quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Belo monte de violências (IV)

Artigos de Felício Pontes Jr., procurador da República no Pará e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.
Organizada em nove textos, a série de artigos está sendo publicada semanalmente pelo Diário do Pará aos domingos, no caderno Brasil.

No início de 2007 um fato inusitado surpreendeu o Ministério Público Federal – MPF. Os índios da Volta Grande do Xingu avisaram que o fluxo de voadeiras subindo e descendo o rio estava acima do normal. Disseram que “brancos”, portando máquinas fotográficas, filmadoras e outros equipamentos que não souberam identificar, paravam nas margens do rio, entravam pelos igarapés e recolhiam materiais do solo e da flora, sem pedir licença.
A suspeita era de que se tratava do início do Estudo de Impacto Ambiental (Eia) de Belo Monte. Até aí a coisa era previsível, embora parecesse muito rápido o processo de licitação para escolher quem faria esse estudo. Ainda estava presente a lembrança do que aconteceu em 2000, quando a Eletronorte gastou R$ 4,8 milhões em um EIA que não serviu para nada, pois o licenciamento estava se dando no órgão ambiental do Pará, e não no Ibama, como manda a lei.

Nesse novo Estudo, foi a vez da Eletrobras inventar inovações. Seus representantes foram chamados para uma reunião com procuradores da República em fevereiro de 2007. Informaram que  a Eletrobras fez uma “parceria” com três das maiores empreiteiras do país – Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez – para confeccionar o Eia.

Trocando em miúdos, tem-se o seguinte. “Parceria” significava contratação sem licitação, através de um “Acordo de Cooperação Técnica”. Para quê? Para fazer consultoria ambiental. Quem? As empreiteiras. Mas, essa é a área de atuação das empreiteiras? Fazer estudos ambientais?

A justificação do acordo era surreal: “exiguidade do prazo para a ultimação do Eia”; e porque as empresas possuíam “reconhecida e comprovada competência na mobilização, viabilização, condução e implantação de empreendimentos desse porte”. As justificativas são falsas. Primeiro, porque não existia prazo para o Eia. Segundo, a comprovada competência das empreiteiras jamais poderia ser em consultoria ambiental.

Foram além. Colocaram no papel que a escolha dessas empreiteiras seria “para possibilitar, no menor prazo possível, a realização do empreendimento”. Portanto, já partiram do pressuposto que obra seria realizada mesmo que o Eia constatasse a sua inviabilidade ambiental, social e até mesmo econômica, já que a usina vai ficar parada por algo em torno de quatro meses no ano em virtude da período de estiagem do Xingu.

O pior ainda estava por vir. O acordo tinha cláusula de confidencialidade. Ou seja, o resultado do Eia não poderia ser divulgado até a expedição da Licença Prévia, apesar de ser um acordo público e tratar de meio ambiente, assunto para o qual a publicidade é um dogma.

Marcelo Ribeiro, um dos procuradores da República do caso, resumiu a história: “é um cenário de absoluta irregularidade. Trata-se de uma dispensa de licitação ilegal, circundada por cláusulas estapafúrdias e contrárias ao interesse público, com informações privilegiadas a determinadas empresas em detrimento de concorrentes na eventual licitação da obra.”

Depois que fizeram o Eia, aliás, essas empreiteiras mostraram total desinteresse em se associar para fazer a obra. Interessante notar que, desde a retomada do projeto no ano 2000, o discurso do governo federal era no sentido de que a obra seria realizada e financiada pela iniciativa privada. Tudo mudou. Hoje o governo anuncia que fará a obra de qualquer jeito. Até com o BNDES financiando 80%, o que será motivo para mais questionamentos se a ameaça se concretizar.

Voltando ao acordo com as empreiteiras, o MPF entrou com Ação de Improbidade Administrativa. Conseguiu parar a execução. Em seguida, a decisão foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal em Brasília, onde o caso aguarda julgamento até hoje. 

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