Obras da UHE Jirau, dezembro 2011 - Fotos de Minplanpac |
Telma Monteiro
Em 2001 teve início a saga "Complexo
Hidrelétrico do Madeira". Do projeto idealizado inicialmente pela
Construtora Norberto Odebrecht (CNO) constavam duas hidrelétricas, eclusas para
navegação e um grande sistema de transmissão para levar a energia ao Sudeste.
Furnas Centrais Elétricas foi convidada a participar do projeto, em 09 de
janeiro de 2003, depois de uma reunião dos representantes da Odebrecht com o
Ministério do Planejamento. O governo Lula, recém empossado, encampou o complexo
que passou a ser apresentado a autoridades, instituições e organizações do Brasil e dos países vizinhos.
Os estudos de inventário e os estudos de
viabilidade técnica e econômica foram feitos por Furnas e Odebrecht. A Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou e o Ibama foi o órgão licenciador
que emitiu a versão final do Termo de Referência, em setembro de 2004. Os
empreendimentos deveriam ser tratados como um complexo e os estudos ambientais
desenvolvidos de forma conjunta. Mais tarde, as eclusas foram excluídas e o
sistema de transmissão licenciado separadamente, a pedido de Furnas.
Os desenvolvedores optaram por escolher
as turbinas tipo bulbo para gerar energia, baseados no regime hidrológico do
rio Madeira. Segundo eles, essas turbinas serviriam em baixas quedas, mas com
uma vazão regular para que operasse sem restrições no rio Madeira.
Na época, Furnas e Odebrecht, defensores
das turbinas tipo bulbo, argumentarm que a tecnologia era plenamente dominada
pela indústria nacional. A usina de Tadami, no Japão, foi citada como
referência, pois as turbinas teriam as mesmas características de capacidade
individual, próxima a 70 MW.
As 44 (esse era o número no projeto
original) turbinas do tipo bulbo, nas dimensões previstas, para gerar energia na
UHE Santo Antônio e as outras 44 em Jirau, ainda, são inéditas no parque
gerador brasileiro e no mundo. Na usina de Tadami, no Japão, foi utilizada, em 1989, apenas uma única turbina, num rio plácido, de águas transparentes e com
características completamente diferentes de um rio amazônico e indomável como o rio Madeira.
Usina Tadami, Japão |
As outras experiências mundiais com
turbinas do tipo bulbo estão listadas no quadro abaixo:
Tabela que consta no Estudo de Viabilidade da UHE Santo Antônio |
Nenhuma delas, no entanto, atinge a vazão
unitária de 561 m³/s ou tem o diâmetro do rotor de 8,15 m como as turbinas
planejadas para as usinas do Madeira. Seria
inédito, um tiro no escuro e mesmo sem estudos conclusivos, três fabricantes
garantiram que funcionariam. Pelo menos
essa conclusão foi descrita no capítulo 14 dos estudos de viabilidade (2004) da
UHE Santo Antônio.
O Grupo Industrial do Complexo RioMadeira (GICOM), responsável pelo fornecimento de equipamentos eletromecânicos
para a obra, tem 32,3% do Consórcio Construtor Santo Antônio (CCSA). O
Gicom é formado pelas empresas Alstom, Andritz, Areva, Bardella, Siemens e
Voith.
O
teste da turbina que não deu certo
Tudo estava preparado, em dezembro de
2011, para o teste de performance da
primeira turbina tibo bulbo da UHE Santo Antônio. Conta-se que a presidente
Dilma Rousseff e o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, estariam presentes
para a inauguração da unidade geradora bulbo.
Alguma coisa, porém, não deu certo. Já na terceira tentativa o funcionamento ou
teste acabou ficando para janeiro de 2012. Também não deu certo. Informações
dadas pelos responsáveis atribuiram a um defeito do mancal (suporte da
turbina) que empenou e não deu conta do recado. Muito estranho, pois com um time de primeira
linha como o grupo Alstom, Andritz, Areva, Bardella, Siemens e Voith, dificilmente
se esperaria problemas técnicos. Mas c'est
la vie!
O teste foi então transferido para março
de 2012, e até hoje (27) nada foi definido. Outras informações, não oficiais, vindas do
canteiro de obras, atribuem os problemas à vazão do rio Madeira e aos
sedimentos que teriam danificado o rotor.
O Consórcio
Construtor Santo Antônio certamente vai resolver os problemas que possam afetar
o funcionamento da usina. A sociedade espera ansiosa, pois o custo social e
ambiental decorrente das obras já está muito além daquilo que foi prometido ou
licenciado no governo Lula. E Dilma acabou de assinar uma MP, alterando limites
de Unidades de Conservação em Rondônia, para acomodar o reservatório da UHE Santo Antônio.
No final de 2006, a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) contratou a consultoria de Sultan Alam (International
Hidropower Association) um especialista internacional em sedimentos. Em seu relatório (página 46) ele deixou a
seguinte observação:
"Em
um Projeto Hidrológico de Queda Baixa [hidrelétrica Santo Antônio, no rio
Madeira], a malha de ar arrastado entra diretamente na câmara do rotor [da
turbina] causando violenta flutuação
de pressão resultando em grave vibração das turbinas e das estruturas da usina.
Por isso, é recomendado que modificações estruturais adequadas que eliminariam
ou atenuariam essa formação de turbilhões sejam desenvolvidas usando um modelo
físico em 3D adequado." (grifo TM)
A
destruição das margens do rio Madeira
No início de 2012 ficou evidente que havia algo
muito errado com as obras da usina de Santo Antônio. A abertura
das comportas criou um aumento da força das águas contra as margens do rio
Madeira. O desbarrancamento acelerado da margem direita, que recebe diretamente
a força das águas que passam pelos vertedouros, destruiu moradias e desalojou dezenas de ribeirinhos. Um vídeo mostrou a formação
de ondas provocadas pela força das águas na passagem pelas comportas.
No início, os representantes do Consórcio
Construtor Santo Antônio (CCSA) - Odebrecht Engenharia e Construção (líder); Consórcio
Santo Antônio Civil (CSAC), formado pelas Construtoras Norberto Odebrecht e
Andrade Gutierrez; e Grupo Industrial do Complexo Rio Madeira (Gicom) – tentaram
se eximir da culpa. Depois iniciaram um trabalho de proteção das margens, com
pedras, para evitar o progresso da erosão.
A Justiça, provocada por
ações dos ministérios públicos de Rondônia, obrigou o consórcio a fazer as
mudanças e hospedar em hotéis os desalojados do bairro Triângulo, o mais
atingido. O problema continua sem solução e pode ter sido causado por
alterações no projeto construtivo.
Quando o especialista
internacional Sultan Alam foi contratado pela Aneel para acabar com as dúvidas sobre
a vida útil e o assoreamento dos reservatórios das usinas, ele fez algumas
considerações sobre o projeto da UHE Santo Antônio. Recomendou e desenhou um arranjo
melhor das estruturas, que está em seu relatório, que pouparia
recursos e problemas futuros a jusante.
O projeto de engenharia da UHE Santo
Antônio parece confuso. Há três versões diferentes do desenho das estruturas da barragem e
a que está sendo construída pode ser responsável pelos impactos de destruição
da margem direita do rio Madeira.
Profissionais da área, que não quiseram
ser identificados, apostam que o problema é do atrito dos sedimentos e vibração nas
turbinas. Também sugeriram que a
alteração na posição do eixo do barramento se deu para que mais turbinas pudessem ser adicionadas.
Imagem Google earth |
Agora as hidrelétricas Santo Antônio e
Jirau estão, mais uma vez, paralisadas pela greve de trabalhadores. As greves,
violência e destruição têm sido uma rotina nas hidrelétricas em construção no
rio Madeira.
Os impactos socioambientais se acumulam
nas Hidrelétricas Malditas.