distribuição enfraquece a competitividade das pequenas turbinas frente às primas gigantes –, o aumento dos custos e a pressão para independência energética estão impulsionando a indústria eólica.
Nos Estados Unidos, também é grande a produção das pequenas turbinas, que são exportadas ou vendidas no mercado interno. Segundo dados da Associação Americana de Energia Eólica (AWEA), o número de instalações desse tipo de turbina dobrou nos últimos três anos. A organização espera que, até 2015, esse número seja quadruplicado.


As tarifas


É fato que vários países europeus, mais notadamente a Alemanha, são pioneiros na questão da chamada tarifas feed-in, uma política de tarifa energética que estimula o investimento em energias renováveis. No entanto, as pequenas turbinas eólicas estão em desvantagem quando comparadas com as grandes, e não conseguiram ainda assegurar uma tarifa própria separada.
Uma mudança parece estar a caminho. O Reino Unido foi o primeiro país desenvolvido a fomentar, no ano passado, a energia gerada em pequenas turbinas com a implantação de tarifa feed-in.
Desde então, o governo britânico paga entre 17 e 38 centavos de euro para cada kWh de eletricidade gerado em instalações certificadas por turbinas pequenas. Esse pode ser um negócio promissor para uma região onde os ventos sopram com tanta frequência.
Em outras partes do mundo, a simpatia pela causa também está mudando. Na Dinamarca, um investimento numa pequena turbina eólica pode render ao proprietário de uma casa 28 centavos de euro por kWh.
Enquanto isso, associações do setor na Espanha, Portugal, Irlanda e Alemanha tentam convencer seus governos a criarem taxas similares para tarifas feed-in. A Associação Alemã de Energia Eólica espera que a administração federal pague entre 15 e 22 centavos de euro por kWh.


Condições


Especialistas acreditam que, uma vez que as tarifas tornem lucrativos os investimentos em pequenas turbinas, as condições para outro boom no setor de energias renováveis serão criadas. Naturalmente, os desafios ainda existem.
A indústria continua pequena e fragmentada quando comparada com a de turbinas gigantes. Há centenas de fabricantes no mundo todo, e a maioria não tem capacidade de produzir em escala industrial. Há problemas também de padrão, isso pode demonstrar que a indústria tenha que trabalhar mais para se consolidar, antes que ganhe mais evidência no setor de energia renovável.
Outra problemática reside na medição das condições precisas do vento. Como os pequenos consumidores não dispõem de um time de especialistas para verificar esse dado, proprietários de pequenas turbinas já se decepcionaram devido a erros de cálculo, que superestimaram as condições em prol de ventos fortes.


Autor: Gero Rueter/ Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque

Reportagem da Agência Deutsche Welle, publicada pelo EcoDebate, 26/04/2011

Xingu: os inúmeros caminhos de um rio

Cecília Campello do Amaral Mello

Para que serve um rio? Para pescar, para banhar, para navegar, para amamentar. Sim, as mulheres indígenas e ribeirinhas costumam levar seus bebês para banhar-se no rio e os alimentam ali mesmo, dentro d’água, onde as crianças flutuam tranquilas abraçadas ao seio materno. Um rio tem muitos “aproveitamentos”, muito mais do que geralmente se imagina. É o que ensinam as crianças e populações indígenas que vivem à beira do rio Xingu.

Visitei em novembro de 2009(1) a comunidade ribeirinha Vila da Ressaca e a Terra Indígena Arara, ambas na Volta Grande do Xingu, região que seria a mais atingida no caso da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Se construída, a barragem desviaria o curso do rio Xingu, diminuindo drasticamente sua vazão, o que inviabilizaria as inúmeras relações que os povos que aí vivem mantêm com o rio. Hoje, os usos e sentidos que o Xingu possui para os grupos sociais que dele e com ele vivem são plenamente compatíveis entre si. Uma vez construída a barragem, o único uso possível do rio seria como força motriz para geração de energia – para quem?

Basicamente para suprir grandes projetos de mineração, siderurgia e demais indústrias eletrointensivas altamente poluentes, que respondem pela maior fatia do consumo energético nacional e pagam as menores tarifas, subsidiadas por nós e nossas contas de luz cada dia mais caras. Mas qual o sentido, para as comunidades locais e para a sociedade brasileira como um todo, da produção de energia voltada em grande parte para a indústria siderúrgica e do alumínio? Desejamos com nossos rios alimentar, por exemplo, a demanda do mercado por chapas de aço para a insustentável expansão da frota de automóveis individuais, que vêm tornando insuportável o deslocamento em nossas cidades? Aceitamos que nossas riquezas sejam espoliadas segundo a lógica de uma “acumulação primitiva permanente” geradora de “depredação cultural, desfiliação, degradação ambiental e predação de pessoas e espaços geográficos”(2). Em outras palavras, desejamos crescer a qualquer custo?

A perspectiva da justiça ambiental indaga: e se os processos de tomada de decisão política incorporarem seriamente como critério que não deverá haver impactos desproporcionais de grandes obras sobre grupos sociais vulnerabilizados? E se esses grupos puderem fazer ver e valer seu modo de vida e terem respeitados os muitos aspectos não monetarizáveis de seu mundo? E se os grupos potencialmente atingidos puderem mostrar para a sociedade abrangente todas suas riquezas incomensuráveis em relação às quais o nosso modo de vida – baseado no consumo incessante e no uso predatório dos recursos naturais – é cego? O que há no rio Xingu que não pode ser simplesmente esmagado e transformado em mercadoria? O que é este rio para os povos indígenas e ribeirinhos que ali vivem?

Para se ter uma ideia das riquezas naturais encontradas no Xingu, basta saber que ele sozinho contém mais espécies do que todos os rios da Europa juntos. O conhecimento da vasta – e ainda pouco estudada – biodiversidade local não escapa às crianças que aí vivem: “No rio Xingu nós temos muitos peixes como: o pirarara, o tucunaré, o caratinga, a bicuda, a cachorra, o piau, a matrixã, o tambaqui, o curimatã, muitas arraias de fogo, o pirarucu e também o pacu-folha, o pacu e o tracajá”. A biodiversidade “cultivada” pelos povos que aí vivem também é por elas destacada: “nós plantamos a cana, o cupuaçu, a graviola, a manga, o abacaxi e muitas verduras e frutas. Na roça, que depende das águas do rio, as pessoas vivem muito bem com seu cultivo, o cacau, o arroz, o feijão, o milho, a banana, o açaí, a melancia, o tomate e a laranja também”. As crianças assinalam, ainda, a diversidade de espécies animais do Xingu: “Na fauna são bonitos os animais como a arara, o macaco e o periquito, os pássaros voando na água e os peixes pulando de um lado para o outro. E lembrando das caças: o veado, a paca, a cutia, o porcão do mato e a onça, que devem ser preservados.”

Os usos do rio para transporte e lazer – que seriam inviabilizados no caso da construção da barragem e da usina – são também lembrados. Num jogo de palavras perspicaz, o menino Marcos, de 12 anos, nos revela que “no rio Xingu há muitos aproveitamentos”, enquanto o Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte suporia a imposição de um único uso do rio, incompatível com os demais: “nele eu tomo banho, pesco, lavo roupa, vou às praias, cachoeiras e ando de barco. Nós podemos viver da pesca e ir à praia domingo comer peixe assado, o nosso grande e famoso cari”.

A reação virulenta do governo brasileiro à pertinente decisão da OEA de solicitar a imediata suspensão do licenciamento de Belo Monte, pelo fato das Oitivas Indígenas não terem sido cumpridas, indica uma opção política clara por um desenvolvimentismo predatório, ao custo da supressão da viabilidade dos modos de vida dos povos do Xingu. Ora, o governo não fez oitivas porque, se as fizesse, os indígenas simplesmente não aceitariam a construção da usina. Qual grupo consentiria assinar de bom grado sua sentença de morte? Quem aceitaria deixar de lado um modo de vida autônomo para tornar-se objeto de “medidas mitigatórias” oferecidas por grandes empreiteiras que não conseguem sequer garantir condições dignas de trabalho em um canteiro de obras – vide o caso da Usina de Jirau, em Rondônia? Afirma o indígena José Carlos Arara: “Não queremos ser parasitas dos outros. Não aceitamos medidas mitigatórias. Queremos continuar a plantar e pescar e manter nossa vida como ela é hoje”.

A desestruturação do rio é indissociável da desestruturação de modos de vida. As sociedades indígenas e ribeirinhas não dependem do rio apenas para sua subsistência – o que em si já seria muito – mas a própria constituição de pessoas nesses coletivos se faz a partir de uma relação completamente integrada às dinâmicas do rio. Como afirma Watatakalu Yawalapiti: “O índio vive do beiju e do peixe. A minha comunidade não consegue viver sem o peixe. E o rio Xingu é o que dá o peixe pra gente. Se morrer o Xingu, a gente morre junto, porque o rio é tudo para nós” (3). Ou ainda, a fala indignada de Tuíra Kayapó em audiência pública no Senado Federal em dezembro de 2009: “o rio Xingu é meu pai, o rio Xingu é minha mãe. Vocês dizem na minha frente que vão matar o meu pai, que vão matar a minha mãe”.

No Relatório de Impacto Ambiental, as empresas propõem compensar com dinheiro o que não tem preço, através de um “Projeto de Reparação”, que “deverá reconhecer as perdas não-materiais sofridas pelas pessoas atingidas, ligadas à cultura e ao sentimento das pessoas com a região a ser afetada, recompensando materialmente e ajudando a recompor seu modo de vida” (RIMA Belo Monte, 2009, p.157).

As crianças do Xingu apresentam um quadro lúcido das perdas incomensuráveis que Belo Monte causaria: “Se a barragem sair, nós vamos perder casas, morrem os animais que criamos, não vai ser possível pescar bem, andar de barco, nem de canoa. Podem acontecer muitas desgraças para os animais e os pássaros. Os peixes não vão mais reproduzir se o rio não encher. Os animais que gostam de beber e se banhar nessas águas do rio com tanta vontade vão ficar muito tristes, porque não vai ter mais estas águas, só secura imensa. A dinâmica da proliferação de doenças como a malária é por elas evidenciada: “Se o rio secar, vem muita praga de mosquito carapanã, vão trazer muitas doenças e não vai dar para nossa comunidade se deslocar para outro lugar.”

Numa região em que o rio é o principal meio de transporte, muitas crianças perderão o direito de estudar, já que não terão meios de acessar a escola: “se o rio secar eu não vou poder vir estudar aqui na Ressaca”. Os moradores ribeirinhos – muitos dos quais descendentes de imigrantes nordestinos – perderiam seu pedaço de terra arduamente conquistado: “Se a barragem sair, muitos moradores não terão indenização, porque não têm documentos de casas e terrenos”.

Por fim, as crianças traçam o quadro de desalento e miséria que seria trazido pela construção da barragem e lançam à sociedade um apelo à resistência: “Algumas pessoas que sobrevivem da pesca não vão ter como pescar, porque exatamente o rio vai secar todo para as pessoas da Volta Grande, enquanto que para as pessoas de Altamira o rio vai aumentar e as casas vão se alagar. Com a construção da barragem, o peixe irá faltar, a fome chegará, as pessoas não terão de onde tirar o que comer. Não vamos ter condição de fazer casas para nós morarmos, nem condição para comprar roupa, móveis, nós vamos perder muita coisa aqui dentro. Nós temos que impedir essa barragem de sair”.

Como se vê, as crianças e populações indígenas do Xingu têm muito a nos ensinar. Eles nos mostram, por um lado, que um outro modelo de produção e consumo – sustentável e democrático – já existe Brasil adentro. Este modelo, ou melhor, essas saídas sempre criativas e combativas dos que escapam à mercantilização do seu território e modo de vida vêm sendo arduamente defendidas pelos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e pescadores do rio Xingu. Esses grupos sociais – que alguns já chamaram de “entraves ao desenvolvimento” – são os poucos ainda capazes de traçar linhas de fuga em relação ao modelo de produção e consumo hegemônico e apontar saídas para os impasses societais que vivemos. As soluções que propõem não envolvem, porém, grandes empreiteiras, empréstimos vultuosos de bancos públicos, construções faraônicas e predação de pessoas. 

São mais simples e eficientes. Suprem necessidades e vontades e garantem autonomias. Desconfiam do tal “desenvolvimento”.

Os povos do Xingu nos mostram, enfim, que um outro mundo já está sendo possível há muito tempo, nós é que pouca atenção prestamos a ele...
Fonte: O Globo

Cecília Campello do Amaral Mello é antropóloga
NOTAS:
(1): A Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente/Plataforma DHESCA realizou uma missão para apurar denúncias de violações de direitos humanos durante o processo de licenciamento de Belo Monte. Com apoio do Movimento Xingu Vivo para Sempre, da FASE Amazônia, FAOR e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, realizou-se uma oficina de produção de textos com as crianças da Escola Municipal Luiz Rebello, Vila da Ressaca, município de Senador José Porfírio. As citações são transcrições literais de trechos de 20 redações escritas por crianças entre 7 e 14 anos da escola.Agradecemos a todos da escola pelo apoio.
(2): Brandão, Carlos. “Acumulação primitiva permanente e desenvolvimento capitalista no Brasil contemporâneo”. In:Almeida et al. “Capitalismo globalizado e recursos territoriais” (Editora Lamparina, 2010, pp. 39-69).
(3): Depoimento retirado do documentário “Povos do Xingu contra a construção de Belo Monte”, do Greenpeace, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=ZmOozYXozb8.

A suspensão de Belo Monte


A novela da Hidrelétrica Belo Monte, que se iniciou há mais de trinta anos, nos surpreendeu recentemente com mais um capítulo: a Organização dos Estados Americanos (OEA), através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, solicitou ao governo brasileiro a paralisação da obra. É uma história antiga, que agora tem novos personagens. Quem não se lembra da índia Tuíra, em 1989, esfregando um facão no rosto do então diretor de engenharia da Eletronorte em protesto contra o projeto da usina, à época denominada Kararaô?

Hoje o nome foi mudado para Belo Monte, afinal era mesmo afrontoso dar um nome indígena para uma usina que vai agredir um rio sagrado para os xinguanos. Juntamente com o nome mudaram-se os planos, mas o projeto continuou colossal e tornou-se a estrela do PAC, portanto uma prioridade do atual governo. Trata-se da mais cara obra já construída no Brasil (a terceira maior hidrelétrica do mundo), com capacidade de 11.233 MW, orçada em 30 bilhões e inundando uma área de 51.600[1] hectares de floresta. Um detalhe: a capacidade de geração de energia, no período da seca, é muito abaixo da média das hidrelétricas brasileiras.

Recorrendo a decisões do presidente do TRF-1ª Região, que suspendeu todas as liminares concedidas contra a obra, o governo vinha conseguindo fôlego para tocar a obra "a qualquer custo", usando argumentos falaciosos e sem comprovação, como a tese de que se trata de "empreendimento estratégico para o Sistema Energético Nacional, sob risco de colapso". Segundo o Procurador da República Felício Pontes Jr: "à medida que o tempo passa, mais estudos demonstram que essa obra não se sustenta nem mesmo do ponto de vista econômico". 

Ainda, segundo Pontes Jr, "os estudos demonstram que não há água suficiente para gerar energia naquela que, se um dia sair do papel, será a obra mais cara do Brasil", e o que é pior, representaria uma grave violação aos direitos das comunidades indígenas e desrespeito à legislação ambiental.

Não cabe aqui elencar as inúmeras falhas e irregularidades de cunho técnico apontadas no projeto, mas é público e notório que as licenças foram emitidas contrariando pareceres das equipes técnicas do Ibama e da Funai[2] e possuem um rol de condicionantes que ainda não foi atendido. Mas, o mais grave é que a pressa do governo em executar um projeto tão caro, cheio de falhas e pendências, esteja levando à quebra do devido procedimento legal, criando precedentes perigosos que enfraquecem as instituições e atingem o cerne da democracia.

A questão agora é internacional. A notificação da Comissão Interamericana da OEA solicita ao governo brasileiro a suspensão das obras e realização de consulta prévia, informada e culturalmente adequada com as comunidades indígenas. Assegurando a estes o acesso aos estudos de impacto em idioma indígena e a adoção de medidas vigorosas para proteger os índios isolados da região. A OEA está correta. Os indígenas não foram adequadamente consultados e nem estão protegidos frente a uma obra que terá grandes impactos ambientais e sobre as comunidades que dependem do rio Xingu.

Caso não acate essa decisão, o Brasil poderá sofrer uma condenação pela Corte Internacional, por violar direitos humanos de populações indígenas, o que prejudica a imagem do país internacionalmente e demonstra a fragilidade de nossa democracia, adiando, mais uma vez, o sonho de integrar o Conselho de Segurança da ONU.

Parabéns ao Ministério Público, que tem agido de forma destemida, cumprindo com eficiência sua função institucional e à sociedade civil e comunidades indígenas que buscaram na Corte Internacional um direito assegurado na Constituição Brasileira e na Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Do Judiciário, a sociedade espera que atue com independência sem permitir que se crie uma situação de fato consumado, onde a legislação e as instituições sejam atropeladas com um megaprojeto que sequer teve seus impactos e viabilidade econômica ponderados apropriadamente.

Carlos Teodoro Irigaray é professor de Direito Ambiental da UFMT e procurador do Estado de Mato Grosso


[1] A área correta a ser inundada é 659.000 ha. Nota deste Blog
[2] Na verdade a Funai deu seu aval para Belo Monte. Nota deste Blog

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Belo Monte, OEA e MPF


Comissão Interamericana de Direitos Humanos concede mais oito dias para que governo brasileiro se manifeste sobre medida cautelar que solicita suspensão do processo de licenciamento da usina em função de violações dos direitos indígenas

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) informou nesta terça (19) que o governo brasileiro solicitou mais tempo e terá até o dia 26 de abril para responder à medida cautelar que solicita a paralisação do projeto de Belo Monte até que sejam feitas as oitivas indígenas previstas na Constituição Brasileira e na Convenção Americana dos Direitos Humanos e Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das quais o país é signatário. Leia mais...


Recomendação foi enviada ontem à Norte Energia e à E-labore, acusadas de pressionar e coagir as famílias a assinarem documentos permitindo o ingresso de técnicos em suas terras

O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Pará enviaram recomendação ontem à Norte Energia e à E-labore para que respeitem o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio de agricultores e ribeirinhos da região de Belo Monte. As famílias vem denunciando repetidas vezes que sofrem pressão e coação por parte de funcionários dessas empresas para assinar documentos autorizando a entrada de técnicos em suas terras. Leia mais...

Semana do índio, novamente?

Por Edilberto Sena*

Que coisa mais fora de moda!  Como se Munduruku, Kaiapó, Xavante  e outros povos só tivessem uma semana para serem lembrados; quando os  Guarani do Mato Grosso do Sul nem mais terras possuem; como se os Arara e Juruna não estivessem ameaçados de serem expulsos do rio Xingu, por causa de Belo Monte. Por que só uma semana do índio?

O governo brasileiro os vê como obstáculos ao crescimento econômico do país. Chega até a blefar, acusado de violação dos direitos humanos pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Grileiros e exploradores de riquezas da floresta os vêem como inimigos a serem eliminados. Já professore(a)s de escolas do ensino fundamental, alienada(o)s gostam de pintar suas crianças de vermelho, vestindo-as com tangas e cocares no dia do índio.

Se alguém chegar a um filho da floresta e perguntar e perguntar quem ele é, certamente dirá que é Macuxi, Yanomami, ou Tirió. Não dirá que é brasileiro, ou que é índio. Também dirá que seus antepassados já viviam nas suas terras, desde antes da chegada do invasor estrangeiro. Mas a sociedade brasileira só recentemente passou a admitir os direitos aos povos nativos.

Só em 2007 o governo federal homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol de modo contínuo, depois de longa luta em Roraima. Assim mesmo, com grandes críticas de invasores do agronegócio, de militares e  políticos. Enquanto os povos Guarani do Mato Grosso do Sul até hoje vivem aprisionados em quarteirões, pois suas terras foram invadidas por fazendeiros e apoiadas pelos políticos. Ainda hoje há brasileiros que matam nativos para abocanhar ouro, esmeraldas e outras riquezas de suas terras.

Os povos da floresta não querem hidrelétricas, nem querem exploração de minérios. Eles querem o bem viver com a natureza, em paz. Os povos nativos não necessitam de uma semana do índio, mas de respeito diário a seus direitos. Não querem ser espetáculo exótico para os outros olharem com ar de quem vai ao zoológico.

*Padre Edilberto Sena, 68 anos, coordenador da Rádio Rural AM de Santarém, Pará

terça-feira, 19 de abril de 2011

Indígenas em isolamento voluntário: Heróis da sobrevivência ocultos na floresta

Imagem: Globo Amazônia
Para quem, como eu, vive escrevendo sobre as violações dos direitos indígenas, hoje não é um dia especial. É mais um em que tenho que lembrar à sociedade que esses direitos continuam sendo violados desde a descoberta do Brasil pelos portugueses. Seja pelo desrespeito à cultura e tradição dos povos, seja pela falta de consulta para interferir em suas terras, ou ainda pela ignorância daqueles que desconhecem como os indígenas sobrevivem, como pensam o planeta e como encaram o mundo dos não índios.  

Telma Monteiro

Não resta dúvida que o projeto da hidrelétrica Belo Monte conseguiu colocar na pauta das redes sociais a questão indígena. Nas últimas semanas a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, mais explicitamente, se encarregou disso. A mensagem direta é inequívoca: o governo brasileiro está violando os direitos humanos.
O objetivo deste texto hoje é fazer um alerta. Nas matas equatoriais estão escondidas pequenas comunidades indígenas que rechaçam qualquer contato com a sociedade moderna. Eles são voluntariamente isolados como estratégia para sua sobrevivência. Apesar da expansão das economias modernas, da cultura globalizada, esses povos resistem contrariando muitos interesses poderosos. Eles são o símbolo dessa resistência.
Não há extração madeireira ou construção de obras de infra-estrutura que possa derrubar esses povos em isolamento voluntário. Todos os países da bacia amazônica escondem esses heróis que em pleno século XXI conseguem vencer seus algozes. Os governos desses países são fracos e omissos no trabalho de proteção desses grupos isolados. Contra todos os prognósticos e apesar de sua destruição ritmada desde o final do século XIX, eles sobreviveram às alterações sociais, políticas e econômicas.
A Convenção 169 da OIT ajudou muito, apesar das particularidades que cada povo enfrenta nos diferentes países que partilham os rios da Amazônia. A busca de proteção e de conhecimentos sobre os povos isolados, no entanto, deixa uma lacuna sobre alguns de seus hábitats, a sua vulnerabilidade e a sua fragilidade. As garantias oferecidas para sua sobrevivência são tão tênues que a proteção está seriamente comprometida.
No âmbito internacional algumas ações de proteção foram desenvolvidas, mas que pouco refletem nas políticas efetivas locais sobre os povos em isolamento voluntário. Os avanços são tímidos e a sensibilização é lenta. Em seguida alguns dados que colocam os isolados num patamar de heróis da sobrevivência.
Peru
No Peru, por exemplo, há povos isolados e aqueles em contato inicial que têm a vida e a saúde ameaçadas por epidemias. Esses grupos estão sempre próximos aos rios e  vulneráveis à presença de turistas, aventureiros e madeireiros. O megaprojeto de Camisea envolve a extração, o transporte e a distribuição de gás natural para consumo interno e exportação e é mortífero para os isolados.
Equador
Os povos indígenas em isolamento voluntário na Amazônia equatoriana estão em lugares mais remotos e praticamente inacessíveis e conseguiram ficar esquecidos na floresta. O estado equatoriano não tem nenhuma lei que os defenda e são considerados legalmente inexistentes. Os Tagaeri, Taromenani e Huarani são os heróis ocultos na floresta do Equador. Concessão de recursos naturais como petróleo é a grande ameaça.
Colômbia
Os Nukak, cerca de 240 indivíduos, perambulavam por uma reserva indígena de 10.000 km² na selva colombiana. Eles não tiveram tanta sorte e atualmente estão numa situação extrema de fragiliade demográfica e expostos a abuso sexual. Entre as maiores ameaças à sua sobrevivência estão as invasões, os conflitos com as FARC, a exploração petroleira e a construção de rodovias. Esses heróis estão na iminência de desaparecer.
Venezuela
Quase não existem mais povos isolados na Venezuela. Os que ainda resistem são considerados como "contato tardio" ou contato permanente recente. Os Jodi e os Yanomami no território venezuelano são os mais próximos dos isolados. Nesse caso, eles sucumbiram à modernidade.
Paraguai
O povo isolado Ayoreo que está no norte do Chaco paraguaio não teve contato com a sociedade moderna e se recusa a ter. Os Ayoreo perambulam por cerca de 100.000 km² e o seu isolamento ainda está garantido. A constituição do Paraguai reconhece a existência dos indígenas em isolamento voluntário e os define como grupos de culturas anteriores à formação do Estado
Bolívia
Os grupos de indígenas isolados encontrados na Bolívia estão protegidos dentro de uma região chamada de Zona Intangível e de Proteção Integral de Reserva Absoluta. É no Parque Nacional e Área Natural de Manejo Integrado (PNANMI) Madidi que vive o povo isolado que se presume sejam os herdeiros dos Toromonas históricos. No total, a Bolívia tenta proteger cerca de 5.000 indígenas em isolamento voluntário.
Brasil
O Brasil tem 68 referências de indígenas em isolamento voluntário, 6 terras indígenas exclusivas e 4 com presença confirmada. A Funai é o órgão governamental encarregado de coordenar as ações de proteção dos isolados através da Coordenação Geral dos Índios Isolados (CGII).

A garantia de sobrevivência dos indígenas em isolamento voluntário é frágil aqui no Brasil. Os grupos sofrem os impactos causados por madeireiros, pelo agronegócio,  mineração, invasões e especulação de terras e, principalmente, por obras de infra-estrutura do PAC na Amazônia. As obras das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, em Rondônia,  e Belo Monte, no Pará, são hoje a mais terrível ameaça que os povos isolados podem sofrer. Junto com esses projetos vem o resto.

Belo Monte e o último ritual indígena

Chefe Munduruku
Foto Telma Monteiro
O Brasil corre o sério risco de se tornar réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da qual foi um dos mentores. Tudo por causa do desrespeito aos direitos dos povos indígenas do Xingu que serão impactados de forma drástica se a Usina de Belo Monte for construída. 


Felício Pontes Junior*


Nos últimos anos o governo tem tido um comportamento dúbio. Em um momento alega que os povos indígenas foram ouvidos. Em outro, alega que a usina não afetará povos indígenas. Ambos os argumentos são falsos. Explico.
A Funai, ao se defender da medida cautelar que Comissão Interamericana de Diretos Humanos impôs aos Brasil no mês passado, disse que nas audiências públicas do licenciamento ambiental encontravam-se mais de 200 indígenas.
A Funai tenta confundir os brancos. As audiências de licenciamento ambiental nada têm a ver com o instituto da oitiva das comunidades indígenas afetadas. Aquelas decorrem de qualquer processo de licenciamento ambiental de obras potencialmente poluidoras. Esta decorre do aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas. Aquelas são realizadas pelo órgão ambiental nos municípios afetados por uma obra. Esta, a oitiva, somente pelo Congresso Nacional (art. 231, §3º, da Constituição).
Até hoje o Congresso Nacional jamais promoveu a oitiva das comunidades indígenas do Xingu. O processo legislativo para esse fim tramitou em 2005. Sua duração foi de menos de 15 dias na Câmara e no Senado. Um dos projetos mais rápidos de nossa recente história republicana. No dia de sua aprovação final, uns senadores, em sessão, o qualificaram de “projeto-bala” e “the flash”. E nenhum indígena foi sequer ouvido.
Ou seja, o Congresso simplesmente ignorou a legislação nacional e internacional e inventou um processo sem ouvir os indígenas. Daí a devida preocupação da Organização dos Estados Americanos com o caso Belo Monte.
Se no século XVI a comunidade internacional via como “façanha” o extermínio de etnias por um governante, cinco séculos depois a opinião internacional é diametralmente oposta. A evolução da humanidade não mais aceita o desrespeito aos direitos indígenas.
Tão grave quanto a falta da oitiva dos indígenas pelo Congresso é o argumento do governo exposto ao contestar uma das ações promovidas pelo Ministério Público Federal. Diz que não é necessária a oitiva porque nenhuma terra indígena será inundada. É verdade. Na Volta Grande do Xingu não haverá inundação. Haverá quase seca, já que a maior parte do rio vai ser desviado, levando ao desaparecimento de 273 espécies de peixes nos 100 quilômetros que passam em frente às Terras Indígenas Paquiçamba e Arara do Maia.
Adoum Arara, em carta enviada à Eletronorte, pelo conhecimento da ciência do concreto, como dizia Lévi-Strauss, declarou: “Vai desaparecer o peixe, morrer muita caça, e a gente vai passar fome, não vamos ter todas as coisas que tem no rio e na mata”. E Mobu-Odo Arara arremata: “[V]ocês pensam que índio não é gente e que não tem valor? Mas nós somos gente e iguais a vocês brancos, temos o mesmo valor que vocês. Vocês podem governar na cidade de vocês, mas no rio, na nossa aldeia, não é vocês que governam. Tente respeitar o nosso direito e o que é nosso. Não queremos barragem. Não queremos Belo Monte.”
O momento é crítico para os povos indígenas do Xingu. Se a obra acontecer, este dia do índio marcará o último ritual para os povos da Volta Grande. Eles celebram hoje, em São Félix do Xingu, com seus parentes de outras etnias, a festa da vida.
Felicio Pontes Junior é procurador da República no Pará e mestre em Teoria do Estado e Direto Constitucional pela PUC-Rio. Fonte: Xingu Vivo

Ferrogrão – soja no coração da Amazônia

Estudo Preliminar 3 - Ferrogrão e a Soja na Amazônia                                                        Imagem: Brasil de Fato   ...