sábado, 23 de maio de 2020

O Inferno de Dante – a reunião

https://pt.wikipedia.org/wiki/Inferno_(Divina_Com%C3%A9dia)

“há três aspectos das coisas que devem ser evitados nos modos: a malícia, a incontinência e a bestialidade." (...)A justiça divina retratada no livro ["Divina Comédia" de Dante Alighieri] é cabal, racional e definitiva, o que torna o inferno dantesco uma espécie de "caos impiedosamente ordenado"
Por Telma Monteiro

Todo mundo está comentando a reunião ministerial do Bolsonaro, de 22 de abril de 2020. Meu estômago estava meio fraco. Só assisti a uma parte e foi suficiente para pensar sobre o que nos levou a produzir tanto lixo humano no Brasil. Lixo que governa o país e que eu não entendo de onde saiu. Saiu? Não, foi excretado, por sabe-se lá qual sina a que estamos destinados.

Está na hora de pensar, mesmo em meio à pandemia, como vamos fazer para nos livrar desse lixo em tempo de salvar vidas ameaçadas pela pandemia da Covi-19, entre outras coisas. Estive horas nas redes sociais e o que me surpreendeu mesmo foi que todos escreviam as mesmas coisas, comentários semelhantes que apenas diferiam no vocabulário, nos qualificativos, nas expressões de horror. Horror? Que horror? Pois já não vínhamos assistindo, todos os dias, as destrambelhadas falas do presidente do Brasil diante do palácio, para sua claque bem adestrada?

É evidente que com as redes sociais nos tornamos preguiçosos, pois nos limitamos a escrever nossas impressões, nossas interpretações, nossos qualificativos sobre este ou aquele verme, neste caso específico, presente à reunião ministerial. Assim como temos feito ao longo desses últimos 17 meses, desde que Bolsonaro assumiu. Não foram poucas as oportunidades de nos sentirmos incomodados, agredidos, pudicamente ofendidos por escatológicas palavras de presidente ou ministros. 

Escatológica foi também, como classifico, a atuação de gente como Moro, Regina Duarte, Mandetta, Weintraub, Guedes, Damares, Ricardo Salles et caterva. E Mourão, com seu risinho cínico e olhar perscrutador ladino. Eu sei o que você pensa, Mourão, pois está estampado no seu modo de agir.
Mas, vejamos, onde nos levará, afinal, assistir e comentar tudo o que se passou na reunião? Celso de Mello, assistiu e se disse chocado (foi o que li em algumas mídias) com a natureza daquilo que foi dito e explicitado ou escondido nas entrelinhas das falas daqueles que precisei ter estômago para ouvir e ver algumas partes apenas. Mas o vídeo o chocou com o quê, exatamente? Afinal ele, Celso de Mello, é parte de um dos poderes, e transita em Brasília, deve ouvir seus assessores, colegas, família, amigos, infiltrados, funcionários e, tenho certeza, que não havia quem não soubesse tudo o que fora dito na tal da reunião. Era público desde que aconteceu.

O pouco que assisti deu para observar o séquito de servidores de bandeja nas mãos servindo o convescote, com água, café, petiscos ou docinhos, sei lá. Ora, eles não têm ouvidos? Ou não entendem o português o suficiente para perceber que um bando de urubus estava ali para comer a carniça do povo brasileiro que está morrendo ao poucos, todos os dias, graças à falta de estratégias para amenizar o resultado da pandemia. Então, não há como não ter ideia daquilo que ocorreu numa reunião que mobilizou toda a mídia nacional em busca de um grande escândalo ou crime declarao para chutar de vez essa corja da presidência da república. Mas o balão furou, era só ar, e presenciou-se uma cusparada de palavrões e chavões que todos nós já conhecíamos desde que Bolsonaro assumiu em terreno fértil deixado por Temer e antes dele por Lula, e Dilma, e FHC.

Ricardo Salles foi apenas Ricardo Salles, um verme sempre à espreita da excrescência das leis ambientais não cumpridas. Há algum tempo ele estava sumido, obscurecido pelo chefe que se encarregava de despistar e improvisar besteiras para que essa mídia incompetente e ávida desse espaço para suas aberrações. Salles é outro predador nos escaninhos do poder de Brasília, assim como Waintraub, ou Guedes, ou Damares. Todos escondidos atrás da grande “moita” cultivada por Bolsonaro.

Que ninguém se engane, aquilo que viram foi apenas a cortina de fumaça, pois o fogo está nos recônditos, com presença de generais de pijama transitando pelos palácios e pela praça dos Três Poderes onde se organiza algo muito maior, acobertado por um bando de ministros pusilânimes que estrearam no poder dito “pós corrupção”. Sim, uma das poucas coisas que meu estômago pode depreender de da tal reunião, foi ouvir da boca de Bolsonaro que lá não havia corrupção. Só não caí na gargalhada porque estava com náuseas. O que era aquilo tudo senão os mais altos degraus de um ambiente corrupto? Desviar dinheiro da Petrobras não é a única forma de corrupção que se conhece. Ou vamos chamar como, a fala do Guedes sobre ajudar as grandes empresas e deixar à míngua as pequenas para que morram seus CNPJs. Enterrar milhares de brasileiros mortos por falta de respiradores, UTIs, hospitais, seria exatamente o quê? Não seria corrupção o que impediu que os recursos estivessem disponíveis para salvar vidas, equipar hospitais, remunerar os profissionais da saúde? Querem mais corrupção? E o todo o dinheiro que deveria ter sido destinado para aqueles que perderam o emprego, os chamados autônomos, os empreendedores individuais, os moradores de rua? Dificultar o acesso a esses recursos então, não é corrupção?

Vender a “bosta” do Banco do Brasil, como vociferou Guedes, aos ansiosos banqueiros que fazem fila para pegar sua fatia no butim, é o quê? Não é uma forma de corrupção? Vender empresas estatais para ficarmos nas mãos de empresas privadas e sujeitos a depender delas e seus preços “de mercado” é o quê? Não devemos chamar de corrupção esse resultado que vai favorecer aqueles que querem se locupletar com os ganhos privados e deixar livre para os políticos, os recursos dos impostos pagos pelos brasileiros?

E quanto a Moro? Dezesseis meses no governo e só agora percebeu que aquilo não era ambiente saudável para ele? Assistiu reuniões com ministros, presidente, generais, aliviou um monte para a familícia e só agora se deu conta que precisava denunciar algo? Uma porcaria de reunião onde se ouviu palavrões, ameaças ao STF, ao meio ambiente, aos governadores. Só agora, Moro? E o resto do tempo, todos eram santos impolutos? Não houve corrupção nesse tempo em que as investigações no Rio de Janeiro davam conta de que havia um Queiroz sumido, dois assassinatos, de Marielle e de Anderson, com as investigações em banho-maria, em que não se sabe até agora os mandantes? Isso não se chama corrupção?

E quanto aos vazamentos de óleo no litoral brasileiro? Milhões de galões que enegreceram nossas praias, causaram prejuízos às comunidades, sem que todo o aparato da marinha detectasse, sequer, de onde e como. Isso foi impedido por incompetência, desleixo ou corrupção? Ricardo Salles esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente por todos esses meses, 17 para ser mais preciso, quando se deram os incêndios na Amazônia e no Pantanal, sem que ninguém tenha sido responsabilizado, preso ou ao menos acusado. Que nome dar a isso senão corrupção? E o Ibama e a ordem dada ao Ministério do Meio Ambiente para não destruir os equipamentos dos garimpos ilegais em terras indígenas? Como denominamos isso? No meu conceito e no de muita gente se chama corrupção. E o INPE e Ricardo Galvão colocado na rua como se fosse um ninguém só porque expôs os dados legítimos do aumento do desmatamento na Amazônia. E no lugar dele colocaram um astronautinha fajuto que nem sabe somar direito. Como chamamos isso, também, senão corrupção?

Mas ainda não terminei. Falta falar da Vale, de Mariana e Brumadinho, que estão em segundo plano, encobertos pelas demais desgraças, e todos acabaram esquecendo que as vítimas não receberam aquilo que lhes cabia e que sob a égide de contribuições miseráveis a algumas “obras” do governo. Uma Vale execrada pelo mundo inteiro se esquiva das suas responsabilidades e o governo endossa. Como chamar a isso senão corrupção? E as consequências para o meio ambiente de todos esses desastres que deveriam ter recebido o apoio e a exigência de governo, esse de Bolsonaro, “sem corrupção” e demais instituições ditas democráticas que nem se manifestaram e, quando o fizeram, foi para “inglês ver” e sem qualquer consequência para os responsáveis. Como chamar isso também, senão corrupção?

E quanto ao Fundo Amazônia e os mais de 2 bilhões de Reais que estão no Banco do Brasil sob a égide do BNDES? Que ninguém mais menciona, e o governo finge não existir, bem como o Ministério do Meio Ambiente e seu corrupto Ricardo Salles, que quer se aproveitar da exposição das mortes com a Covid-19 para implementar leis frouxas e facilitar a destruição de biomas brasileiros e beneficiar, entre outros, o agronegócio. Como chamarmos tudo isso, senão corrupção?

Então, Bolsonaro, não me venha com essa conversa de que no seu governo não tem corrupção. Tem sim, e não que você tenha o privilégio de ser o primeiro. É sim a continuação de um longo período, desde da descoberta do Brasil, em que corrupção sempre foi a palavra que define o estrago que tomou conta da vida e dos prejuízos para a evolução do povo brasileiro até descambar no pior dos males representados pelo seu governo. Além da corrupção, a incompetência, o cinismo e o desrespeito com o povo e as instituições democráticas. E por falar nisso, o Congresso tem contribuído, se mostrado um dos maiores defensores do autoritarismo que está por vir, implementado na calada da noite, pois continua omisso e conivente como sempre foi. Só que agora é pior, negocia a liberdade de seus eleitores. Encobre sob um manto de sangue a destruição da sociedade brasileira e do seu povo. 

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Corona Crônicas - Liberdade e tirania




Por Telma Monteiro

“(...) a liberdade de expressão, da imprensa, de opinião, de escolhas políticas, não se põe em risco, mas se protege em quaisquer circunstâncias acima de tudo e acima de todos.” (Telma Monteiro)

Esse vazio ético que permeia a sociedade brasileira atual é acachapante. Estamos a caminho de um precipício de onde não poderemos sair tão cedo. Nas mãos de um governo pautado por desgovernos e a mercê de um banho de sangue, somos absolutamente dispensáveis. Quando digo nós, me refiro aos que pensam, que se importam com a ciência, com a cultura, com a população desassistida das periferias, com os moradores de rua, com os povos originários que estão a caminho da extinção, com a importância de fazer isolamento em época de acirramento da pandemia de Coronavírus, com a vergonha de ainda não sabermos quem são os mandantes do assassinato da Marielle e Anderson, com o desmatamento da Amazônia, incêndios no Pantanal, com o garimpo ilegal avançando em terras indígenas e levando a Covid-19 aos rincões que não têm ajuda médica ou humanitária; os fascistas esfregam na nossa cara, todos os dias, os símbolos do nosso país como se fossem um troféu que eles conquistaram
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Bolsonaro é um herói de uma corja que parece não ser deste mundo. Às vezes penso que essas pessoas que fazem carreatas com carros de luxo pedindo que vulneráveis voltem ao trabalho, a volta do AI-5 e da ditadura, além da destruição dos pilares da democracia, foram abduzidos por alienígenas e devolvidos, em algum momento, depois de esvaziados seus cérebros.

Passamos décadas sem perceber as hordas de brasileiros que não aprenderam nas escolas a história e as lições básicas sobre Democracia, Constituição Federal, ditadura, tirania, ética, respeito às leis e ao legado de incontáveis heróis que um dia nos conduziram à liberdade. Ou se aprenderam, esqueceram. Eles, os seguidores fanáticos de Bolsonaro, não sabem o que significa liberdade e como muitas nações lutaram para obtê-la. Não houve quem os ensinasse que a liberdade de expressão, da imprensa, de opinião, de escolhas políticas, não se põe em risco, mas se protege em quaisquer circunstâncias acima de tudo e acima de todos. E que as instituições democráticas, que ousam querer derrubar, são os pilares que sustentam a liberdade. Essa liberdade que eles nem sabem que têm. Pois se não a tivessem não estariam nas ruas e nas redes sociais pedindo a volta da ditadura. 

A aqueles brasileiros que vomitam besteiras ininteligíveis nas redes sociais, escrevem faixas com dizeres desconexos nos protestos, que apitam e gritam diante de hospitais, que impedem o trânsito de socorro às vítimas, que agridem profissionais da saúde, pergunto: de qual penumbra subterrânea imunda vocês emergiram? Onde estavam escondidos até agora? Talvez não estivessem, apenas eram invisíveis para nós os que se preocupam. Foi quando estávamos tão envolvidos na luta contra as injustiças sociais, que jamais ganharíamos e não ganhamos, que esses entes emergentes encontraram a luz sem que percebêssemos, e se fortaleceram. Esquecemos que ao nos voltarmos para um lado, desguarnecendo a retaguarda, um monstro se formou. Como um furacão no meio do oceano que se alimenta de tudo que está a sua volta e percorre um longo caminho silente se preparando para destruir. Esse fenômeno é Bolsonaro e seus seguidores atraídos, gravitando em seu entorno.

Como se não bastasse o lado de fora, no lado de dentro rastejam ministros incompetentes em torno de um presidente que desconhece e avilta a liturgia do cargo, que ofende e que destrói a autoestima de todos que dele se aproximam. Pensar em um tirano me fez pesquisar a tirania ao longo da história. E todos, sem exceção, tinham uma característica comum e que Bolsonaro carrega com louvor: o poder de destruição e esfacelamento da autoestima da sociedade para enfraquecê-la. É esse enfraquecimento gradativo que vai nos destruir se nós não formarmos uma frente de combate. Com a Covid-19 é impossível irmos para as ruas e é isso que faz Bolsonaro mais letal.  A quadrilha do Planalto ganha tempo e mais adeptos, pois não encontram resistência. Todos temos testemunhado o acirramento de malignidade em pessoas cada vez mais apegadas ao falso mito. Ele, como um buraco negro no infinito, atrai seus iguais com discurso obsceno, sem hombridade e humanidade, desprezo pela ciência e rico em desdém pela sociedade. Esses seres consomem isso e vivem disso.

Ferrogrão – soja no coração da Amazônia

Estudo Preliminar 3 - Ferrogrão e a Soja na Amazônia                                                        Imagem: Brasil de Fato   ...