Em entrevista, por email, à IHU On-Line, Widmer, que é coordenador do Programa Eco-Finanças da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, aborda o conteúdo da notificação que, por enquanto, só foi enviada ao BNDES. Os fundos de pensão e os Fundos de Investimento do FGTS receberão na próxima semana o mesmo documento. Widmer diz que “os riscos financeiros e socioambientais e os previsíveis impactos socioeconômicos negativos de Belo Monte apontam para um mau negócio”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como vai funcionar essa notificação aos financiadores ligados ao projeto de Belo Monte?
Roland Widmer – A meta das notificações feitas por mais de vinte organizações da sociedade civil de Altamira é alertar os financiadores sobre os riscos financeiros, jurídicos, socioambientais e riscos na reputação associados ao financiamento e investimento no aproveitamento hidrelétrico Belo Monte. As notificações explicam porque o projeto da Hidrelétrica de Belo Monte não está apto a ser financiado.
A notificação lembra que o agente que financia projetos e/ou atividades causadoras de lesões ao meio ambiente estará exercendo uma atividade de cooperação ou mesmo de co-autoria e deve responder, então, pela degradação ambiental provocada pelo responsável direto pelo empreendimento financiado. Sobretudo porque, em matéria ambiental, a responsabilidade pelo dano é objetiva. No mais, ressalta como os financiadores violariam os compromissos que eles assumiram na esfera da autoregulação como os Princípios de Investimento Responsável das Nações Unidas (UNPRI, na sigla em inglês) e seus próprios normativos internos (estatutos, códigos de ética).
Finalmente, a notificação informa que, no estado atual, o financiador se tornará responsável solidariamente por todos os danos ambientais que vierem a ocorrer, e que ele poderá ser responsabilizado por todos os custos decorrentes dos impactos sobre a fauna, flora e pessoas da região.
IHU On-Line – Quais são os impactos socioeconômicos de Belo Monte?
Roland Widmer – Os perigos e impactos socioambientais se tornam em riscos financeiros e perdas socioeconômicas. Criam-se danos irreparáveis. Tudo isso é bem fundado e documentado, a começar pelo estudo feito a esse respeito pelo painel de especialistas da sociedade civil até um recente estudo feito pelo Conservation Strategy Fund (CSF) e pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, que revela uma probabilidade de apenas 28% do empreendimento gerar uma taxa positiva de retorno ao longo dos primeiros 50 anos de seu funcionamento. Uma análise do cenário de risco calculou uma grande probabilidade de perda para investidores, que oscilaria entre 3 e 8 bilhões de dólares.
IHU On-Line – O que significa a presença dos fundos de pensão no projeto de Belo Monte?
Roland Widmer – Quem pretende entrar são os fundos de pensão de empresas com participação do governo (Petros, Previ, Funcef). Não pode se excluir que eles tenham sofrido certa pressão para entrar. No mínimo, cabe observar que nenhum fundo de pensão de empresas privadas entrou – direta ou indiretamente - no consórcio Norte Energia que pretende construir Belo Monte.
Será que o investimento no empreendimento é no melhor interesse dos previdenciários? Na minha análise, os riscos financeiros e socioambientais e os previsíveis impactos socioeconômicos negativos de Belo Monte apontam para um mau negócio. Isso é confirmado em múltiplos estudos, a exemplo daquele que citei anteriormente.
IHU On-Line – Como você avalia a responsabilidade das ações bancárias dentro do bioma amazônico?
Roland Widmer – Bancos viabilizam e/ou inviabilizam atividades econômicos. No caso da Amazônia, o que se sabe hoje é que várias atividades econômicas dentro do bioma amazônico não “só” são insustentáveis, mas até estão irregulares/em descumprimento das leis vigentes. Porém, elas ocorrem, então tem financiamento. Não há transparência sobre a alocação de recursos, sobre o financiamento das atividades econômicas na Amazônia. Assim sendo, uma avaliação sistemática e completa não é possível, mas há exemplos que ilustram uma triste realidade.
No caso das usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, amplamente conhecidos pelas violações ocorridas no seu planejamento e na construção, BNDES, Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (BASA) e o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), Banco do Nordeste (BNB), Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco, Santander e BES Investimentos do Brasil financiam estas obras. Como mencionamos, a responsabilidade objetiva está engajada e no mais, estas obras estão em descumprimento com o Protocolo Verde e os Princípios do Equador, ou seja, com iniciativas de auto-regulação que esses bancos assumiram voluntariamente.
No caso da pecuária, um estudo elaborado pela ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e outras instituições aponta que quase 50% das emissões brasileiras vêm de atividades ligadas à pecuária, predominantemente na Amazônia. Como mostramos no nosso estudo “A Hora da Conta”, o maior financiador da pecuária é o BNDES. Além de todas as irregularidades ligadas ao setor que são de conhecimento público, não é estranho ver que o BNDES, ligado ao governo, usa dinheiro público para financiar atividades de grande escala que contrariam as metas de redução de gases de efeito estufa que o Brasil assumiu em Copenhague?
IHU On-Line – E como a sociedade civil deve se portar sobre as instituições financeiras?
Roland Widmer – As pessoas têm que se sentir participantes da construção da sociedade e do país, seja nas políticas públicas, seja no acompanhamento de atores privados como os bancos privados. Portanto, quando os bancos se dizem sustentáveis, cabe ao cidadão e ao cliente bancário perguntar o que os bancos fizeram para se autodeclararem sustentáveis. Quais são os planos deles, e, sobretudo, qual é a atuação real deles referente aos desafios da sustentabilidade?
No mais, quais são as leis e que tipo de fiscalização para evitar que os bancos financiem degradação ambiental e exclusão social? Se cada vez mais pessoas e instituições cobram essas informações, a situação vai mudar.
Para ler mais:
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