quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Belo monte de violências (VII)

Artigos de Felício Pontes Jr., procurador da República no Pará e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.

Organizada em nove textos, a série de artigos está sendo publicada semanalmente pelo Diário do Pará aos domingos, no caderno Brasil.

Em cada fase do processo de licenciamento de Belo Monte houve ilegalidades, mas nada se compara ao Estudo de Impacto Ambiental (Eia). Um pool de organizações não-governamentais, chamada Movimento Xingu Vivo para Sempre, criou o “Painel de Especialistas” com 39 cientistas de várias universidades brasileiras só para analisá-lo.

E apesar do pouco tempo que o Ibama concedeu, o Painel constatou desde a falta de estudos em determinadas áreas até erros grosseiros de dados que inviabilizam Belo Monte.

A etapa seguinte ao Eia era de audiências públicas. Nova infeliz surpresa. Apesar dos impactos de Belo Monte atingirem uma região vastíssima, são marcadas audiências apenas em três municípios atingidos (Altamira, Brasil Novo, Vitória do Xingu) e na capital, Belém. O MPF pede que pelo menos os 11 municípios afetados tenham audiências.

Recentemente se descobriu que os municípios escolhidos pelo Ibama foram exatamente os mesmos em que a Eletrobrás solicitou audiências. A decisão de se curvar aos empreendedores ignora as grandes distâncias e dificuldades de transporte dos atingidos: a população pobre do Xingu.

O pior ainda estava por vir. Numa clara tentativa de calar opositores, no dia 15/09/09, pouco antes da audiência de Belém começar, o Ibama a transferiu para um teatro com apenas 480 lugares, cerca de metade da capacidade do que havia sido previamente designado.

Como resultado, dezenas de pessoas, inclusive indígenas, foram impedidas de entrar ou tiveram a entrada dificultada pela Força Nacional. A farsa de participação popular no debate da maior obra do Brasil era evidente. Os integrantes do Ministério Público presentes tentaram negociar a mudança para um local maior, mas não houve acordo.

O MPF recebeu nos dias posteriores várias queixas e abaixo-assinados de pessoas que não conseguiram entrar na audiência pública, além de relatos de muitos professores universitários e pesquisadores que haviam levado turmas de alunos e foram também impedidos de entrar.

O que ninguém entendia era o porquê de tanta falta de transparência no trato da questão. O que Belo Monte tem que não pode ser debatido publicamente? Será que os cientistas têm razão e o custo de Belo Monte será próximo ao de Itaipu com uma geração de energia de menos de 1/3 desta? Seria verdade que apenas a troca das turbinas de 67 antigas hidrelétricas produzirá a energia equivalente a 2,5 Belos Montes, a um custo cinco vezes menor sem necessidade de nenhuma barragem? E que apenas a troca das longínquas linhas de transmissão produzirá a energia equivalente a dois Belos Montes? Será verdade que apenas 1,5% da toda a energia elétrica produzida no Brasil vem de fonte solar e eólica, enquanto que nos Estados Unidos esse percentual é de 11,37%?

Diante da falta de debate dessas questões, nova ação judicial é proposta. O MPF recebe o apoio do MP do Pará. Eles pedem audiências públicas nas localidades afetadas pela barragem; e reabertura do prazo, já que a íntegra do EIA só foi entregue 9 dias antes da realização da primeira audiência pública.

Conseguem liminar na Justiça Federal em 10/11/2009, que foi suspensa por decisão do TRF, um mês depois. O caso aguarda julgamento para que tudo volte às verdadeiras audiências públicas. 

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